Já há ano e meio, num artigo aqui no AbrilAbril se alertou para esta realidade, que o perdão da multa de 225 milhões de euros da AdC (Autoridade da Concorrência) aos bancos (peço desculpa, a prescrição) veio trazer para a actualidade política: as multas da AdC são uma farsa, raramente são aplicadas e quando o são, não são pagas.
Dizíamos então: «E se a justiça em Portugal nunca é rápida, quando de um dos lados estão os milhões de euros dos grandes grupos económicos ela arrasta-se quase interminavelmente, até tombar, a maioria das vezes, exangue, derrotada por um prazo não cumprido ou outro tipo de tecnicismo.» Olhem para o quadro com a referência às multas aplicadas e efectivamente recebidas: são 1440 milhões de euros que nunca foram pagos, que apenas serviram para fazer capas de jornal, nuns casos para alimentar a ideia que «o sistema funciona», noutros para alimentar a percepção sobre a corrupção generalizada.
Olhemos para a ridícula lista dos infractores punidos nos últimos dois anos, onde até algumas multas foram de facto cobradas. Não há um banco, um grande grupo económico. Esta é a lista completa de pagantes de multas: em 2022, foram o Casa Pia Atlético Clube, a Farmodiética, um consultório de Tomografia, o Instituto de Telemedicina, uma sociedade unipessoal, o presidente da APEC, a Fidelidade – Investimentos e a Associação Nacional de Topógrafos; em 2023, foram a Cabelte, a Solidal, a SAP Portugal, a Medicina Laboratorial, o SYNLABHEALTH II, S.A. e a Accenture Consultores e Gestão.
Dificilmente se poderia acusar a dúzia de entidades acima listadas como o cerne dos problemas nacionais no espectro teórico da AdC. A grande distribuição esmaga os preços na produção? Os preços dos combustíveis estão cartelizados? A banca age concertadamente impondo taxas abusivas? As multinacionais do TVDE esmagam o sector? A Microsoft age abusivamente? Multinacionais como a Flix fazem preços abaixo do custo de produção? Uma bilha de gás custa o dobro no mercado liberalizado português que no mercado regulado espanhol? Os monopólios estão aí, à vista de todos. As práticas monopolistas idem. As consequências para a actividade económica, para as PME, para os trabalhadores, para os consumidores, estão aí. Não é um problema de corrupção, é um problema do crescente controlo monopolista sobre sectores-chave da nossa vida e das brutais e negativas implicações que esse controlo monopolista traz.
Ninguém contesta o direito de defesa dos autuados. Claro que é sempre possível que as multas correspondessem a decisões injustas e por isso fossem revertidas. Mas só 2% cobradas? Não faz soar um alerta? Até porque a maioria – como agora acaba de acontecer à multa à banca – cai por questões técnicas, processuais, nos alçapões que lá foram postos exactamente para isso, para permitirem aos ricos e poderosos uma saída.
«Mas só 2% [de multas] cobradas? Não faz soar um alerta? Até porque a maioria – como agora acaba de acontecer à multa à banca – cai por questões técnicas, processuais, nos alçapões que lá foram postos exactamente para isso, para permitirem aos ricos e poderosos uma saída.»
A realidade é que a concentração monopolista também coloca à volta dos grandes grupos económicos um exército de mercenários, pagos a peso de ouro, para os defender nos Tribunais. Uma verdadeira guarda pretoriana que intimida os juízes, os promotores e os gabinetes jurídicos das reguladoras. Este é que é o sistema: a perversão de um conjunto de liberdades pelo uso do poder esmagador do dinheiro.
Sem nunca esquecer que a AdC não foi criada para eliminar os monopólios. Foi criada para permitir a sua instalação e para evitar algumas práticas abusivas. Basta olhar para os exemplos dados acima sobre verdadeiras práticas monopolistas que prosperam em Portugal e para ver que na maioria dos casos a AdC é cúmplice destas práticas. Para eliminar os monopólios, só existe o PCP1.
- 1. «Só a libertação do poder dos monopólios poderá permitir o aproveitamento das riquezas nacionais, o amplo desenvolvimento da economia, a criação duma base industrial que assegure a independência do país, a eliminação da principal base social da reacção e do fascismo.» Rumo à Vitória, 1964, Álvaro Cunhal
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