|Orçamento do Estado

OE2022: Proposta do Governo não passa no Parlamento

A proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano foi chumbada esta quarta-feira no Parlamento por todos os partidos, à excepção do PS, que votou a favor, e do PAN, que se absteve. 

CréditosJoão Relvas / Agência Lusa

Não foi uma surpresa, seja pelos anúncios de sentido de voto que se foram sucedendo, seja pelas críticas que o documento mereceu, designadamente por parte dos trabalhadores da Administração Pública, que recusaram o «aumento» de 0,9% proposto para o próximo ano, ou das pequenas e médias empresas

Ao longo destes dois dias de debate da proposta de Orçamento, no Parlamento, Governo e PS por diversas vezes invocaram as propostas que resultaram da intervenção do PCP, como a gratuitidade das creches e o aumento dos pensionistas a partir de Janeiro, ao mesmo tempo que foram agitando ameaças relativamente a um cenário de eleições.

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Opinião

O futuro ficou cativado

Depois de criada tanta riqueza, os ricos estão muito mais ricos, mas quem trabalha tem muito menos condições de vida. Pela primeira vez na história, as novas gerações estão a viver muito pior que os seus pais.

As propostas do PS estão longe de responder às necessidades do país.
Primeiro-ministro faz declarações sobre o Orçamento do Estado.Créditos

Durante o reinado de Catarina II da Rússia foi nomeado governador da Crimeia o seu favorito Grigory Potemkine. Passados uns tempos, a czarina organizou uma viagem de dignitários estrangeiros, «os mercados» da altura, à Crimeia para mostrar os enormes progressos que o domínio da Rússia tinha concedido a estes locais inóspitos do império. O objectivo era garantir a sua aquiescência em relação ao domínio russo e até agilizar o investimento e comércio do estrangeiro para o império. A viagem foi directamente organizada pelo favorito da monarca, os dignitários estrangeiros desceriam o rio e veriam, a distância segura, as novas aldeias construídas pelo czarismo e a vida feliz das populações. Para isso, Potemkine construiu aldeias de cenário que tinham o aspecto das mais ricas povoações da Alemanha, escolheu os aldeões mais gordos e luzidios e vestiu-os como camponeses da Baviera, com um ar contente como se tivessem saído de um festival de cerveja. A visita foi um êxito, o favorito manteve as largas prerrogativas com a monarca e os dignitários estrangeiros emitiram pareceres, o que agora seriam notações, positivas sobre o desenvolvimento da Rússia.

A verdade é que a Rússia continuava tão miserável como antes mas, na opinião de quem mandava, estava em amplo progresso. E isso bastava para o legitimar externamente.

Com as devidas distâncias, as negociações do governo do PS em relação ao Orçamento do Estado têm-se confundido muito com cenários que mascaram uma realidade inexistente. António Costa e os seus pares podem até aceitar medidas progressistas, para determinados sectores, em sede de negociação orçamental, o problema é que a maioria fica sem ser executada, afogadas em cativações e outros expedientes, para não cumprir o prometido.

Quanto mais pífia é a medida, mais grandiloquente aparece o título dela. É o caso da «Agenda para o Trabalho Digno», que não reverte as modificações feitas pela troika e o governo de Passos Coelho à legislação laboral; não torna menos fáceis os despedimentos em Portugal; não defende o emprego; não torna menos miseráveis os salários em Portugal - em que cada vez mais o salário médio se confunde com o salário mínimo.

Como dizem as estatísticas, mais de 1,6 milhões de portugueses vive abaixo do limiar da pobreza, ou seja, com menos de 540 euros por mês. Ter um emprego não é garantia de não se ser pobre e Portugal está, aliás, entre os países da Europa com maior risco de pobreza entre trabalhadores.

Segundo uma análise feita pela Pordata, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2020, 9,5% da população empregada em Portugal era considerada pobre, ou seja, vivia com rendimentos inferiores ao limiar da pobreza.

A dita agenda para o «Trabalho Digno» preocupa-se, justamente, em criminalizar empresários que não declaram trabalhadores, mas pretende também perseguir os trabalhadores nesta situação, como se fosse culpa deles que o mercado de trabalho se tenha transformado num mercado de escravos.

Desde o final dos anos 70, nos países desenvolvidos, entre os quais a União Europeia, impuseram-se políticas económicas neoliberais que fizeram descer, em muito, o peso dos rendimentos do trabalho na fatia daquilo que é produzido.

As sociedades estão cada vez mais desiguais, e os vendedores de cenários de fantasia vendem-nos a teoria do chuveiro que nunca se concretiza. Segundo eles – no outro dia o comentador Marques Mendes repetia essa análise pela milésima vez –, se for criada muita riqueza para os muito ricos, alguma coisa há-de chegar aos mais pobres, nem que seja em forma de esmola.

A verdade é que depois de criada tanta riqueza, os ricos estão muito mais ricos, mas quem trabalha tem muito menos condições de vida. Pela primeira vez na história, as novas gerações estão a viver muito pior que os seus pais.

É isso que não pode acontecer. É por isso que são precisos orçamentos a sério que mudem questões estruturais e que dêem mais poder a quem trabalha.

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Nuno Ramos de Almeida

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Enquanto isso, à esquerda do hemiciclo os partidos invocaram as propostas que o Executivo não quis inscrever no documento para ultrapassar os problemas que o País vive, e aos quais, dizia esta segunda-feira Jerónimo de Sousa, «há condições e meios» para responder.

«Ao longo da discussão não ficámos fixados a reivindicar o tudo ou nada, o tudo já ou nunca mais. Fizemos até ao limite das nossas possibilidades um esforço sério para que se encontrassem as soluções necessárias», afirmou João Oliveira, líder da bancada comunista, salientando ter admitido a possibilidade «de começar o ano de 2022 com um valor de 755, chegando aos 800 no final do ano».  

João Oliveira admitiu que a falta de resposta «revela a opção feita pelo Governo», que o PEV, pela voz da deputada Mariana Silva, criticou pelas «contas certas com a União Europeia para continuar a adiar as soluções necessárias» para o País. 

Pela bancada do BE, Catarina Martins admitiu que o investimento previsto na proposta de OE é «anémico» e «não trava a deterioração do Serviço Nacional de Saúde nem a perda de poder de compra para a generalidade dos salários e pensões», sublinhando que se repetem para 2022 promessas de anos anteriores.

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Orçamento mantém desvalorização do trabalho, salários e pensões

A proposta de Orçamento não dá os sinais de que o País precisa em termos de valorização do trabalho, dos salários e das pensões. Trabalhar em Portugal não é condição bastante para sair da pobreza. 

No Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza, que hoje se assinala, uma análise com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) conclui que, em 2020, 9,5% da população empregada em Portugal era considerada pobre, ou seja, vivia com rendimentos inferiores ao então considerado limiar da pobreza (menos de 540 euros por mês). 

Não obstante ser um factor-chave para alterar esta situação, o aumento dos salários volta a ser negligenciado na proposta de Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano.

Após uma década sem aumentos salariais, o documento avança com uns tímidos 0,9% de «aumento» para os trabalhadores da Administração Pública (AP). O valor, em linha com o aumento previsto da inflação em 2022, significa que, no final do mês, os trabalhadores pouco ou nada verão de alívio nas suas contas.

Para além do mais, o Governo não dá sinais de valorização das carreiras na AP, apesar de esta ser uma condição fundamental para fixar trabalhadores em sectores essenciais como o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e combater a precariedade.

Na campanha de comunicação de valorização do pouco que a proposta de OE contém para os trabalhadores, o Governo procura iludi-los ao invocar um aumento da massa salarial na Administração Pública de 3,1%, uma vez que engloba neste valor progressões nas carreiras há muito tempo devidas aos trabalhadores, novos trabalhadores contratados, a que foi obrigado por propostas que PCP e PEV fizeram aprovar em orçamentos anteriores, ou outras despesas.

Outra medida que tem sido central para impedir a valorização dos salários é a caducidade da contratação colectiva. O Governo, que tem fugido à opção de a revogar, anunciou que o tema seria tido em conta na Agenda para o Trabalho Digno.

Entretanto, notícias vindas a público na sexta-feira davam conta de que, ao invés de prever a sua revogação definitiva, o Governo se prepara para mais uma suspensão da norma que, a confirmar-se, seria a terceira. Ou seja, o Governo reconhece que a norma gravosa do Código do Trabalho é perniciosa, mas decide mantê-la para o futuro. 

O salário mínimo nacional é outra frente de resposta à pobreza em que a opção do Governo tem sido marcar passo, recusando propostas além dos 705 euros em 2022. E ainda que pretenda usar esta medida como moeda de troca nas negociações para viabilizar o OE, nunca se aproxima dos 850 euros defendidos pela CGTP-IN. 

Salários baixos, pensões de miséria

No que toca às pensões, a proposta de OE também não assegura uma valorização robusta e transversal. O Governo anunciou um aumento extraordinário de dez euros para as pensões abaixo de 658 euros, mas só a partir de Agosto do próximo ano (um pensionista com uma reforma de 800 euros, pela aplicação da legislação em vigor, teria um aumento de apenas quatro euros).

As que estão acima desse valor, mas igualmente baixas, não são alvo das opções do Executivo (um pensionista com uma reforma de 800 euros, pela aplicação da legislação em vigor, teria um aumento de apenas quatro euros), desmerecendo as contribuições dadas para a Segurança Social por estes contribuintes.

Da mesma forma, o documento não responde aos pensionistas com longas carreiras contributivas e que se reformaram antes das alterações à lei, com brutais cortes nas suas pensões (há reformados com mais de 46 anos de descontos, mas que os não tinham aos 60 anos, que tiveram significativos cortes nas pensões).

A par de os salários baixos induzirem reformas e pensões de miséria, há que atender à questão da destruição do aparelho produtivo, com milhares de despedimentos colectivos um pouco por todo o País, que empurrou milhares de trabalhadores para a reforma, antes da idade legal, mas já com longas carreiras contributivas.

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Na expectativa de ver o documento aprovado, Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, reivindicou que o PS «faz políticas à esquerda», apesar da rejeição da revogação da caducidade das convenções colectivas de trabalho, da opção pela política de baixos salários, como se viu na recusa em ir além dos 705 euros de salário mínimo nacional no próximo ano ou nas alterações propostas no plano fiscal, que não atingiam a maioria dos trabalhadores, nem introduziam justiça social. 

Ainda assim, a encerrar o debate, em que a direita ora atirou farpas, ora se regozijou pela «oportunidade» de um eventual cenário de eleições, o primeiro-ministro criticou os partidos pelo facto de se oporem ao que apelidou de «mais ambiciosa agenda sobre o trabalho». 

Apenas a bancada do PS votou a favor da proposta de Orçamento do Estado. O PAN e as duas deputadas não inscritas abstiveram-se, as restantes bancadas votaram contra. O primeiro-ministro já disse que não se demite, a decisão de dissolver ou não a Assembleia da República cabe agora a Marcelo Rebelo de Sousa.

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