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Militares da GNR que torturaram por «satisfação e desprezo» continuam em funções

Só dois anos após os acontecimentos, em que sete elementos da GNR sequestraram e torturaram trabalhadores imigrantes em Odemira, foram feitas as acusações.

Créditos / GNR

Ao todo, os sete militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) são acusados de um total de 33 crimes, entre os quais se conta o abuso de poder, sequestro e ofensas à integridade física qualificada. Os telemóveis, com os quais os militares gravaram o ataque cobarde levado a cabo contra imigrantes asiáticos em 2019, foram apreendidos ainda nesse ano.

A investigação do Ministério Público vem-se arrastando desde essa altura, permitindo que os agressores continuassem, sem qualquer tipo de sanção ou aplicação de medida de prevenção contra novas agressões, a exercer, normalmente, as suas funções.

A reportagem da CNN Portugal revelou as acusações concretas que estavam a ser preparadas para cada um dos militares. Entretanto, dos sete envolvidos (entre os 25 e os 32 anos), cinco continuam a exercer funções, à espera das sanções atribuídas pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), e dois estão já suspensos. Três destes agentes já tinham sido identificados em processos de agressão semelhantes, contra imigrantes, no mesmo concelho.

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Intensificar a acção contra a violência e as discriminações

O Conselho da Europa publicou um relatório sobre problemas de discriminação racial e violência no País, e insta as autoridades nacionais a adoptarem políticas mais efectivas na sua erradicação e prevenção.

CréditosPatrick Seeger / EPA / Agência Lusa

Num memorando publicado na semana passada, apresenta-se a análise relativa ao ano de 2020, feita pelo Comité Europeu de Direitos Sociais do Conselho da Europa. Ao todo foram adoptadas 349 conclusões sobre 33 estados europeus. Do total, 152 relatórios são de não-conformidade, 97 de conformidade e 100 em que não foi tomada qualquer decisão por falta de informação disponível.

As questões identificadas pelo comité quanto à efectivação de um conjunto vasto de direitos são muitas. Desde logo, destaca-se a prevalência de situações de pobreza entre pessoas com deficiência, mas também «falhas recorrentes» dos estados em garantir o acesso a direitos laborais em condições de igualdade, registando-se discriminação no acesso ao emprego, desigualdades de género nos salários e a dificuldade em combater e prevenir situações de trabalho forçado e a exploração.

O comité é composto por 15 peritos independentes, cujo trabalho passa por se pronunciarem sobre a observância das disposições da Carta Social Europeia pelos estados que a ratificaram. Esta monitorização é feita quer através de relatórios bienais, quer pela apreciação de queixas que são submetidas ao organismo.

A Comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatović, apelou às autoridades portuguesas para que se empenhem de forma mais decidida no combate ao racismo, assim como na prevenção e combate à violência contra as mulheres.

Política abrangente e integrada para a comunidade cigana

Entre as diversas conclusões avançadas pelo estudo, encontra-se a continuidade da violação o direito a habitação digna, o que afecta de forma particular a comunidade cigana. Segundo os dados publicados, cerca de 37% de ciganos portugueses vivem em bairros de lata ou acampamentos em 70 municípios.

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Pandemia aumenta casos de violência doméstica

Os dados resultam do estudo elaborado pela Escola Nacional de Saúde Pública e revelam que foram os mais jovens, os menos escolarizados e pessoas com dificuldades económicas que apresentaram mais queixas.

«Parecia que o juiz era a defesa do meu ex-marido», revelou Susana
Créditos / BragaTV

Através de um inquérito online, concluiu-se que 15% de inquiridos vivenciou episódios de violência doméstica entre Abril e Outubro do ano passado. Sendo que 34% das pessoas inquiridas sofreu de violência doméstica pela primeira vez durante a pandemia e 72% das vítimas não denunciou os abusos.

Os dados reportam-se na sua maioria a mulheres (77,8%), entre os 25 e os 54 anos, e com ensino superior (82,1%). A amostra conta com 1062 participantes, e não é representativa da população, pois teve como objectivo analisar a violência doméstica auto-reportada durante o período de medidas restritivas de combate à pandemia.

Sónia Dias, professora na Escola Nacional de Saúde Pública, e coordenadora do estudo, revela ao Público que «todos os dados parecem indicar que o contexto da pandemia acaba por agravar os factores associados à violência doméstica».

Para a investigadora factores como a obrigatoriedade do confinamento e a diminuição de condições económicas podem contribuir para o agravamento destas situações de violência. Ainda que o registo de novos episódios de violência doméstica tenha ocorrido sobretudo entre pessoas com formação superior e sem dificuldades económicas.

Verifica-se também que 51% das vítimas pode não ter consciência de ter experienciado episódios de violência, porque pese embora respondam que sofreram de violência, afirmam não terem sido vítimas.

Os dados revelam ainda que quem mais queixa fez foram os mais jovens, os menos escolarizados, as pessoas com dificuldades económicas, e os pedidos de ajuda são sobretudo junto de profissionais de saúde mental.

As conclusões, segundo Sónia Dias, vão no sentido do que já existe noutros países, isto é, a diminuição de denúncias não se traduz numa diminuição do fenómeno. E são apontados diversos motivos para não denunciar, como a consideração de que a ajuda é desnecessária, de que não alteraria a situação, a ideia de que o abuso não foi grave ou que as autoridades não fariam nada.

Os últimos dados trimestrais, publicados sobre o Governo, sobre o crime de violência doméstica, e que se reportam de Julho a Setembro de 2020, revelam que o número de queixas à PSP e GNR foi praticamente o mesmo do que o registado no período homólogo.

Recorde-se que, em Julho de 2020, as vítimas de violência doméstica passaram, por proposta do PCP, a poder requerer que a sua morada seja ocultada nas notificações das autoridades dirigidas ao agressor.

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Mesmo registando como positivas algumas das medidas tomadas no País no sentido de melhorar as condições em que vive a comunidade cigana, o comité conclui que os programas de realojamento dos municípios levaram muitas vezes a uma «segregação» desta comunidade, fazendo falta uma política mais abrangente e integrada. Na realidade, mesmo com os realojamentos ao abrigo da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, 20% das famílias ciganas continuam a viver em condições precárias e sujeitas a despejos forçados.

Recorde-se que a questão da habitação tem sido levantada de forma persistente por diversas associações e partidos políticos, por se tratar de um direito que continua por efectivar, seja por força da especulação imobiliária, seja por ausência de políticas concretas que concretizem esta prerrogativa constitucional. São as camadas mais pobres da população que mais sofrem com esta realidade.

Para contrariar isto, aprovou-se, em 2019, a primeira Lei de Bases da Habitação, da qual constam medidas como a criação do Programa Nacional de Habitação e da Carta Municipal de Habitação, que permite mobilizar solos para programas habitacionais públicos e privados de custos controlados. Todavia, a sua aplicação, por parte do Executivo, mantém-se aquém das necessidades das populações.

Tolerância zero para a discriminação racial

No relatório, insta-se Portugal a fazer mais para «enfrentar» o seu passado colonial e o seu papel no esclavagismo, como passo para combater o racismo e a discriminação que o País enfrenta nos dias de hoje.

O impacto desta discriminação afecta quem dela sofre em vários aspectos da vida, como a habitação, o emprego e o acesso a cuidados de saúde.

Os dados a que o estudo se refere levam os relatores a concluir que se assiste a uma escalada de discursos discriminatórios e xenófobos, nomeadamente nas redes sociais, em alguns espaços da comunicação social, mas também em alguns sectores políticos.

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O racismo vem no pacote do capitalismo

O assassínio de George Floyd coincide com uma tensão social acumulada, e não apenas nos Estados Unidos, devido à estratégia de confinamento e de descalabro económico associada à pandemia de COVID-19.

Um manifestante empunha uma bandeira nacional invertida, um sinal de grande aflição e pedido de ajuda, perto de um edifício em chamas, em Minneapolis, estado do Minnesota, EUA, durante os protestos pela morte de George Floyd
CréditosJulio Cortez / AP Photo

A explosão social em curso nos Estados Unidos na sequência da execução policial e extrajudicial de George Floyd não é nova num país que nasceu do massacre organizado e sistemáticos dos povos indígenas do seu território. É a revolta de oprimidos, explorados, discriminados e excluídos por um sistema que não sabe – nem pode – funcionar de outra maneira: com base na violência e na intimidação.

A circunstância de o martírio de Floyd ter acontecido praticamente em directo, tal a velocidade de divulgação que o vídeo do crime adquiriu nas redes sociais e na internet em geral, tornou este exemplo de uma arbitrariedade policial que está na génese das corporações de «segurança» dos Estados Unidos ainda mais dramático que outros do mesmo género distribuídos ao longo das décadas.

Acresce que o assassínio de George Floyd coincide com uma tensão social acumulada, e não apenas nos Estados Unidos, devido à estratégia de confinamento e de descalabro económico associada à pandemia de COVID-19 e cujos méritos e deméritos ainda terão um dia de ser avaliados com distanciamento histórico – se houver condições de liberdade e vontade para isso. A explosão social é uma consequência da agudização das circunstâncias, adquire talvez uma expressão quantitativa e de intensidade directamente proporcional à gravidade dos acontecimentos mas, previsivelmente, ir-se-á extinguindo não tanto como consequência da barbárie da repressão inerente ao regime mas pela própria falta de organização, da carência de objectivos concretos, das infiltrações policiais violentas e provocatórias e do assalto oportunista do aparelho do Partido Democrático ao controlo dos movimentos. O mesmo partido/regime que dias antes aprovara na Câmara dos Representantes, onde tem a maioria, uma lei autorizando o reforço dos poderes policiais.

Não sendo ainda certo, apesar da gravidade da situação, que assistamos à queda do fascista de turno à cabeça do império.

O racismo

Seguindo o guião habitual, que cataloga as coisas pela rama e as formata para fácil consumo das grandes audiências, a comunicação social dominante define genericamente os acontecimentos como manifestações contra o racismo. Como se o racismo fosse um fenómeno isolado, sem contexto, e a densidade desta revolta fosse explicada unicamente pelo facto de um polícia branco ter esmagado o pescoço de um cidadão negro – aliás no país onde, como está provado, o regime mandou matar Martin Luther King. Agora «somos todos Floyd», como já fomos outras vítimas e instituições agredidas, mas improvavelmente a generosidade e a solidariedade irão mais uma vez dar em nada para que tudo continue na mesma e a sociedade em que vivemos permaneça intrinsecamente racista, xenófoba, discriminatória.

Porque é de sua natureza; porque essa é a essência do capitalismo, sobretudo depois de catapultado para um neoliberalismo selvagem e em estado de crise.

Não há maneira de combater eficazmente o racismo sem atacar organizadamente o capitalismo; assim como não é possível lutar pela paz ou actuar eficientemente contra as alterações climáticas sem agir contra quem faz a guerra ou destrói o planeta: o capitalismo.

Racismo, violência policial, xenofobia, homofobia, discriminação cultural, colonialismo, terrorismo, guerra, destruição do meio ambiente são todos ramos da mesma árvore; são inerentes a um sistema que continua no caminho da globalização e no qual as emergências de nacionalismos e fascismos correspondem a necessidades cada vez mais prementes de assegurar a sobrevivência do próprio capitalismo.

Entranhado na sociedade

O racismo está entranhado na história dos Estados Unidos da América e na sociedade capitalista em geral. Por isso, as declarações de abolição ou as proclamações sobre a erradicação ficam muito aquém do combate efectivo a uma tal aberração.

Nos Estados Unidos a discriminação racial foi tecnicamente abolida na segunda metade do século passado, mas o racismo permanece como pilar essencial da sociedade. As comunidades afro-americana e latina são as principais vítimas das desigualdades e do desequilíbrio social necessário ao funcionamento do sistema de máximo lucro. Os mecanismos são completos e podem expressar-se até de maneira perversa em termos de cor da pele ou de origens. O presidente Barack Obama, um negro, não contribuiu para aliviar a sociedade norte-americana da sua carga racista e discriminatória. Organizou guerras de índole colonial e imperial por razões discriminatórias ditas civilizacionais para mascarar simplesmente o acto de saquear os mais fracos. Nos seus mandatos a violência policial continuou a assassinar negros como sempre fez em quaisquer administrações, democráticas ou republicanas.

E temos o caso do famoso senador fascista Marco Rubio, um latino de origem cubana que está sempre na linha da frente entre os carrascos dos povos da América Latina – que o digam os de Cuba e os da Venezuela. O racismo, a xenofobia, a discriminação vão muito além da cor da pele. Aliás o capitalismo não olha propriamente para a cor da pele dos explorados, desde que o sejam.

O assassínio bárbaro de George Floyd foi o principal detonador da tensão acumulada pelo inferno social criado por 38 milhões de novos desempregados nos Estados Unidos em apenas algumas semanas, pelo facto de a trágica gestão da pandemia ter atingido principalmente os mais vulneráveis e os mais necessitados, o que significa as comunidades minoritárias afro-americana e latina. O racismo abriu o caminho de uma revolta social que, no limite, desestabilizaria o próprio sistema se este, na sua versão bipartidária totalitária, não dispusesse de um impressionante manancial de recursos para lhe fazer frente. E passará pela cabeça de alguém, olhando as encenações promovidas pelo Partido Democrático em honra de George Floyd, que uma eventual administração de Joe Biden em 2021 iria combater o racismo e travar os assassínios por violência policial?

Versão europeia

Demonstrando as afinidades práticas, ainda que nem sempre concordantes no plano do discurso, com o comportamento do regime de Washington, as instituições europeias não tiveram ainda uma palavra sobre a execução de George Floyd. Não basta declarar-se contra a pena de morte: é preciso sê-lo.

Confirmando ainda que não existe qualquer sintonia entre os órgãos instalados em Bruxelas e as populações europeias têm-se multiplicado manifestações multifacetadas contra o racismo e de repúdio pelo assassínio de Floyd.

O facto a realçar neste quadro é que não seria necessário «importar» casos de racismo e de violência dos Estados Unidos para motivar protestos na Europa. Do lado de cá do Atlântico há razões de sobra para repudiar racismo, xenofobia, discriminação, colonialismo e perseguições contra minorias sem necessidade de ir buscar inspiração pontual além-fronteiras.

O tratamento institucional da União Europeia em relação aos imigrantes, refugiados e os mais desfavorecidos em geral deveria suscitar acção e revolta constantes. A Europa é um continente racista, colonialista, que usa e abusa, com discriminação e violência, do eurocentrismo cultural e civilizacional.

Os muros, barreiras e cercas contra refugiados e imigrantes, as vergonhosas discussões entre governos sobre quotas de admissão de pessoas fugindo de guerras, quantas delas provocadas por países e entidades europeias, não suscitam socialmente a revolta que deveriam merecer.

Passam em claro, como parte do velho normal, sucessivos casos de violência policial através da Europa contra bairros periféricos de grandes cidades, para onde são empurradas as comunidades marginalizadas pelo aparelho económico triturador – uma discriminação institucionalizada que nem sempre, mas também, se orienta pela cor da pele, a etnia, a nacionalidade da família de origem.

Há situações limite, porém, em que a inversão de valores é total. A participação de nações europeias e de instituições como a União Europeia e a NATO em guerras de agressão contra países em estados inferiores de desenvolvimento, contra povos vulneráveis, são exemplos maiores de violência discriminatória. No entanto, escassas são as manifestações populares massivas de repúdio e revolta. Pelo contrário, passa bem através da generalidade do tecido social a mensagem construída pelos poderes, incluindo a comunicação cúmplice, de que se trata de actos humanitários, legítimos e de elevado valor civilizacional.

Não se poupam, aliás, os elogios públicos ao envio de tropas europeias para antigas colónias de várias nações do continente com o objectivo de ir ensinar a esses povos, certamente ainda inferiores, que não devem guerrear-se entre si, sobretudo quanto perturbam o normal fluxo de riquezas naturais extorquidas a esses países e suas populações pelos governos que enviam os militares. Eis uma forma de racismo que não é racismo por ser suposto que nações e instituições civilizadas que renegam oficialmente o racismo não pratiquem o racismo.

Praticam, porém, o capitalismo na sua versão mais selvagem. Inevitavelmente, a discriminação, a xenofobia, o racismo estão incluídos no pacote de malfeitorias do sistema, por muito que os praticantes apregoem o contrário

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A par disto, há ainda os dados do Governo que revelam um aumento em 50% das queixas de discriminação racial em 2020, para 655. Todavia, estes números podem revelar um aumento do registo de queixas e um maior conhecimento dos direitos e mecanismos a que se pode recorrer, sem que espelhem, ainda, de forma completa esta realidade, porque se estima que muitos casos continuem por ser reportados.

Neste sentido, as recomendações passam pela implementação de um plano de acção abrangente contra o racismo e a discriminação, desde logo pelo posicionamento público de agentes políticos, como também pela adopção, quer pelas forças de segurança, quer pelo Ministério Público, do alargamento do espectro dos crimes de racismo, assim como a necessidade de maior celeridade na resolução de todos estes processos.

São ainda enunciadas como preocupantes as situações em que se verifica «má conduta policial com motivação racial», assim como o registo de uma maior «infiltração em alguns segmentos das polícias» de movimentos de extrema-direita. Questão que deve ter «tolerância zero» por parte das autoridades.

Erradicar e prevenir a violência contra as mulheres

São reconhecidos como positivos, no relatório, os desenvolvimentos na política de combate à violência doméstica. Não obstante, alerta-se para o facto de que a violência contra as mulheres continua a ser um fenómeno que regista níveis alarmantes em Portugal.

Será fundamental a adopção de medidas adicionais para fazer evoluir as mentalidades e sensibilizar sociedade para esta questão. Uma das recomendações dos relatores é que as autoridades tomem medidas que assegurem que estes crimes sejam devidamente investigados e punidos e que as penas sejam suficientemente dissuasoras.

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A propósito dos crimes de violação e de coação sexual

Em direito penal, há que procurar garantir a proteção efetiva dos bens jurídicos essenciais, sob pena de se legislar para satisfazer o politicamente correto, desvalorizando o juridicamente devido.

Créditos / HealthGoesUp

Encontram-se neste momento em apreciação na Assembleia da República dois projetos de lei tendentes à alteração do Código Penal, designadamente dos tipos legais de violação e coação sexual e respetivo impulso processual. São os Projetos de Lei n.º 1047/XIII (do PAN) e n.º 1058/XIII (do BE), que se legitimam pelo cumprimento da Convenção de Istambul, oportunamente ratificada por Portugal.

A propósito destas iniciativas legislativas, e sem ter como objetivo a sua análise técnico-jurídica aprofundada, cabe equacionar a oportunidade e a adequação das propostas apresentadas.

A abordagem desta temática tem como pressuposto a gravidade (que assumimos como) inquestionável deste tipo de criminalidade. No entanto, tal não implica que um melhor combate do fenómeno passe necessariamente pela reconfiguração da tipificação penal e/ou pela alteração do regime processual. E, exatamente pela gravidade da temática, impõe-se que qualquer iniciativa legislativa jurídico-penal acautele com especial rigor uma melhor tutela dos valores em crise.

A criminalização de determinada conduta pressupõe a gravidade da mesma e a necessidade de proteger bens jurídico-penais que (já) o são e como tal são assumidos pela comunidade. E o que vale, em sede de neocriminalização, vale por igual para as decisões de reconfiguração do tipo legal previamente existente, em particular quando se trata de tipos legais codificados. Não é, pois, legítimo utilizar o direito penal, e menos ainda o Código Penal, como instrumento de consciencialização social em prol de um determinado bem ou valor. Cabe a este propósito referir o caráter de “ultima ratio” classicamente atribuído ao direito penal, o que faz do mesmo necessariamente fragmentário e nunca um veículo de mudanças culturais, independentemente da validade das mesmas.

«a gravidade inquestionável deste tipo de criminalidade não implica que um melhor combate do fenómeno passe necessariamente pela reconfiguração da tipificação penal e/ou pela alteração do regime processual»

Uma das alterações marcantes nos projetos de lei em análise prende-se com a alteração da categorização processual do crime. Se hoje o processo depende de queixa do ofendido, as alterações preconizadas pretendem que o crime passe a ser público, bastando uma qualquer notícia do crime – que não necessariamente da sua vítima – para que o procedimento seja iniciado, com a subsequente investigação penal.

O crime público dirige-se em primeira linha ao interesse público (à partida inerente ao direito penal) mas secundariza o interesse eventualmente divergente da vítima, que pode preferir silenciar o crime em prol do seu bem estar ou até da sua saúde mental. Neste sentido, tornar o crime público pode corresponder a uma eventual instrumentalização da vítima face ao esclarecimento da verdade material que aquela preferia manter oculta. Os crimes de violação e de coação sexual configuram uma intromissão grave na intimidade da vítima. Sendo o crime público, corre-se o sério risco de também a perseguição penal o ser.

Impõe-se a este propósito uma série de questões relativas à bondade prática da alteração. Desde logo, este tipo de criminalidade não ocorre, em geral, de modo público, pelo que não será provavelmente expectável um aumento exponencial de notícias de crimes por parte de terceiros que, perante o conhecimento casual dos mesmos, os pretendam denunciar. Numa outra ótica, será de admitir a opção de uma qualquer vítima que, temendo a denúncia do crime por terceiros, opte por nem sequer relatar o crime que sofreu aos que lhe são mais próximos. Ou que evite recorrer a serviços de saúde que lhe seriam úteis.

«O crime público secundariza o interesse eventualmente divergente da vítima, que pode preferir silenciar o crime em prol do seu bem estar ou até da sua saúde mental. Os crimes de violação e de coação sexual configuram uma intromissão grave na intimidade da vítima. Sendo o crime público, corre-se o sério risco de também a perseguição penal o ser»

Cremos ser pertinente equacionar nesta sede uma certa violência processual contra a própria vítima que, em resultado do regime processual que se pretende alterar, se verá objeto de uma investigação penal que bem pode potenciar a sua revitimização. A este respeito cabe referir que a Convenção de Istambul, indicada como fundamento das alterações propostas, tem como finalidade a proteção da vítima (em concreto, mulher) contra todas as formas de violência, acautelando expressamente a vitimização secundária.

Uma das alterações propostas nos projetos de lei em apreciação prende-se com as molduras penais e respetivos limites mínimos e máximos.

Em termos de limites mínimos, quando estes são fixados nos 5 anos, fica-se em dúvida sobre a motivação do limite estabelecido: se o é pela gravidade intrínseca da conduta ou se apenas reflete uma configuração artificial da pena mínima admitida que a torne, na prática, imune a uma eventual decisão judicial de suspensão da execução da pena de prisão aplicada.

Como resulta da lei, a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos pode ser suspensa se, verificadas uma série de circunstâncias, o tribunal assim o decidir. Caso se considere estar esta figura mal configurada em termos genéricos, deverá a mesma ser alterada em conformidade. Já não será legítimo reconfigurar os limites mínimos das molduras penais com o propósito de afastar artificialmente a aplicação deste regime. Acresce ainda que esta suspensão corresponde a uma decisão judicial face ao caso concreto e não a uma decorrência direta da lei.

Já quanto aos limites máximos, uma das molduras indicadas no projeto de lei apresentado pelo PAN prevê uma pena máxima de 16 anos, em linha, designadamente, com a pena máxima do crime de homicídio simples. Aparenta ser esta uma opção incompatível com o paradigma vigente, em que os crimes que afetam o bem vida são os conceptualmente mais graves, sendo por isso passiveis das punições mais elevadas. Acresce que admitir uma pena máxima de 16 anos poderá ser vislumbrado como indício legislativo da desvalorização reflexa do bem vida, o que cremos ser de evitar.

«Em termos genéricos, as molduras penais propostas parecem estar mais centradas na repressão penal do que na proteção de bens jurídico-penais, finalidade última do direito penal, no que adota uma perspetiva eminentemente preventiva. A Convenção de Istambul, indicada como fundamento das alterações propostas, tem como finalidade a proteção da vítima (em concreto, mulher) contra todas as formas de violência, acautelando expressamente a vitimização secundária»

Em termos genéricos, as molduras penais propostas parecem estar mais centradas na repressão penal do que na proteção de bens jurídico-penais, finalidade última do direito penal, no que adota uma perspetiva eminentemente preventiva. Não nos parece que, neste âmbito, o crime se cometa ou deixe de cometer em função de uma menor ou maior moldura penal e não resulta demonstrado nos projetos de lei apresentados que exista correlação comprovada entre tais fatores.

Caso seja sinalizado um problema na aplicação judicial da lei pela generalidade dos magistrados judiciais (na “cultura judicial”, tal como referido no projeto apresentado pelo BE), impõem-se alterações a nível da formação inicial e contínua dos magistrados. Já se a questão se colocar ao nível de alguns magistrados, será de indagar a adequação dos mecanismos de avaliação e disciplinares vigentes.

Será também de acautelar a qualidade da prova, tendo designadamente em conta as condições reais em que as investigações são realizadas, os meios materiais de que os investigadores dispõem, a possibilidade da prova chegar “fresca” ao julgamento ou de estar já depreciada pela passagem do tempo, pois tudo isto são condições objetivas que cabe garantir para uma administração da justiça célere e de qualidade.

Face a alterações penais pretendidas, cabe sempre equacionar a título prévio se é expectável que a criminalidade desça em função de tais alterações. A não ser assim, não se legitimam as alterações pretendidas.

Em direito penal, há sempre que procurar o melhor modo de garantir a proteção efetiva dos bens jurídicos essenciais e não legislar em função de apelos externos que, aparentando (neste caso) preocupação com a situação feminina, poderão suscitar alterações à letra da lei que correm o risco de nada mudar de fundamental na sua aplicação prática. Sob pena de se estar a legislar para satisfazer o politicamente correto, desvalorizando o juridicamente devido.


Sandra Tavares é Professora Universitária e Jurista.

A autora escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)

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Por outro lado, impõe-se o aumento da formação de magistrados, bem como de todos os trabalhadores que prestem serviços de apoio às mulheres vítimas de violência.

Recorde-se que, quanto à violência sobre as mulheres, diversas organizações e forças políticas têm defendido que, a par da importância de se accionarem todos e quaisquer mecanismos possíveis para o seu combate, importa trabalhar para evitar estes crimes, investindo-se em políticas de prevenção deste fenómeno.

A comissária apelou ainda às autoridades portuguesas para que voltem a alterar a definição de violação no Código Penal. Todavia, esta questão, que já mereceu alguma discussão pública no País, não é consensual mesmo entre as organizações de defesa dos direitos das mulheres. Por um lado, porque, defendem, a letra da lei já permite a protecção efectiva das vítimas e porque, por outro, não parece haver correspondência entre o agravemento das penas e a diminuição de casos de violência, devendo sobretudo apostar-se na sua prevenção.

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Os vídeos, gravados pelos próprios, registam a violência das agressões, os insultos racistas, a tortura física e a humilhação a que submeteram várias pessoas de origem estrangeira, oriundas do Bangladesh, Nepal e Paquistão. A pretexto de pretensas «operações stop», os agentes levavam os imigrantes para o posto da GNR onde os submetiam a todo o tipo de agressões e humilhações.

Num dos casos, a vítima é obrigada a inalar gás pimenta (composto químico que causa dor e cegueira temporária), pela boca e pelo nariz, através da utilização de um tubo do aparelho de medição de taxa de alcoolemia. 

Racismo e abuso de poder motivou a acção dos militares da GNR

O «ódio [era] claramente dirigido às nacionalidades que tinham e apenas por tal facto e por saberem que, por tal circunstância, eram alvos fáceis», conclui o relatório da procurador do Ministério Público.

Em comunicado, a GNR afirma que nos «últimos três anos, 28 militares foram objecto de medidas expulsivas da Guarda», reforçando que este «não corresponde ao padrão de comportamento que a GNR e os seus militares devem ter no exercício das suas funções».

Esta situação não é, contudo, uma excepção. Situações de abuso de poder e violência racista têm sido denuncidas nas forças policiais e de segurança. Em 2018, uma jovem de nacionalidade colombiana foi agredida por um segurança ao serviço dos STCP. Três anos antes, 18 agentes da PSP agrediram, violentamente, jovens do Bairro da Cova da Moura. No início de 2020, três agentes espancaram Cláudia Simões, tentando fingir que as feridas tinham resultado de uma queda.

As queixas feitas por discriminação racial aumentaram 50% em 2020, mas a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial não tem dúvidas de que os números continuam a não ser representativos.

«Inaceitável» que envolvidos se mantenham em funções

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O punho da escrita contra o racismo, a xenofobia e o populismo

É um autêntico quadro de honra da língua portuguesa. Mais de 200 escritores, aos quais se juntou a Fundação José Saramago, já assinaram uma carta aberta contra o racismo, a xenofobia e o populismo.

CréditosMiguel A. Lopes / Agência Lusa

Pertencem a diferentes gerações. Divergem em credos, convicções ou concepções estéticas e políticas. Encontram-se espalhados por vários continentes. São homens e são mulheres. São poetas, prosadores, ensaístas e dramaturgos. Escrevem para adultos e para crianças. Alguns são músicos e compositores de canções. Vários receberam prémios literários, entre eles os mais importantes da língua portuguesa. Há os que dirigem ou representam associações de autores.

Todos estão unidos por uma única vontade: não transigir com o racismo, a xenofobia e o populismo em Portugal. Porque, explicam, «como sempre nos mostrou a História, quem adormece em democracia acorda em ditadura».

O dever da palavra

São «escritores portugueses e de língua portuguesa». Estão, «por ofício, cientes do poder da palavra», mas também «do poder da sua omissão». Por isso, «em tempos normais», dizem, não dariam palco a comportamentos racistas, xenófobos e populistas.

As «circunstâncias vividas em Portugal» neste domínio, que consideram «graves e inquietantes», levam-nos a «correr esse risco». Até porque «cultura e literatura não florescem» em «tempos sufocantes» em que o «mais repugnante pode emergir de uma sociedade em crise e em estado de medo».

«Não podemos olhar para o lado nem continuar calados, sob pena de emudecermos», afirmam. Exigem «compromissos políticos que detenham a escalada do populismo, da violência, da xenofobia». Dão o exemplo: «assumimos o compromisso de jamais participarmos em eventos, conferências e/ou festivais conotados – seja de que maneira for – com ideias que colidam com os princípios da tolerância e da dignidade humana».

Porque há valores a defender, «antes que seja tarde». Elencam: democracia, multiculturalismo, justiça social, tolerância, inclusão, igualdade entre géneros, liberdade de expressão e debate aberto. «Tais», afirmam, «são as nossas grandes riquezas: a diversidade e a tolerância», expressas na «língua portuguesa, feita de aglutinação, inclusão e aceitação da diferença».

E gritam: «quem gosta de Portugal jamais diz “Vão!”, antes diz “Venham!”».

A cada um a sua responsabilidade

Que cada um cumpra o seu dever, é tudo o que pretendem os signatários da carta aberta.

«A todos os cidadãos portugueses, à sociedade civil, aos professores das escolas e das universidades», os escritores apelam «a que se distanciem de projectos e movimentos antidemocráticos e ajudem na consciencialização das novas gerações para a urgência dos valores humanistas e para os riscos das extremas-direitas; aos órgãos de justiça, que investiguem, processem e condenem os interesses económico-financeiros que se servem dos novos populismos; às autoridades policiais e aos seus agentes, que se abstenham de condescender com movimentos e acções promotores da exclusão, da discriminação e da violência; à comunicação social, que assuma com veemência o seu papel de contraditório e de defesa da verdade; aos partidos políticos, que sejam capazes de recuperar os princípios esquecidos no decurso do jogo partidário de vocação eleitoral; ao Presidente da República, à Assembleia da República e ao Governo, que exerçam um escrutínio rigoroso da constitucionalidade e assegurem que o fascismo não passará».

A origem e o texto completo do carta aberta

A iniciativa partiu dos escritores Joel Neto e Ana Margarida de Carvalho. Ambos os autores prestaram declarações ao Jornal 2 da RTP-2, que podem ser ouvidas aqui.

Ao jornal Contacto (Luxemburgo), Ana Margarida de Carvalho, um dos poucos autores a receber por mais de uma vez o Grande Prémio do Romance e da Novela da APE, o maior galardão literário português, explicou que a ‘Carta aberta dos escritores de língua portuguesa contra o racismo, a xenofobia e o populismo e em defesa de uma cultura e de uma sociedade livres, plurais e inclusivas’ «está alojada na página da Fundação José Saramago» e que «continua a recolher assinaturas de várias mulheres e homens da literatura».

No primeiro grupo de assinaturas, durante um único fim-de-semana, eram cerca de 150 escritores. Hoje são mais de 200. Representam um autêntico quadro de honra da escrita em língua portuguesa.

O texto do manifesto encontra-se integralmente na página da Fundação José Saramago, bem como a lista de escritores – sujeita a actualização – que já o subscreveram.

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Catarina Martins, coordenadora do BE, afirmou esta sexta-feira que as agressões de imigrantes em Odemira não são «um caso pontual», salientando a existência de «casos gravíssimos na PSP, no SEF, e agora na GNR». «Estamos a falar de jovens agentes que se unem em grupo para agredir imigrantes e isto é de uma brutalidade, de uma gravidade enorme», acrescentou.

 Já o PCP, através de comunicado, condenou «veementemente os acontecimentos que envolvem elementos da GNR em Odemira e considera inaceitável que os envolvidos se mantenham em funções». No entender dos comunistas, estes casos exigem uma «punição exemplar, mas requerem também que as instituições reflictam sobre a selecção, formação e acompanhamento ao longo do tempo dos profissionais que nelas prestam serviço».

O PCP recupera o chumbo do projecto-lei de 2019, sobre as «Condições de Saúde e Segurança no Trabalho nas Forças e Serviços de Segurança», para salientar que tal impediu a criação de «mecanismos de maior proximidade no acompanhamento dos respectivos profissionais», que poderiam ter sinalizado o comportamento agressor e racista destes militares.

A «desmilitarização das estruturas desta força de segurança, que desempenha missões civis», é outra das reivindicações do PCP, que defende «o princípio constitucional de não uso das forças armadas em missões de segurança interna».

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