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Estado da Nação: que País temos?

Em dia de debate do Estado da Nação, o AbrilAbril faz a retrospectiva da legislatura em áreas fundamentais, como a Saúde e a Educação. Registam-se avanços positivos para os trabalhadores e o País, apesar das limitações que o Governo do PS decidiu impor a esse caminho.

CréditosTiago Petinga / Agência Lusa

Este é, por natureza, um momento de balanço. Desta vez, analisam-se quatro anos de uma solução política que nasceu da expressão eleitoral de 2015 e que, mau grado as profecias da direita (recorde-se a expressão de Passos Coelho: «vem aí o diabo»), revelou ser possível desequilibrar o xadrez político, que tendencialmente privilegiava os do piso de cima.

Com a legislatura que agora termina, confirma-se que não se alterou a natureza do PS, que, sempre que precisou, convergiu com a direita em matérias fundamentais, como o esbanjar de dinheiro com a banca privada, a contagem do tempo de serviço dos professores ou a manutenção das normas gravosas da legislação laboral.

No entanto, são inegáveis passos e avanços significativos, ligados à luta incessante travada pelos trabalhadores e pelas populações.

«é o número de deputados de cada grupo parlamentar que determina a política nacional, ao contrário da tão propalada ideia de que se vota em "candidatos a primeiros-ministros"»

Boa parte das políticas implementadas que beneficiaram as camadas mais desfavorecidas teve o condão de revelar que a liquidação de direitos e a subversão da democracia – ao contrário do que fez crer o governo do PSD e do CDS-PP – não são questões inevitáveis. Da mesma forma que a reposição de direitos e rendimentos não levou o País à bancarrota, bem pelo contrário.

Nas inúmeras análises ao «Estado da Nação» proferidas maioritariamente por sectores da direita, sobressaem as fragilidades inerentes à falta de investimento nos serviços públicos, onde o Governo do PS se destacou, com reconhecido demérito, por ter travado inúmeras propostas que permitiriam ter resolvido problemas candentes, em nome do sacrossanto défice e da «boa saúde» das contas públicas.

Mas estará o País pior do que há quatro anos? A análise mostra que não.

Mais profissionais de saúde

O sector da Saúde é um dos que mais se têm destacado no palco mediático, com frequentes ataques ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Apesar de fragilizado pelo crónico subfinanciamento e com 40% do seu orçamento a ser injectado no sector privado – nomeadamente nas parcerias público-privadas (PPP) –, os números mostram que o total de médicos e enfermeiros no SNS cresceu na actual legislatura, tendo passado de 126 212 em 2015, para 134 113 em 2018. Embora ainda insuficientes para as necessidades de resposta do serviço público, representam 7901 contratações, sendo 3626 delas referentes a clínicos.

Além de haver mais profissionais no SNS, foram alcançados avanços como a redução das taxas moderadoras e dos custos com medicamentos para os utentes.

Entre as medidas inscritas, que demoram a sair do papel por inacção do Governo, está o alargamento de novas vacinas no Plano Nacional de Vacinação e a construção de novos hospitais.

Em contraciclo com as debilidades do SNS está o crescimento do sector privado, em particular dos grandes grupos económicos. Cresce, no privado, o número de camas que vão sendo subtraídas ao serviço público, tal como crescem os lucros dos prestadores privados, onde empresas como a Luz Saúde e a Mello Saúde (CUF) já facturam cerca de 1500 milhões de euros.

Entretanto, e apesar de notícias como as que foram recentemente divulgadas sobre o Hospital de Cascais em PPP denunciarem o verdadeiro apetite pelo negócio da Saúde, o CDS-PP não tem parado de defender o esvaziamento do SNS, da mesma forma que o PS parece não querer fechar a porta às PPP na nova Lei de Bases, ainda em discussão.

Manuais escolares gratuitos

No plano da Educação, e apesar dos obstáculos à sua aplicação, a gratuitidade dos manuais escolares é uma das medidas com maior alcance social da legislatura. Abrange cerca de milhão e meio de crianças e jovens, e permite aliviar as famílias deste encargo, que ronda os 1500 euros para os 12 anos de escolaridade obrigatória.

No entanto, esta medida pode ainda correr riscos na sua universalização, uma vez que o Governo do PS e os inconformados com este avanço insistem em impor a reutilização cega dos manuais.

Outra medida benéfica para as famílias, e que pode alavancar o aumento da taxa da natalidade, é a universalização da rede pré-escolar até aos três anos. Apesar de já ter sido aprovada, obriga a corrigir insuficiências da rede pública, designadamente no alargamento do número de salas, para que seja efectivamente uma realidade.

A falta de auxiliares de educação nas escolas não é coisa nova mas foi bem evidenciada ao longo da legislatura através da luta destes profissionais. Apesar de a portaria de rácios ter sido alterada e de haver mais trabalhadores, as escolas continuam a precisar de milhares de funcionários, o que permite concluir sobre a necessidade de finalmente adequar o número de trabalhadores em função das reais necessidades dos estabelecimentos.

Entre os avanços alcançados no Ensino Superior, destacam-se a redução do valor das propinas, assim como o facto de o não pagamento das mesmas ter como única consequência o não reconhecimento dos actos académicos. Até aqui, o incumprimento tinha consequências como a anulação da matrícula e da inscrição anual. Os alunos ficavam impedidos de realizar nova matrícula no período de dois anos e privados de acesso aos apoios da acção social escolar, sendo duplamente penalizados.

A revolução dos novos passes

A introdução do novo passe social intermodal, com vantagens ambientais, sociais e económicas, é a marca revolucionária desta legislatura no sector dos transportes públicos. A este avanço junta-se o travão inicial à privatização da Carris, Metro, Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP) e também da TAP, ainda que parcialmente.

De negativo, surge o facto de o Governo do PS não ter dado resposta quer à falta de trabalhadores, quer ao investimento que é necessário fazer, desde logo, nas infra-estruturas e no reforço da oferta de transportes públicos, sempre em nome da redução do défice e a reboque de Bruxelas.

«Não há política de esquerda com legislação laboral de direita»

Esta foi uma afirmação muitas vezes proclamada pelas estruturas sindicais ao longo dos últimos quatro anos. Apesar da nova correlação de forças na Assembleia da República, foi evidente a conivência do PS com o PSD e o CDS-PP sempre que estava em causa elevar os direitos da classe trabalhadora.

O Governo não só tem resistido a resolver aspectos fundamentais para a vida dos trabalhadores, como insiste em avançar com alterações à legislação laboral, que a CGTP-IN classifica como um «atentado aos direitos» de quem trabalha, tendo motivado a marcação de uma manifestação nacional, hoje, em Lisboa.

Apesar de tudo, há vitórias a registar. A reposição de rendimentos, de feriados e das 35 horas, o fim dos cortes nas pensões e o seu aumento extraordinário ao longo de três anos consecutivos, assim como o aumento do salário mínimo nacional, embora aquém do que seria possível e desejável, foram algumas das medidas conseguidas nesta legislatura.

A estes avanços associa-se a reposição de instrumentos de contratação colectiva no sector público empresarial e a eliminação das restrições à contratação de trabalhadores na Administração Local, assim como o alargamento da protecção aos desempregados e, entre outras medidas, a valorização das longas carreiras contributivas e medidas de combate à precariedade, que sendo importantes são ainda insuficientes. Porque, apesar da subida do emprego, continuam a proliferar os vínculos precários e os baixos salários.

Mas também no direito à habitação foi aprovada a Lei de Bases que consagra medidas positivas nesta área, sendo um dos sectores em que os resultados das próximas eleições serão decisivos para determinar se tais medidas vêem ou não a luz do dia.

Economia recupera mas continua cerceada por Bruxelas e pelas opções do Governo do PS

Os últimos quatro anos demonstraram as potencialidades que uma política de devolução de rendimentos e direitos tem para o crescimento do País, devolvendo sobretudo a esperança a uma população fustigada pelas medidas draconianas da troika.

A procura interna, com o consumo das famílias a ocupar lugar destacado, foi determinante para o crescimento económico mas, vista do lado de quem passou a consumir mais, foi um elemento de satisfação de necessidades que eram negadas, algumas das quais necessidades básicas.


Os instrumentos de que o País precisa para se desenvolver de uma forma soberana continuam, no entanto, nas mãos de privados, apesar da actual solução ter travado ou revertido a privatização de algumas empresas.

Pese embora as limitações evidenciadas, sobressai a intervenção das forças à esquerda do PS, que desde o dia 5 de Outubro de 2015 colocaram a tónica na necessidade de travar a política de direita, sendo este o elemento novo da legislatura. Evidenciando-se que é o número de deputados de cada grupo parlamentar que determina a política nacional, ao contrário da tão propalada ideia de que se vota em «candidatos a primeiros-ministros».

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