Rui Rio apresentou hoje, em conferência de imprensa, as «medidas para o sistema político» que constam do programa eleitoral do seu partido, as quais invertem as bases políticas da representatividade e pluralidade do sistema democrático português conquistado com a Revolução de Abril.
O presidente do PSD, apesar de referir que o faz «sem demagogia», avança com as velhas ideias que vão desde a reconfiguração dos círculos eleitorais, para que venham a ser mais pequenos, com o fundamento de que «ninguém conhece os deputados» nos círculos «grandes», até à redução do número de deputados com o objectivo de consolidar o rotativismo entre o PS e o PSD. Curiosamente, uma solução que não só traduziria uma quebra na pluralidade mas consolidaria a posição do PSD numa altura em que as sondagens apontam para um eventual trambolhão eleitoral.
Para o PSD, deve ainda dar-se «força» aos votos em branco, que deveriam contar para suprimir deputados por círculo eleitoral. Ou seja, se votos em branco alcançassem 5% ou 10% de votação em determinado círculo, eliminar-se-ia a eleição de um deputado nesse mesmo círculo eleitoral.
Ainda numa lógica de ataque às instituições democráticas, Rio propõe que a comissão de ética da AR não pode vir a ser constituída por deputados em funções, nem deputados da anterior legislatura para evitar que «decidam sobre colegas».
Presente também nas propostas está a limitação de mandatos quer para os deputados à AR, quer para os vereadores nas autarquias locais.
Os sociais-democratas querem ainda promover uma alteração da lei autárquica que subverte o poder local, conferindo mais poder ao presidente de Câmara.
Quanto à lei dos partidos políticos e do seu financiamento, o PSD parece acompanhar medidas de ingerência na vida interna das organizações, a propósito de mais «rigor e transparência». Avaliando todos pela mesma bitola, Rio afirmou que «se vivessem só dos seus militantes, seria diferente, mas sabemos que não é assim».
O que o PSD quer, mas não diz
Depois da revisão constitucional de 1997, abraçada pelo PS de Guterres e o PSD de Marcelo Rebelo de Sousa, reduziu-se, na Constituição, o limite mínimo de número de deputados de 230 para 180. Foi também nessa revisão constitucional que se passou a admitir a possibilidade de «existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respectiva natureza e complementaridade».
Veja-se que a representação parlamentar com tais alterações imporia que os partidos com menor representação passassem a ter ainda menos peso, reduzindo-se a pluralidade de ideias e propostas. Menos pessoas sentir-se-iram representadas pelo parlamento nacional, indo no sentindo exactamente inverso daquele que a democracia carece, que é o de mais participação, combatendo o alheamento e a abstenção.
De facto, se a AR e os governos têm revelado incapacidade para vencer preconceitos antiparlamentares de base populista, difundidos pelos sectores mais conservadores e reaccionários da sociedade, tal não se prende com o número de deputados, mas sim com as políticas desenvolvidas e pelo seu trabalho (ou não) de proximidade e ligado à vida concreta das populações.
Até porque, em qualquer proposta mais concreta que venha a ser desenhada, não se espera que PS ou PSD venham a consentir com algum método que lhes valha a perda de deputados.
De facto, tal objectivo não é novo. Já com a revisão constitucional de 1989 (com a união do PS de Vitor Constâncio e do PSD de Cavaco Silva) se havia reduzido o número de deputados (o limite mínimo de 240 para 230, e o máximo de 250 para 235) e a experiência concreta demonstrou que essa redução representou, por exemplo, para o PCP um prejuízo de 16% da sua representação, enquanto o PS perdeu 8% e o PSD apenas 6%.
Por trás de propostas desta natureza do PSD (e às vezes também do PS), seja pela redução do número de deputados ou pela criação dos círculos uninominais (mesmo que acompanhados por algum tipo de círculos de compensação regionais), estão intenções de que os dois partidos com maior votação obtenham mais lugares com menos votos, tornando mais fácil a obtenção da maioria. Tal só se alcança em forte prejuízo da proporcionalidade e reduzindo forçadamente o peso de outros partidos.
Para além disso, os grupos parlamentares com menor expressão deixariam de ter possibilidade de dar resposta nas diversas frentes de trabalho da Assembleia da República, nomeadamente nas comissões especializadas permanentes. Com menos deputados, o número de comissões teria de ser reduzido; logo, haveria menos trabalho. Para além de que contribuiria para que o PS e o PSD tivessem mais poder de determinar o trabalho dessas comissões.
Quanto à representação regional de territórios com menos densidade populacional, esta viria a ficar ainda prejudicada e num quadro em que todos os partidos falam da necessidade de investir no Interior e de combater o seu despovoamento.
O que se passa noutros países europeus
Basta olhar para outros países da Europa para compreender que, comparativamente, Portugal não tem deputados «a mais».
Áustria, população estimada de perto de 9 milhões, em 2017:
o Senado tem 61 deputados e a Câmara de Deputados é constituída por 183 lugares, num total de 254 assentos.
Bélgica, população estimada de mais de 11 milhões, em 2017:
o número total de assentos parlamentares é de 210, distribuídos em 60 no Senado e 150 na Câmara dos Representantes.
Hungria, população estimada de perto de 10 milhões, em 2017:
o Parlamento de Budapeste é formado por 199 membros.
Noruega, população estimada de mais de 5 milhões, em 2017:
O Parlamento da Noruega tem 169 assentos.
República Checa, com população estimada em mais 10,5 milhões, em 2017:
o Senado é constituído por 81 membros e a Câmara dos Deputados é formada por 200 membros, num total de 281 representantes.
Suécia, população estimada de perto de 10 milhões, em 2017:
o Parlamento da Suécia é composto por 349 deputados.
Suíça, população estimada 8,5 milhões, em 2017:
o Conselho dos Estados tem 46 cadeiras e o Conselho Nacional elege 200 deputados, num total de 246.
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