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Afinal, por que lutam os professores?

Aos professores não peçam que calem a luta, que fiquem paralisados enquanto o tempo avança e a legislatura se esgota, enquanto o governo toma decisões e aceita decisões que outros tomam e que põem em causa a resolução dos problemas.

CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

Em nome da austeridade, o governo de Sócrates e o de Passos Coelho, e as suas maiorias parlamentares, deixaram de respeitar o tempo de serviço prestado pelos trabalhadores da administração pública que, com outras exigências, é condição necessária para os desenvolvimentos de carreira, de acordo com o que a legislação determina. 

Fizeram o trabalho que lhes competia, cumpriram deveres e obrigações, aliás, em condições particularmente adversas, suportaram sobrecargas e a degradação das condições em que desempenham funções, cortes brutais de rendimento. Os governos fizeram como se não tivessem trabalhado... Assim extorquiram milhares de milhões de euros devidos, neste caso, a quem trabalha no âmbito da administração pública; milhares de milhões vazados nos destinatários habituais dos saques, juros e serviço da dívida, banca, PPP, negócios privados em áreas públicas, etc., etc.

O governo de António Costa prolongou o esbulho e tenta agora encontrar forma de, tanto quanto possível, o perpetuar. Há uma sanha indisfarçável em relação aos professores, não por qualquer calunioso privilégio, mas porque, além de serem necessariamente muitos, são trabalhadores com elevadas qualificações e destacada importância social. Para azia de certa gente, isto há de ter alguma tradução na carreira deles.

Os professores reclamam a normalização, de acordo com o que está consagrado na legislação. Tal não se alcança só com o retomar (mitigado) da contagem de tempo, o dito descongelamento. Exigirá que os professores sejam colocados no ponto da carreira em que devem estar, segundo as regras e a estrutura aprovada, diga-se, por governos do PS. Idêntica reclamação mobiliza outros trabalhadores de outras carreiras? É de inteira justiça que lutem!

Importa dizer, ainda, que as razões dos professores não se esgotam na recuperação do tempo de serviço. O governo também não responde à necessidade de medidas que atenuem o vincado desgaste que atinge os docentes, ao imperativo de fazer face ao envelhecimento do corpo docente, o que, combinado com o tema anterior, suporta a exigência de um regime de aposentação adequado, ao problema da precariedade laboral, em relação ao qual o esforço realizado é manifestamente insuficiente.

Justiça e lei

A normalização da carreira é uma aspiração justa. Quem ataca a luta dos professores, dizendo que são privilegiados, alegadamente por a sua carreira ter escalões (muitos, demasiados!) de quatro anos, devia saber que, hoje, os docentes com 18 anos de serviço ainda estão a chegar ao segundo escalão, quando deviam estar no quinto; ou saber que a lei estabelece que, com 27 anos de serviço, um professor devia estar no oitavo mas, afinal, ainda está retido no segundo escalão! 

Se os argumentos de justiça não mexem com António Costa, o governo e o seu partido, lembrem-se que o Orçamento do Estado – é da lei que voltamos a falar – estabelece a negociação dos prazos e do modo da recuperação do tempo de serviço nas carreiras do tipo da dos professores; não põe à discussão quanto tempo é para apagar, para fazer de conta que não foi tempo de trabalho.

O governo não quer cumprir a lei, quer perpetuar roubos através da não recuperação do tempo de serviço prestado no longo inverno dos congelamentos.

E se a lei em vigor o determina, existe ainda uma resolução da Assembleia da República que a reforça. Recomenda a contagem de todo o tempo e a correspondente valorização remuneratória. Tentado pelo produto do roubo de tempo de serviço, António Costa desvaloriza a recomendação aprovada, também, com os votos do PS.

Não admira que o governo despreze o compromisso que assinou com as organizações sindicais em novembro, no qual se destacava a recuperação do tempo de serviço. Não admira e não se desculpa!

Intransigência de quem?!

A FENPROF, acompanhada pelas organizações que têm convergido no atual processo de luta, vem insistindo com a necessidade de se encontrarem respostas para os problemas, tem apresentado propostas e procurado abrir caminhos. Não reivindica a devolução dos milhões extorquidos nos últimos largos anos: apenas a (progressiva) normalização da carreira docente.

Aceitou não dificultar a discussão com outro tempo de serviço perdido em revisões da carreira (da responsabilidade de governos do PS), perdas que adensam os prejuízos suportados pelos docentes.

Aceitou que a recuperação não arrancasse já este ano mas sim, moderadamente, no próximo. Admite um faseamento prolongado, de forma a não comprometer a dita sustentabilidade do processo.

Apresentou propostas mas não excluiu a possibilidade de as rever e as alongar ainda mais no tempo. Aceitará, aliás, como base de negociação, se assim for proposto pelo governo, a consideração do tempo de serviço por ele admitido, desde que, naturalmente, a recuperação de apenas 30% do tempo não sirva para o roubo definitivo, o apagão, dos outros 70%! Inflexibilidade de quem? Intransigência de quem?!

Notas finais

Contra a luta dos trabalhadores, mexe sempre outro argumento. Em especial a greve, é um direito fundamental da democracia, tem de ser respeitado; mas, com mil diabos, sempre que acontece é inoportuna e demonstra um egoísmo intolerável por parte de quem foi obrigado a fazê-la.

Repete-se com a greve às avaliações que a FENPROF e outras nove organizações sindicais convocaram a partir de dia 18, num importante e ponderado movimento de convergência para a defesa de legítimos interesses dos professores, bem significativo quando os divisionismos do costume, sempre úteis ao poder e muito ativos quando a luta tem de ser mais forte, já assumiram as habituais posições no campo de batalha.

Agora a inoportunidade e o egoísmo voltam a ser porque estamos no final do ano... Conhecemos a ladaínha... A verdade é que os problemas estão colocados há muito e a estratégia do governo tem sido não lhes dar resposta, deixar o tempo passar, adiar, empatar...

Aos professores não peçam que calem a luta, que fiquem paralisados enquanto o tempo avança e a legislatura se esgota, enquanto o governo toma decisões e aceita decisões que outros tomam e que põem em causa a resolução dos problemas. A paciência tem limites.

O governo há de saber e o partido do governo há de lembrar que tal tipo de comportamento tem custos políticos. A continuar assim, chegarão os custos eleitorais.

A justíssima luta dos professores prossegue com a greve às avaliações convocada pela FENPROF e outras nove organizações sindicais que os representam.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990

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