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Chefias médicas demitem-se em bloco no Hospital de São José

Os chefes de equipa de medicina interna e de cirurgia apresentaram a sua demissão em carta tornada pública, devido às «inaceitáveis condições de segurança» daquela unidade e aos riscos para os doentes

CréditosPaulo Novais / Agência Lusa

Uma «situação de emergência» que requer um «plano de catástrofe» – é assim que os chefes de equipa de medicina interna e de cirurgia geral do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) classificam a situação nas urgências do Hospital de São José e as medidas necessárias para lhe fazer face.

Dezasseis médicos apresentaram a demissão em carta dirigida à administração do CHLC «por considerarem que as condições da urgência do hospital de São José não têm níveis de segurança aceitáveis», como refere a Agência Lusa, que teve acesso ao documento. Alguns extractos significativos da carta foram conhecidos hoje através dos meios de comunicação.

A carta e alguns dos seus mais significativos extractos

«Os chefes de equipa de medicina interna e de cirurgia geral, responsáveis pelos cuidados médicos de urgência prestados durante o seu período de serviço, consideram que as actuais condições de assistência no Serviço de Urgência do Hospital de São José ultrapassaram, em várias das suas vertentes, os limites mínimos de segurança aceitáveis para o tratamento dos doentes críticos que diariamente a ele recorrem», refere a carta, segundo a SIC Notícias, que destaca igualmente a afirmação de que a assistência médica prestada na urgência polivalente no CHLC «tem vindo a sofrer, ao longo dos últimos anos, uma degradação progressiva constatada por todos os profissionais» que aí trabalham.

«A falta de pessoal não se verifica apenas nas equipas de medicina interna e de cirurgia geral, mas também noutras especialidades implicadas na assistência aos doentes que recorrem ao serviço de urgência», escreve a SIC Notícias, citando de novo a carta, segundo a qual o elemento mais diferenciado na equipa de urgência é, frequentemente, «o interno dos últimos anos da respectiva especialidade», situação inaceitável num hospital de referência «que recebe todos os casos mais complicados e os doentes mais críticos, muitas vezes enviados de outros hospitais».

Os profissionais demissionários, segundo a mesma fonte, referem que alertaram para a situação várias vezes e que reclamavam «uma gestão racional de recursos financeiros e humanos centrada no doente e com envolvimento dos responsáveis directos pelo seu tratamento».

«A política de recursos humanos, ou a sua ausência, não procedendo à contratação de médicos mais jovens que rejuvenesçam as equipas, cada vez mais envelhecidas», não compensa «as saídas que, pelos mais diversos motivos, se têm verificado» e tem conduzido «a uma delapidação progressiva dos médicos que as integram», referem ainda os médicos, considerando «fundamental uma avaliação profunda das razões que levaram à acentuada diminuição da procura de formação no atual CHLC, em oposição franca à que anteriormente se verificava, bem como das razões que levaram ao abandono precoce de muitos especialistas e mesmo à inexistência de candidatos nalguns concursos que foram abrindo».

Situação vai repetir-se noutras unidades hospitalares, afirma-se

O bastonário da Ordem dos Médicos, ouvido pela LUSA, afirmou à agência que «a gravidade da situação relatada» o levou a «programar uma visita ao hospital» já na próxima semana e que «as demissões de chefias, como aconteceram no hospital de São José, vão repetir-se noutras unidades».

«Nós temos de dizer a verdade às pessoas. Não podemos andar a enganar as pessoas»

Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, em declarações à LUSA (07/07/2018)

O bastonário Miguel Guimarães afirmou à agência ter notícia de que «noutros grandes hospitais do país as coisas vão acontecer provavelmente até de forma mais grave», acusando o ministro da Saúde de se encontrar num estado de «negação permanente da realidade».

Entre outras situações, os clínicos referem a existência de «internos (médicos em formação) a fazer urgência sozinhos, sem apoio directo de médicos especialistas», o que «viola completamente as regras dos internatos médicos», afirmou o bastonário, que, durante a sua visita, quer apurar com as equipas demissionárias e a administração hospitalar «que internos, de que especialidades».

Sobre a constituição das equipas de urgência Miguel Guimarães referiu que apenas por «muitos médicos com mais de 55 anos» continuarem a aceitar fazer urgência (quando a partir daquela idade estariam dispensados) os serviços se têm «mantido à tona de água»

Também em declarações à LUSA, o presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, Alexandre Valentim Lourenço lembrou ser o Hospital de São José uma «unidade final de referência», recebendo doentes de outras unidades hospitalares espalhadas pelo país – o que obviamente agrava o caso e lhe merece uma «preocupação muito grande». Os problemas em São José são conhecidos pelo clínico, que os constatou já em Maio, durante visita que efectuou ao hospital, tendo informado dos mesmos a administração hospitalar. Mas «em Maio [a administração] desvalorizou o problema», referiu Valentim Lourenço, confessando não saber «se a desvalorização vai persistir» e desafiando a administração do CHLC a «assumir se consegue ou não fazer o seu trabalho de gestão e resolver os problemas».

Ministro da Saúde apanhado de surpresa com demissões no São José

Segundo o Expresso, «o ministro da Saúde foi apanhado de surpresa pela notícia das demissões», tendo remetido «todas as explicações para a presidente do Conselho de Administração do CHLC, Ana Escoval», a qual fez saber estarem a ser feitos «esforços para tentar encontrar uma solução para os problemas apresentados» pelos chefes de equipa demissionários. Refira-se que o CHLC agrega unidades hospitalares como o São José, o Curry Cabral ou a Maternidade Alfredo da Costa, tendo ainda esta semana sido noticiado que, nesta última, desde Abril se encontram encerradas três salas de parto por falta de profissionais de saúde – sobretudo médicos e enfermeiros.

Governo e Ministério da Saúde debaixo de fogo

A situação de degradação do serviço hospitalar do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a incapacidade do Ministério da Saúde em reconhecer os conhecidos problemas que lhe estão na origem (nomeadamente a flagrante falta de profissionais de saúde, nomeadamente médicos e enfermeiros) e em tomar as medidas de contratação de pessoal que se exigem para garantir as condições mínimas de funcionamento para os hospitais do SNS, têm fragilizado o ministro da Saúde e o governo.

Ainda recentemente, na comissão parlamentar de Saúde, o ministro Adalberto Campos Fernandes foi alvo de críticas insistentes das várias bancadas parlamentares (à excepção do PS), tendo por fim admitido que não estaria em condições de admitir durante o corrente ano os profissionais estimados necessários ao SNS, devido a constrangimentos orçamentais.

Esta situação tem sido denunciada pelas bancadas do PCP, BE e Verdes, que têm exigido a injecção de recursos para salvar o SNS da sua prolongada depauperação e criticam simultaneamente o governo e os partidos da direita, PSD e CDS-PP, por criticarem o governo pela prática de uma política que eles mesmo praticaram nas legislaturas em que foram maioria.

As organizações representativas de médicos e enfermeiros, sejam as ordens ou os sindicatos, têm sido unânimes na denúncia da grave situação que se vive de há anos no SNS, a qual antecede em muito a questão pontual do novo horário dos enfermeiros, como PSD e CDS-PP têm vindo a insinuar a fim de escamotearem as suas graves responsabilidades na degradação do SNS, enquanto governos.

A carta dos chefes das equipas médicas de Medicina Interna e Cirurgia Geral do CHLC, apontando «uma degradação progressiva», «ao longo dos últimos anos», dos serviços de assistência médica numa área tão crítica como a do Serviço de Urgência hospitalar, dá voz, mais uma vez, aos profissionais de saúde e seu elevado sentido de responsabilidade, pondo o dedo na ferida sobre as verdadeiras razões que, de há largos anos para cá, têm vindo a conduzir o SNS à beira da ruptura, nomeadamente a política de recursos humanos (ou a falta dele, como aponta a carta).

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