Os fundos imobiliários gozam em Portugal de um conjunto de benefícios fiscais. Formalmente é porque com essa ajuda o Estado estaria a contribuir para ajudar a resolver o problema da habitação. Mas não. Como quase todos os benefícios fiscais, este está a ser usado para reduzir o pagamento de impostos de um conjunto de grupos económicos, a isentar de impostos um conjunto de mais-valias geradas aos grandes grupos económicos e aos cidadãos mais ricos deste país.
A Auditoria do Tribunal de Contas (TdC) recentemente publicada, sem se atrever a tirar conclusões evidentes, deixa-nos pela primeira vez um conjunto de dados que são importantes para se perceber o que são, de facto, os benefícios fiscais aos fundos imobiliários.
Qual a dimensão dos benefícios fiscais?
Uma das críticas que o Tribunal de Contas deixa à AT – Autoridade Tributária (e, indirectamente, ao Ministério das Finanças) é não estar a ser feito – pela AT – o cálculo do valor das receitas fiscais perdidas com este benefício, como deveria ser feito. Mas o TdC deixa-nos os dados suficientes para apurarmos nós, em estimativa, esse valor. Senão vejamos:
Ou seja, são mil setecentos e quarenta e três milhões de euros que deixam de pagar IRC. Se lhe aplicarmos a taxa efectiva média do período estes rendimentos líquidos teriam gerado 322 milhões de IRC no período.
É esse o valor médio de IRC perdido nos três anos analisados pelo TdC. Sendo que mais de metade dessas perdas são de 2022, o que se compreende, pois 2020 e 2021 são particularmente afectados pela pandemia. Assim, os 192 milhões de euros perdidos em 2022 são um número mais aproximado do impacto fiscal desta medida para 2023, 2024 e seguintes.
A teoria dos que criaram estas isenções era que se deixava de taxar os fundos mas taxar-se-ia os rendimentos retirados desses fundos. Mas a lista do TdC desmente completamente essa teoria, senão vejamos1:
E o que são estes fundos imobiliários?
Desde logo, se há coisa que não são é motores da construção de habitação. O que é normal, como é fácil de perceber se não tivermos o cérebro queimado pela ideologia neoliberal. Estes fundos existem para multiplicar os capitais neles investidos, para aumentar o preço das casas e das rendas, nunca para as reduzir. Fazem, naturalmente, parte do problema que cresce em Portugal, com toda a especulação em torno da habitação.
Se olharmos para onde estão investidos os quase 14 mil milhões de activos existentes nestes fundos, 65% estão em imóveis para alugar, dos quais apenas 6,6% estão em imóveis alugados para habitação, sendo 43,8% de imóveis alugados a Serviços e 25,3% em imóveis alugados para Comércio.
Se olharmos para quem são estes fundos imobiliários, e longe de qualquer ideia de capitalismo popular com que são apresentados, a realidade nua dos números que o TdC encontrou é que «99% dos participantes detém 0,5% das participações». Ou seja, que o grosso das participações está no grande capital.
Estas duas características associadas recordam-nos logo dos esquemas para a fuga de impostos (elisão fiscal como é fino dizer) montados com operações financeiras de «sell and lease back», como foi o caso dos CTT que hoje alugam a um fundo imobiliário o património que lá colocaram.
E igualmente grave é a desatenção da AT a estes processos, como alerta o TdC: «O regime fiscal aplicável aos fundos imobiliários tem um nível de atenção pela AT reduzido, tanto mais que a receita cobrada não atinge valores significativos … A AT não instituiu procedimentos específicos de controlo das obrigações associadas ao regime fiscal dos fundos imobiliários, por considerar que estes representam um risco fiscal reduzido (na perspetiva do imposto potencialmente em falta), uma vez que, em regra, não têm lucro tributável em IRC.»
Concluindo
Os dados aportados pela Auditoria do TdC ajudam a confirmar o que já se sabia: estes benefícios fiscais, sempre atribuídos em nome das mais justas e nobres das causas, só servem para reduzir os impostos pagos pelos grandes grupos e pelas famílias mais ricas. O resto é o ranço ideológico neoliberal.
- 1. Sobre o valor «22», registado na categoria Imposto de Selo Pago/Sem benefício fiscal, a isenção é só «sobre os contratos de financiamento». Fez-se uma estimativa do acréscimo sem essa isenção.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui