A carta foi enviada esta quarta-feira a executivos e editores da estação pública britânica, que têm sido repetidamente acusados de assumir uma perspectiva bastante enviesada a favor da ocupação israelita.
Nela, mais de 700 profissionais da imprensa, da TV, do cinema e outras figuras públicas condenam os executivos da BBC por «racismo» e «censura», depois de a estação britânica ter retirado do ar um documentário que sublinha o impacto terrível que a ofensiva genocida israelita em Gaza teve nas crianças palestinianas.
«Enquanto profissionais da indústria que criam histórias para o público britânico, incluindo para a BBC, condenamos a instrumentalização da identidade de uma criança e a insinuação racista de que as narrativas palestinianas devem ser examinadas através de uma lente de suspeita», afirma-se na missiva.
Os subscritores da carta identificam-se como jornalistas e profissionais da TV e do cinema do Reino Unido que escrevem em apoio do documentário da BBC Gaza: How to Survive a War Zone, transmitido no passado dia 17 de Fevereiro no canal dois da BBC e posteriormente disponibilizado no iPlayer.
«Este filme é uma peça essencial do jornalismo, oferecendo uma perspectiva rara sobre as experiências vividas por crianças palestinianas que vivem em circunstâncias inimagináveis, o que amplifica vozes muitas vezes silenciadas. Merece reconhecimento, não censura com motivação política», declaram os signatários, em alusão a pressões israelitas.
«Os apelos para remover o documentário do iPlayer e das redes sociais criam um precedente perigoso. Como profissionais dos meios de comunicação social, estamos extremamente alarmados com a intervenção de actores políticos, incluindo diplomatas estrangeiros, e com o que isso significa para o futuro da radiodifusão neste país», alertam.
Silenciar o sofrimento palestiniano
«Se todos os documentários realizados em zonas de conflito fossem sujeitos a este nível de escrutínio politizado em relação aos colaboradores, a produção cinematográfica nestas áreas tornar-se-ia praticamente impossível», sublinham, acrescentando que «silenciar o relato em primeira mão de uma criança sobre a sobrevivência em Gaza, onde mais de 13 mil crianças foram mortas desde Outubro de 2023, não é uma questão de conformidade, mas de apagar o sofrimento palestiniano».
A BBC informou que o documentário deixaria de estar acessível na sua plataforma de streaming enquanto estivessem a decorrer verificações adicionais. Os signatários da carta lembram à empresa o dever de «resistir à pressão política que visa suprimir as narrativas que humanizam os palestinianos».
Outro aspecto apontado na carta é o relativo à campanha que foi lançada para descredibilizar o documentário por nele ser dada voz a Abdullah al-Yazouri, uma criança de 14 anos cujo pai foi vice-ministro da Agricultura no enclave cercado.
A este propósito, os signatários sublinham que «confundir tais papéis de governação em Gaza com terrorismo é factualmente incorrecto e desumanizante», acrescentando que «esta retórica generalizada pressupõe que os palestinianos que ocupam cargos administrativos são inerentemente cúmplices da violência – um tropo racista que nega aos indivíduos a sua humanidade e o direito de partilhar as suas experiências vividas».
Jasleen Kaur Sethi, realizadora que subscreveu a missiva, disse que «no cerne deste filme estão as crianças a sobreviver numa zona de guerra e, como documentaristas, temos o dever sacrossanto de as proteger», acrescentando que «a campanha para desacreditar este filme as desumanizou e, de forma vergonhosa, se arriscou a pôr as suas vidas e segurança em perigo».
Por seu lado, Liam O’Hare, realizador e produtor de documentários também signatário da carta, frisou que, «enquanto jornalistas e cineastas, temos o dever de ajudar a contar a sua história e foi isso que este filme fez de forma tão brilhante».
Neste sentido, defendeu que «a BBC não pode permitir que uma campanha politizada tenha êxito a silenciar as crianças de Gaza».
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