Depois do chumbo do Orçamento do Estado para 2022, em Outubro, que a agora ministra Ana Catarina Mendes classificou então de «responsável» e de «esquerda», não obstante as medidas nele previstas permitirem alcançar a degradação das condições de vida dos trabalhadores da Administração Pública, mas também das funções sociais, como se tem visto no Serviço Nacional de Saúde (SNS), o Governo volta a socorrer-se de um plano de comunicação para defender o conjunto de medidas que gizou em nome do apoio às famílias.
O ministro das Finanças, responsável por detalhar o programa, faltou ao debate sobre o «aumento do custo de vida e dos lucros dos grupos económicos e o agravamento das desigualdades», marcado pelo PCP, e onde foram ouvidas várias críticas à actuação do Governo.
Paula Santos, líder da bancada parlamentar comunista, denunciou o facto de o PS se recusar a enfrentar os interesses e o poder dos grupos económicos, preferindo «sacrificar as condições de vida» dos trabalhadores, pensionistas e reformados. A crítica nasce da ausência de medidas no programa do Governo, e que o PCP já apresentou, como o aumento de salários, pensões e prestações sociais, o controlo e fixação de preços de bens e serviços essenciais e a tributação dos lucros dos grupos económicos, que, a avaliar pelo primeiro semestre do ano, gozam de boa vitalidade.
«A inflação atingiu níveis históricos e já significou um corte de 50 euros por mês a um trabalhador que receba o salário mínimo nacional. Num ano tem um corte de quase um salário, mas o Governo acena com uma prestação de 125 euros como se isso resolvesse o problema», denunciou Paula Santos, que defendeu um «aumento intercalar do salário mínimo nacional para 800 euros já em Setembro, com a perspectiva da sua fixação em 850 euros em Janeiro de 2023».
Limitadas e insuficientes, as medidas apresentadas pelo Executivo não travam a escalada da inflação porque não interrompem a subida dos preços, mas protegem os interesses dos grandes grupos económicos. Chegou a ser descrito como «pacotão», mas o que se percebe do conjunto de medidas anunciadas esta segunda-feira por António Costa é, mais uma vez, a falta de vontade política para uma resposta estrutural aos problemas com que os portugueses estão confrontados e, novamente também, a intenção de deixar a salvo os interesses dos grandes grupos económicos ao não intervir, por exemplo, na fixação dos preços, medida que poderia dar alguma estabilidade aos bolsos das famílias. Ao contrário do que afirmou esta manhã o ministro das Finanças, o programa definido não só está longe de ser «eficaz» na resposta, tendo em conta que é curto e concentrado no tempo, como se revela prejudicial para os pensionistas, ao comprometer o rendimento destes a longo prazo. Segundo o que foi aprovado ontem em Conselho de Ministros, no próximo mês os pensionistas (que recebem até 5318,4 euros mensais) vão receber uma prestação única equivalente a meia pensão, juntamente com o valor da prestação mensal. Mas este bónus acaba por não o ser, já que o Governo adianta aos pensionistas uma parte do valor que deveriam receber em 2023 pela actualização automática das pensões, prevista na lei. Nos meses de Novembro e Dezembro, e não obstante não se perspectivar uma alteração favorável da inflação, o valor das pensões voltará a ser o de Setembro. Entretanto, a partir de Janeiro do próximo ano, em vez do mecanismo de actualização automática previsto na lei, que, a ser aplicado, ditaria aumentos entre os 7,1% e os 8%, o Executivo propõe-se realizar aumentos que ficam apenas entre 3,53% e 4,43%, ou seja, praticamente metade, não acolhendo o valor da inflação em 2023. Tendo em conta esta alteração, e assumindo que não haverá outras, a partir de 2024 os pensionistas irão receber menos do que receberiam se o Governo de António Costa não tivesse avançado com este «bónus». Recorde-se que, em Maio, na discussão na especialidade do Orçamento do Estado, o PS (e também a IL) chumbou o aumento das pensões e dos salários da Administração Pública, mantendo-se para estes a miserável cifra de 0,9%. O pacote de medidas apresentado com grande adjectivação pelo Executivo deixa de fora o aumento dos salários, nomeadamente do salário mínimo nacional, e medidas como a fixação dos preços ou a taxação dos lucros dos grandes grupos económicos, que permitiriam o reforço das funções sociais do Estado. Em vez de um real aumento dos salários, o Governo fica-se por uma prestação única, também em Outubro, de 125 euros a cada trabalhador que ganhe até 2700 euros brutos mensais, mas que não chega sequer a metade do valor da inflação já verificado. Veja-se o caso de um trabalhador que aufere o salário mínimo nacional e que desde o início do ano tem estado a perder 50 euros todos os meses. No mesmo mês e a pensar nos mais novos, mas pouco, foi considerado um cheque único e irrepetível de 50 euros «por cada descendente, criança ou jovem» que as famílias tenham a cargo. A medida não vai servir sequer para aliviar o custo do regresso às aulas e que anda, em média, segundo revelou o JN esta segunda-feira, nos 350 euros por aluno do Ensino Básico e nos 600 euros para cada aluno do Secundário. Igualmente limitada no tempo é a redução do IVA da electricidade, de 13 para 6%, a que o Governo tem vindo a resistir. A medida estará em vigor a partir de Outubro e até Dezembro do próximo ano, e será aplicada aos primeiros 100 kWh consumidos em cada mês, mas desde que a potência contratada não supere os 6,9 kVA. Uma análise do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgada em Outubro do ano passado concluiu que a despesa média anual da luz subiu mais de 200 euros no período entre 2010 e 2020, não obstante o aumento dos lucros do sector. No pacote aprovado pelo Governo consta também um «travão» ao aumento das rendas, com a respectiva compensação dos proprietários através de reduções no IRS e no IRC. A medida prevê um tecto máximo de 2% de aumento em 2023, em vez dos 5,43% de actualização que resultariam da aplicação do habitual coeficiente anual. No plano dos combustíveis, o Executivo continua a fugir a medidas que poderiam aliviar as famílias, como a fixação e o controlo dos preços, ou a taxação dos lucros das petrolíferas (só a Galp arrecadou 420 milhões no primeiro semestre), optando por manter a redução do ISP, equivalente a uma descida do IVA da gasolina e do gasóleo de 23% para 13%, e o congelamento da taxa de carbono até ao final de 2022. António Costa frisou ontem que a medida equivale a poupanças de 16 euros por cada 50 litros de gasóleo e de 14 euros por cada 50 litros de gasolina. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
Governo aceita perda de poder de compra ao manter subida dos preços
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Sobre a proposta do Governo para os pensionistas, uma das mais contestadas pela oposição, Paula Santos assumiu tratar-se de «uma fraude», acusando o Governo de «condicionar a valorização das pensões e reformas». «O Governo que anda há meses a propagandear o aumento histórico, afinal o que pretende, na verdade é condicionar e obstaculizar a valorização das pensões e das reformas», disse.
Apesar de prever uma redução de 250 euros anuais na conta dos pensionistas após 2023, como salientou a deputada bloquista Mariana Mortágua, Gabriel Bastos, secretário de Estado da Segurança Social, alegou que a opção tomada pelo Governo «não prejudica em um cêntimo os pensionistas». Por outro lado, e recuperando a ideia de «contas certas», António Mendonça Mendes, secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, argumentou ser «necessário responder ao que o País tem capacidade para enfrentar 2023 com grandes certezas», escamoteando o facto de o Executivo travar a lei que permitia valorizar as pensões.
Governo prepara entrega serviços de saúde a privados
O estado do SNS foi outro dos temas em debate, com deputados, como João Dias do PCP, a acusarem o Governo de estar a preparar a entrega de mais serviços públicos aos privados. Os comunistas exigem o reforço do financiamento do SNS e se valorizem carreiras e remunerações dos profissionais de saúde.
«O Governo assistiu passivamente ao enfraquecimento do SNS», criticou João Dias, realçando que «são os interesses dos grupos privados da saúde que determinam a estratégia de reduzir o serviço público a um mínimo assistencialista que responda aos utentes mais frágeis deixando o restante para favorecer o lucro do sector privado».
Pelo BE, o deputado Pedro Filipe Soares recordou o facto de este ter sido intitulado o «orçamento mais à esquerda de sempre», realçando que «falta vontade de cuidar dos serviços públicos». O deputado Rodrigo Saraiva, da IL, acusou o Governo de incompetência, enquanto o social-democrata Ricardo Baptista Leite acusou o PS de se ter «escondido atrás de uma maioria absoluta para não responder perante o País», apesar da vontade do PSD não ser diferente quanto a entregar o SNS aos privados.
«Até quando a impunidade dos grupos económicos?»
A pergunta foi largada no hemiciclo pelo deputado comunista Bruno Dias a propósito dos lucros dos grandes grupos, que disparam «à custa dos sacrifícios do povo». Bruno Dias aproveitou para confrontar o Governo com o facto de o brutal aumento da energia e dos combustíveis resultar em lucros milionários para os grupos económicos do sector, que o Governo insiste em deixar de fora de qualquer taxação.
«São as opções políticas de quem prefere deixar intocados os interesses do poder económico, em vez de defender o interesse nacional», registou o eleito, salientando que as medidas anunciadas pelo Governo «são curtas e tardias». «Andamos há anos a fio a propor essa medida (regresso à tarifa regulada no gás). Sabe quando é que foi a última vez? Foi agora em Maio, mas teve o voto contra do CH, IL, PSD e PS», registou Bruno Dias, salientando que o mesmo aconteceu para a tarifa regulada da electricidade.
Reconhecendo o facto de o PCP ter feito a proposta para regresso ao mercado regulado numa altura em que os efeitos da inflação galopante eram já bem visíveis, João Galamba escusou-se a dizer que «as medidas se tomam quando são necessárias».
«O Governo insiste em ignorar o descontrolo absoluto sobre a formação de preços e sobre as margens abusivas e injustificadas, que continuam com total impunidade», disse ainda Bruno Dias, realçando que a margem bruta de refinação na Galp «quase quintuplicou». Também o deputado Rui Tavares (Livre) salientou que não pode haver «medo de intervir legalmente na formação de preços», realçando que, em «em momentos como o que estamos a viver, isso não tem nada de mais, é, aliás, o básico da resposta à crise».
A encerrar o debate do custo de vida, a deputada comunista Alma Rivera recuperou o pacote do Governo para denunciar que, quando este opta por uma prestação para todos os trabalhadores que não cobre metade do valor perdido com a inflação, «aquilo que realmente está a fazer é a submeter-se ao grande patronato ao não operar um aumento geral dos salários absolutamente urgente», realçando haver «todas as condições» para avançar com as soluções apresentadas pelo PCP na Assembleia da República.
A deputada acabou a pedir «coragem» ao Executivo de António Costa, sublinhando que «não podem ser sempre os mesmos a pagar» e que «é preciso escolher o povo e o País».
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