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Guerra e sanções só servem grupos económicos

No debate preparatório do Conselho Europeu, esta tarde no Parlamento, António Costa falou na «urgência» da redução do IVA sobre os produtos energéticos e advogou que a defesa da paz «não se faz só com manifestações». 

CréditosTiago Petinga / Agência Lusa

A brutal subida dos preços, designadamente da energia, foi um dos temas levantados na última sessão plenária da legislatura pela deputada comunista Paula Santos, que defendeu que os aumentos tenderão a acentuar-se, «não apenas pela incerteza quanto ao gás natural e pelos aproveitamentos abusivos, mas sobretudo por causa do efeito das sanções» que, acrescentou, «penalizam os mesmos de sempre [...] enquanto os grupos económicos continuam a amealhar fabulosos lucros».

Ao mesmo tempo, lamentou que o Conselho Europeu esteja a preparar-se para decidir sobre um reforço das despesas militares «quando dizem que não há dinheiro» para as funções sociais do Estado e para dar resposta aos problemas sociais que o País enfrenta. «Até se fala em isenções de IVA na compra de armamento e de outro material e equipamento militar, quando são aplicadas taxas máximas de IVA em bens de primeira necessidade, como a eletricidade ou o gás de botija», criticou. 

A redução do IVA sobre os produtos energéticos foi uma reivindicação que ecoou no Parlamento, a que se juntou o fim da dupla tributação do Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP), como defenderam PCP e BE. Telmo Correia, que na próxima legislatura não terá, à semelhança dos restantes deputados do CDS-PP, assento no Parlamento, pediu a redução do ISP enquanto não houver autorização de Bruxelas para reduzir o IVA. Ainda no plano dos combustíveis, o deputado da IL criticou o Governo por se «limitar a pedir autorização» para baixar o IVA, quando subiu o ISP em 2016.

Mas Paula Santos aproveitou para recordar que, se PS, PSD, CDS-PP, Ch e IL tivessem aprovado medidas como o fim da dupla tributação e do adicional do ISP, a baixa da taxa do IVA na electricidade, do gás e do IVA nos combustíveis, e a regulação das margens grossistas pelo estabelecimento de uma tabela de preços máximos, o «desproporcionado e injusto» aumento da factura da energia teria sido evitado. 

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Governo rejeita fixar preços dos combustíveis

Ministro do Ambiente assume que os aumentos dos combustíveis são «expressivos», mas tarda em intervir nas margens comerciais e rejeita fixar o preço por litro. Vamos «todos» pagar, diz. 

CréditosJosé Sena Goulão / Agência Lusa

Acabou por ser João Pedro Matos Fernandes a deslocar-se ao Parlamento esta terça-feira para falar sobre a escalada do preço dos combustíveis, conforme requerimento do PCP. No debate, na Comissão Permanente da Assembleia da República, o ministro do Ambiente afirmou que o Estado «não fixa nem quer fixar» o preço por litro do gasóleo ou da gasolina, apesar dos aumentos «expressivos» que, diz Matos Fernandes, «todos» vamos pagar, reconhecendo existir um «entendimento» entre as empresas petrolíferas nos preços dos combustíveis. 

Quanto à intervenção nas margens de lucros das gasolineiras, o ministro diz ter uma «grande vontade» de usar o instrumento fixado na lei, mas escudou-se no período de discussão pública do regulamento e disse esperar que «em Maio, Junho esteja em cima da mesa». Entretanto, há sectores, como o das pequenas e médias empresas, que contestam os «paliativos» adoptados pelo Governo e rejeitam continuar reféns da «especulação oportunista» das petrolíferas.

Também Duarte Alves, do PCP, admitiu ontem que o aumento dos combustíveis «tem um carácter especulativo», e só irá beneficiar os lucros milionários das petrolíferas «se não houver coragem política» para enfrentar os grandes interesses, defendendo o controlo público do sector da energia.

A insuficiência das medidas apresentadas pelo Governo foi uma das tónicas do debate, seja do ponto de vista fiscal, seja pela não regulação dos preços. Para o deputado comunista, o problema dos preços tem de ser abordado em três componentes: nas margens, na fiscalidade e na cotação internacional, onde «está a origem deste brutal aumento». 

«É por causa deste sistema de cotações especulativo que temos este absurdo: o preço do petróleo aumenta um dia, logo a seguir aumentam os preços dos combustíveis, quando esses combustíveis foram já refinados há meses, a partir de petróleo comprado a um preço inferior», denunciou Duarte Alves.

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O «monstro» dos lucros garantidos na energia denunciado por dentro

«As política do sector eléctrico entre 1996 e 2011 criaram um dos sistemas de maior sobrecusto pago pelo consumidor e de rendas excessivas». Quem o diz é o ex-presidente da Autoridade da Concorrência.

Abel Mateus durante a sua audição perante a Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade, na Assembleia da República, em Lisboa. 11 de Setembro de 2018
CréditosJosé Sena Goulão / Agência LUSA

Abel Mateus foi o primeiro a ser ouvido no regresso dos trabalhos da comissão de inquérito parlamentar às rendas no sector eléctrico e a sua audição passou largamente despercebida pela comunicação social. Mas a apresentação feita pelo responsável pela entidade criada precisamente para acompanhar a liberalização do sector eléctrico foi demolidora para a estratégia política prosseguida por governos do PS, do PSD e do CDS-PP.

O diagnóstico feito no início de Setembro, no Parlamento, é impiedoso para dois dos principais responsáveis políticos pelos polémicos CMEC, os contratos que garantiram elevadas rendas à EDP: os ministros Carlos Tavares (PSD/CDS-PP) e Manuel Pinho (PS).

Ambos consultaram a então recém-criada Autoridade da Concorrência entre 2004 e 2005 sobre a matéria, mas Abel Mateus afirma que as preocupações expressas foram ignoradas pelos responsáveis políticos na elaboração dos diplomas.

Privatização e liberalização criaram um «monstro»

Os problemas no sector, segundo Abel Mateus, remontam à década de 1990 e à decisão de privatizar a EDP. O processo, iniciado em 1997, transformou «um quasi-monopólio público num quasi-monopólio privado». Dois anos antes, o governo tinha estendido os CAE (antecessores dos CMEC) a todas as unidades produtoras de energia da empresa. Os CAE, criados para financiar projectos de investimento, tornam-se num instrumento que garante o rendimento das centrais da EDP à custa de dinheiros públicos. Isto, recorde-se, num quadro em que ia sendo preparada a entrega da empresa a privados.

A existência dos CAE tem sido apontada como o elemento determinante para a criação dos CMEC. O argumento que os responsáveis políticos de então vêm referindo é que era necessário substituir os compromissos do Estado para com a EDP por outros – mudar o nome mas manter a renda garantida.

Concorrência no sector foi um embuste

Para além de apontar as responsabilidades políticas no «monstro», o primeiro presidente da Autoridade da Concorrência afirma que a estratégia para o sector criou «um simulacro de “mercado”, totalmente comandado, com preços, margens e até lucros totais garantidos aos geradores de eletricidade».

Abel Mateus é igualmente crítico da forma como foi subsidiada a instalação de centrais eólicas, já que a imaturidade tecnológica da solução resultou num custo de subsidiação superior a 5 mil milhões de euros entre 2006 e 2018.

Banca, Energia e PPP já custaram 55 mil milhões de euros

O economista sublinhou, no final, que a subsidiação de negócios privados no sector eléctrico, bancário e nas parcerias público-privado já custaram ao País 55 mil milhões de euros. Um valor suficiente para pagar um aumento salarial médio de 100 euros para todos os trabalhadores da Administração Pública durante mais de meio século.

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O líder parlamentar do BE questionou igualmente o Governo sobre a demora na fixação de margens máximas de lucros das gasolineiras. Segundo informação da Entidade Nacional para o Sector Energético (ENSE), nos últimos dois anos, as margens das petrolíferas foram, em média, superiores às de 2019, atingindo o máximo do período analisado. Diz ainda a ENSE que é a margem bruta que explica o aumento que então se verificava, e que entretanto se agravou.

Tal como evidenciou ontem o deputado comunista, quando o barril de petróleo atingiu o seu valor máximo histórico (acima de 140 dólares), em Julho de 2008, o gasóleo era vendido a 1,41 euro. No passado dia 7 de Março o barril chegou aos 130 dólares, e o preço do gasóleo chegou (nalgumas gasolineiras ultrapassou) aos dois euros. 

«Neste momento, a Galp está com margens de refinação na ordem dos 9,8 dólares por barril de petróleo refinado, quando o normal nos meses homólogos do ano anterior era de dois ou três dólares, tendo chegado a sete dólares em alturas extraordinárias», afirmou Duarte Alves. 

Apesar disso, Matos Fernandes argumentou que «o gasóleo e a gasolina aumentam mesmo porque o petróleo está a aumentar», constatando que os fenómenos de subida e descida dos combustíveis face ao preço do barril do petróleo acontecem a velocidades muito diferentes, tal como havia referido a deputada do CDS-PP, Cecília Meireles. 

À bancada do PSD, que criticou a «brutal carga fiscal sobre os combustíveis», Matos Fernandes respondeu com a criação da taxa de carbono, pelo governo de Passos e Portas. Pelo PCP, que requereu o debate, as soluções no plano fiscal passam pelo fim do adicional ao Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP), criado pelo Governo em 2016, e pelo fim da dupla tributação do ISP em sede de IVA. 

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Segundo António Costa, o actual cenário «evidenciou a urgência de acelerar a transição energética», salientando que o pedido da redução do IVA sobre todos os produtos energéticos já foi «formalmente feito à União Europeia». Ainda nas medidas de curto prazo, o primeiro-ministro defendeu a fixação de um tecto máximo para o preço de referência do gás, «de forma a que possamos evitar contaminação do preço da electricidade pelo crescimento não controlado do preço do gás», mas sem explicar como vai enfrentar os interesses dos oligopólios.

Pelo BE, Catarina Martins criticou a «onda inflaccionista que pesa sobretudo sobre as famílias com menores rendimentos e que tem de ser controlada», admitindo que «as sanções económicas contra a Rússia também não justificam inteiramente esta crise». Ao mesmo tempo, lembrou que as margens das petrolíferas duplicou no ano passado e que as quatro maiores petrolíferas mundiais anunciaram a distribuição de 48 mil milhões de euros aos seus accionistas.

A coordenadora bloquista criticou ainda que «o governo português tenha tido posições das mais conservadoras no seio da União Europeia, tanto a nível fiscal como na formação de preços». «Nunca usou a lei que lhe permite estabelecer preços máximos e, na UE, tem defendido os interesses da EDP e resistido à alteração da remuneração da energia hídrica», acrescentou.

Também Paula Santos aproveitou para questionar se, agora que a União Europeia admite, no caso da eletricidade, «a necessidade de mexer nas sacrossantas regras do mercado e instituir algum tipo de regulação», o primeiro-ministro vai colocar ao Conselho Europeu a necessidade de combater a opacidade na formação do preço dos combustíveis. E se está disposto a tomar as medidas necessárias para garantir que os preços nos consumidores reflectem os custos na produção, em vez dos «lucros colossais» permitidos aos grandes grupos económicos, lembrando que até Emmanuel Macron «já fala em nacionalizar empresas estratégicas do sector energético». 

No Parlamento, o primeiro-ministro desmentiu ainda notícias que afirmam que Madrid ia deixar cair a proposta de preço máximo no mercado grossista de electricidade, garantindo que continua a ser trabalhada pelos dois países. 

O reforço da «Europa da defesa» foi outro dos pontos abordados por António Costa,  no qual o primeiro-ministro defendeu a necessidade de um «instrumento claro de complementaridade entre a NATO e a União Europeia». 

O fim da escalada do conflito que grassa no Leste da Europa desde 2014, através da instauração do cessar-fogo e da promoção do diálogo com vista a uma solução negociada, garantindo o apoio humanitário às populações e aos refugiados foi um dos apelos deixados pela deputada do PCP, no respeito do direito internacional, da Carta das Nações Unidas e da Acta Final da Conferência de Helsínquia. 

«É este o caminho em que o Governo se deveria empenhar, assim como a União Europeia, e não na continuação da política de confrontação, com mais ameaças e sanções. Não se põe fim à guerra insistindo no caminho que conduziu a ela. A guerra, o militarismo, a confrontação não são o caminho para a paz», disse a deputada comunista. Em reacção, o primeiro-ministro afirmou que a defesa da paz não se faz «só com manifestações a dizer "não há guerra"», mas com «manobras dissuasoras» como as da NATO.

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