A iniciativa «Dois dedos de conversa» sobre «A luta das 8 horas nos campos do Sul», de entrada livre, tem como objectivo recordar os tempos de luta pelas 8 horas de trabalho nos campos agrícolas. Ana Moedas, António Pinto, Diogo Júlio, Helena Neves, Leonor Xavier, Maria Farinha e Mónica Beira são os convidados da sessão marcada para as 16h do próximo dia 18, no Museu do Campo Alentejano (MusCA).
No mês de Maio de 1962, cerca de 200 mil trabalhadores rurais do Alentejo e do Ribatejo recorreram à greve para pôr fim ao horário de trabalho medieval de «sol a sol» que era imposto nos campos, conquistando a jornada de oito horas. Recordamos o 60.º aniversário desta magnífica conquista que libertou os trabalhadores agrícolas de uma ignóbil servidão1 para prestar homenagem aos homens e mulheres que foram obreiros dessa luta heróica, enfrentando com coragem e sentido de classe os grandes agrários e a repressão fascista. Mas também assinalamos esta luta vitoriosa para evidenciar o seu elevado significado político e histórico, atento o contexto da época, desde logo porque intimamente associada à grandiosa jornada de luta que constituiu o 1.º de Maio desse ano, jornada de massas que ficou para a história da resistência antifascista, em Portugal, como um marco da luta da classe operária e de todos os trabalhadores, dos democratas e patriotas contra a exploração e a opressão, pela liberdade e a democracia. A limitação dos salários e a longa duração dos horários, a par dos ritmos intensivos de trabalho, são elementos intrínsecos ao modo de produção capitalista, ou dito de outro modo, constituem-se como componentes inerentes ao sistema de exploração. A reivindicação dos trabalhadores em reduzir o tempo de trabalho teve sempre a resistência obstinada e muitas vezes violenta do patronato que encara qualquer cedência neste campo como uma redução imediata dos seus lucros. De facto, há quase um século e meio que as lutas operárias têm como principal reivindicação a redução do horário de trabalho2, sendo que a luta pela concretização deste objectivo é, também ela, um elemento que potencia a acção e a intensificação da luta dirigida, quer ao aumento dos salários, quer à melhoria de outras condições de trabalho, visando a progressiva emancipação dos trabalhadores. A mecanização da agricultura e a introdução da monda química, nos anos 50, agravaram muito o desemprego, enquanto continuaram a ser praticados salários de miséria e horários de trabalho desumanos. Quanto a condições sociais, essas simplesmente eram inexistentes: «Os assalariados agrícolas não tinham subsídio de desemprego, nem reforma, nem assistência médica, nem segurança social. Tinham salários de miséria, passavam fome, eram trabalhadores sem direitos! (…) O desemprego atormentava os trabalhadores longos meses sem ganharem um tostão para o seu sustento e das suas famílias»3. Já no quadro de uma evolução organizativa, no plano sindical e político, surgiram as chamadas «comissões de rancho»4, «comissões de herdade» e «comissões de praça de jorna»5, tornando-se estas últimas na principal forma de organização dos assalariados agrícolas, a exemplo da forma de organização sindical nas oficinas, onde o operariado tinha criado as «comissões de unidade». E foi assim que as praças de jorna se transformaram no centro da resistência à repressão dos agrários e no coração da luta reivindicativa. No final da década de 50, a luta pelas oito horas ganha um forte impulso com a multiplicação de reuniões e plenários de trabalhadores nas vilas, aldeias e outras localidades do Alentejo e do Ribatejo, com o objectivo de elaborar um Caderno Reivindicativo para ser apresentado ao Instituto Nacional do Trabalho (INT), assente em três pontos: i) garantia de trabalho para todos; ii) salário mínimo de 30$00; horário de oito horas. O dia 1.º de Maio de 1962 foi definido como nova etapa para o desenvolvimento da luta pelas oito horas, e para esta decisão foram ponderados vários factores. Pese embora terem sido considerados perigos reais, que nunca deixaram de estar presentes no contexto da violenta repressão fascista, desde logo a proibição de os trabalhadores celebrarem, manifestarem ou sequer festejarem o dia 1.º de Maio, foram examinados outros elementos de avaliação, como o amadurecimento das novas formas organizativas e a experiências das lutas anteriores, em crescente progressão. Mas, sobretudo, foi considerada uma nova realidade que evidenciava o aprofundamento da crise do regime fascista, bem assim a enorme vontade que era manifestada pelos trabalhadores de vários sectores em saírem à rua nesse 1.º de Maio, em particular os trabalhadores rurais, decididos a não recuarem nos seus objectivos reivindicativos. Acresce que Maio é um dos meses em que as culturas agrícolas reclamam muitas e exigentes tarefas e, como tal, possibilitam melhores condições a favorecer o poder negocial dos trabalhadores no confronto com o patronato. Por outro lado, o País tinha iniciado esse ano num quadro de grande efervescência política e social, com a multiplicação dos protestos e das lutas em várias áreas e sectores, todas elas a desaguarem num formidável movimento de massas. Para apreender o significado mais profundo deste processo de luta é preciso ter presente que logo no 1.º dia de Maio dezenas de milhares de operários agrícolas, homens e mulheres paralisaram totalmente o trabalho em dezenas de localidades, continuando as greves nos dias subsequentes, alastrando o movimento grevista a muitas outras aldeias, vilas e cidades. Em poucas semanas, o operariado agrícola impõe o horário das oito horas no Alto Alentejo e no Litoral Alentejano mas, também, em grande parte do Baixo Alentejo, da Extremadura, do Ribatejo e do Algarve. A mobilização, centrada na palavra de ordem «Não trabalhemos mais de sol a sol! Só trabalhemos com as oito horas!», constituiu um potente movimento de massas, para o qual foi determinante a iniciativa das comissões locais e a adesão de muitos ranchos que vindo de outras regiões para trabalhar, não se limitaram a abandonar o trabalho, mas antes se transformaram em comités de greve que percorreram outras herdades e localidades, numa acção importante que contribuiu para alargar a unidade e o protesto e garantir o êxito da luta. A repressão foi, como sempre, violenta. No 1.º de Maio e nas semanas que se seguiram, a presença da PIDE, da GNR e de militares armados com metralhadoras, foi presença constante. Houve despedimentos, espancamentos, prisões, torturas e assassinatos. Contudo, o movimento tornou-se imparável, os trabalhadores resistiram e mantiveram-se organizados, unidos e firmes na luta. Ao 1º de Maio de 1962 está, portanto, associada a luta vitoriosa do proletário agrícola, com milhares de trabalhadores a conquistar as 8 horas logo nas primeiras semanas. Antes de terminar o ano, o horário das 8 horas de trabalho diário já tinha sido «decretado», e tornado irreversível pela luta dos trabalhadores, em todos os campos do sul. O processo de luta que conduziu à conquistas das 8 horas pelos trabalhadores agrícolas é inseparável da evolução política, social e sindical que criou as condições para uma nova fase de desenvolvimento da luta. Por sua vez, a luta destes trabalhadores reforçou a luta geral do movimento operário e de outros sectores da sociedade contra a exploração, pela liberdade e a democracia. Quer de uma perspectiva quer de outra, e ambas são convergentes, é forçoso salientar o papel insubstituível que o Partido Comunista Português - o único partido organizado na resistência ao fascismo - teve na organização e mobilização dos trabalhadores, indissociável das lutas que agravaram as contradições do regime fascista e o seu isolamento nacional e internacional. Determinante, nesse particular, foi a linha de orientação traçada pela direcção do PCP, depois da sua reorganização de 40/41, para a acção dos militantes comunistas em relação aos sindicatos nacionais6: «Fazer pressão sobre as direcções dos sindicatos nacionais para que defendam as reivindicações exigidas pelas massas operárias e acompanhem as lutas reivindicativas da classe. Essa pressão pode e deve fazer-se (…) com representações de comissões dos operários ou ida em massa à sede do sindicato nacional exigir que este defenda as reivindicações apresentadas. (…) Entrar em massa para os sindicatos nacionais e aconselhar os trabalhadores a entrarem, com a finalidade de transformarem estes de organismos defensores dos interesses do patronato em organismos defensores dos interesses da classe. (…) Eleger direcções de trabalhadores honestos que gozem da confiança da classe, quaisquer que sejam as suas convicções políticas, ou religiosas. (…) Esta acção (…) exige a multiplicação dos movimentos reivindicativos em todas as fábricas e empresas. A formação de comissões e comités de unidade ligados estreitamente às massas»7. A partir destas orientações, a influência dos militantes comunistas tornou-se incontornável, quer na ligação aos trabalhadores e no desenvolvimento da luta reivindicativa, quer na sua organização e defesa da unidade, com a criação de comissões e outras formas unitárias de acção e de luta, quer com o consequente movimento de massas a nível nacional, articulando a luta económica com a luta contra a ditadura fascista. Nos primeiros meses de 1962 intensifica-se a luta nas fábricas, nos campos, nas escolas, nos serviços, nos quartéis. Cresce o descontentamento popular, as lutas do movimento estudantil, as acções militares, como o ataque ao quartel de Beja, contra a ditadura. O 1º de Maio de 1962 veio a transformar-se no rio onde desaguaram todos os protestos. No Rumo à Vitória8, Álvaro Cunhal descreve esse 1.º de Maio como «uma das maiores, se não a maior jornada de luta antifascista desde o advento da ditadura e a maior vitória de sempre do Partido Comunista na mobilização das massas populares para uma jornada política». Em Maio também evocamos a memória de Catarina Eufémia9, a heróica mulher que, em 19 desse mês de 1954, tombou nos campos de Baleizão às balas assassinas das forças fascistas quando tomava a frente da luta dos camponeses, em greve por melhores salários e condições de trabalho. E ao lembrar Catarina, queremos também homenagear, na sua pessoa, todos aqueles que perderam a vida ou sofreram a violência da besta fascista. Em todos eles, exaltamos o exemplo de luta de gerações de homens e mulheres que enfrentaram com muita coragem a repressão e lutaram para que, finalmente, fosse possível o 25 de Abril e, com ele, a restauração das liberdades e da democracia. Nesta passagem do 60.º aniversário de tão heróicas jornadas de luta do povo português, e de homenagem a Catarina Eufémia, não ignoramos que neste momento da vida nacional, tal como no passado, os trabalhadores e o povo travam duras batalhas contra o custo de vida, pelo aumento dos salários e das pensões, contra a precariedade e pelo trabalho com direitos, pela melhoria geral das condições de vida e de trabalho. Sim, hoje, tal como ontem, a luta é indispensável para construir uma sociedade mais justa, livre da exploração, mais solidária e fraterna! Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
Maio de 1962: marco histórico da luta antifascista e contra a exploração
Da «praça de jorna» a formas superiores de organização, unidade e luta
A repressão não impediu o avanço impetuoso do movimento grevista
A conquista das 8 horas no contexto da luta antifascista, contra a exploração, pela Liberdade e a Democracia
Em Maio também evocamos Catarina Eufémia. O seu exemplo é inspirador para as lutas que hoje e no futuro precisamos travar
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Desde 1919 que os trabalhadores da indústria e do comércio em Portugal trabalhavam oito horas diárias, enquanto que os trabalhadores agrícolas trabalhavam «de sol a sol», recorda a Câmara Municipal de Avis num comunicado.
A conquista da jornada de oito horas de trabalho nos campos do Alentejo e do Ribatejo só aconteceu em Maio de 1962, após muitas lutas. «Foram muitos os homens e mulheres de diferentes gerações que durante longos anos lutaram por esta conquista no nosso concelho», refere a autarquia. Para que as suas histórias não sejam esquecidas, «numa conversa informal, vamos falar com algumas pessoas que ainda testemunharam na primeira pessoa estes acontecimentos e outras que nos vão falar das lutas travadas a partir daí», lê-se na nota.
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