Estamos no ano das comemorações dos 45 Anos do 25 de Abril de 1974, e da nossa Revolução dos Cravos. No prazo útil de uma vida, é já muito ano mas – a luta continua!
Quanto à acção em concreto, na madrugada, manhã e tarde de 25 de Abril, já muito se escreveu embora nem sempre bem, nem sempre com rigor em relação aos factos ou em relação a protagonistas.
Da nossa parte e como testemunha muito próxima daquilo que foi acontecendo desde 23 de Abril, para não ir mais atrás, afirmamos que a acção militar desencadeada de 24 para 25 de Abril pelo heróico Movimento dos Capitães, essa acção militar revoltosa só teve o sucesso conhecido porque foi acompanhada e «levada ao colo» pelo Povo de Lisboa e da «Margem Esquerda do Tejo». E isso aconteceu logo desde cedo, sobretudo a partir das oito horas da manhã, no Terreiro do Paço e, daí, pelas ruas de Lisboa até ao Convento/Quartel do Carmo e até à capitulação deste e dos fascistas, PIDE-DGS incluída, no dia 25 de Abril.
Sim, apesar da revolta militar, armada, a Revolução dos Cravos não teria avançado sem a adesão incondicional, vibrante e entusiasta do Povo de Lisboa sublevado quase espontaneamente desde as primeiras horas da manhã. E decisiva continuou a ser, nos dias seguintes, a adesão em crescendo do Povo Português até ao glorioso 1.º de Maio de 1974!
Direi mesmo que no dia 25 de Abril, sem o apoio extraordinário manifestado pelo Povo nas ruas de Lisboa, as forças militares que estavam a encabeçar a Revolução teriam sido derrotadas ainda nesse mesmo dia logo que os fascistas se tivessem reorganizado e contra-atacado em força. E seriam derrotadas não porque não houvesse nelas quem estivesse disposto a morrer pela Revolução desencadeada mas porque a força das tropas sublevadas tinha algum poder de fogo concentrado em (apenas…) dois ou três carros blindados mas, feitas todas as contas e perante o que estava em jogo, era mais um bluff que outra coisa, o poder efectivo das forças à disposição directa de Salgueiro Maia que, aliás, passou o dia a fazer bluff em torno disso mesmo…
E sendo verdade que em Santarém se mantiveram tropas significativas, aquarteladas e de «prevenção rigorosa» dentro da Escola Prática de Cavalaria (EPC) para combaterem, caso fosse forçada a voltar para trás a coluna militar que seguiu para Lisboa sob comando directo de Salgueiro Maia, apesar desse «plano B» de contingência, a eventual capacidade de combate «revoltoso» continuava reduzida em meios bélicos e em homens.
Os fascistas foram apanhados «a dormir», tanto que não acreditaram naquilo que começou a acontecer na noite de 24 para 25 de Abril com a saída, dos quartéis para a rua, das primeiras tropas revoltadas as quais, por exemplo, puderam ir de Santarém até Lisboa sem encontrar pela frente quem, pelo menos, lhes perguntasse o que andavam a fazer e para onde iam naqueles preparos e àquelas horas… E ainda bem que assim foi!
Salgueiro Maia teve o papel individual mais decisivo no comando operacional das tropas sublevadas
É sabido que, claro, foi da maior importância operacional aquilo que se passou a partir do Quartel da Pontinha e «Posto de Comando das Forças Armadas», onde estiveram Otelo Saraiva de Carvalho e outros mais a comandar as acções militares (conjuntas) do Movimento dos Capitães em 25 de Abril.
Mas, na rua, afinal onde mais «cheirou a pólvora», acabou por ser decisiva a acção individual de Salgueiro Maia com as suas características pessoais – em que também já havia preparação política – à frente da coluna militar que comandou desde Santarém e da EPC. E foi essa uma acção de comando particularmente ágil, determinada e decisiva, no Terreiro do Paço e no Largo do Carmo.
Salgueiro Maia esteve sempre na máxima tensão – embora aparentemente calmo e confiante, por vezes até irónico – fosse quando empunhava a sua espingarda G3, fosse quando empunhava o megafone ou o rádio transmissor-receptor, fosse mesmo quando ficou na mira das metralhadoras do tanque de guerra que ele «enfrentou» na Ribeira das Naus, ou na mira das peças daquela fragata da Marinha, no Tejo, que chegaram a estar apontadas bem de frente para o Terreiro do Paço.
«Salgueiro Maia esteve sempre na máxima tensão [...] mesmo quando ficou na mira das metralhadoras do tanque de guerra que ele «enfrentou» na Ribeira das Naus, ou na mira das peças daquela fragata da Marinha, no Tejo, que chegaram a estar apontadas bem de frente para o Terreiro do Paço.»
Entretanto, Salgueiro Maia manteve sempre um objectivo operacional central e que foi o de «não se derramar sangue» e isso evitou ele por várias vezes. Por exemplo, ele não permitiu que se abrisse fogo contra um brigadeiro – cretino e fascista – que passou a manhã, no Terreiro do Paço e ruas adjacentes, a fazer tudo para travar pelo menos uma bala com a testa, pois chegou a mandar disparar tiros contra as forças revoltosas… E o merecimento era mesmo o de ter sido abatido, na hora.
Salgueiro Maia e o seu núcleo principal de comando eram militares profissionais e tinham experiência de combate em África, o que também ajudou. Mantiveram-se firmes e coesos.
Mas Salgueiro Maia era diferente. Para já, era casado mas, à data, não tinha filhos ou seja, estava mais «solto» do ponto de vista familiar e comparativamente com outros seus Camaradas. Portanto, ele estava completamente predisposto ao que desse e viesse.
Salgueiro Maia era um militar profissional e nunca perdeu essa postura
A 24 de Abril, ainda no quartel da Escola Prática de Cavalaria (EPC), em Santarém, a seguir ao jantar, Salgueiro Maia impediu que uma equipa operacional pré-formada – onde também estavam militares milicianos ou seja, não-profissionais – prendesse o então segundo comandante da EPC, um tenente-coronel que, ao início da noite de 24 de Abril, resolveu voltar para dento do quartel onde quis assumir o comando, para tentar contrariar a ideia da saída das tropas da EPC para a Revolução.
Então, quando Salgueiro Maia e outros oficiais (subalternos) de carreira da EPC estavam com o seu segundo comandante em clima de grande tensão – o homem tentou resistir – dentro da sala de comando, Maia veio à porta dessa sala impedir que os milicianos, da tal equipa pré-formada para esse fim, entrassem a prender e a retirar da sala, à força, o segundo comandante, tarefa que acabou por ficar a cargo, apenas, de oficiais, militares de carreira, que se encontravam dentro da sala.
Mais tarde, ouvimos de um outro oficial do quadro profissional a explicação para a inusitada intervenção de Salgueiro Maia. Assim, ele não quis que milicianos (militares não-profissionais) praticassem ou sequer vissem aquilo que a tropa não pode permitir, aquilo que foi um acto de pura «quebra da cadeia de comando», de insubordinação muito grave perante um tenente-coronel e segundo comandante da EPC, por parte de oficiais de carreira seus subordinados. Ora, isto é um exemplo, por nós testemunhado, da mentalidade militar – embora não militarista – de Salgueiro Maia… e outros exemplos disso houve, mais tarde.
Salgueiro Maia preparou-se para se fazer explodir caso o fizessem prisioneiro
Mas Maia também estava disposto a tudo, mesmo ao seu próprio «sacrifício», no dia 25 de Abril!
«Salgueiro Maia proclama mais ou menos isto assim: "a mim ninguém me faz prisioneiro, que eu levo aqui no bolso duas granadas defensivas e, se necessário, faço-as rebentar antes de cair prisioneiro", e isto disse ele enquanto batia com a mão por cima do bolso "gordo" das calças da farda "n.º 3" que vestira ainda na EPC»
A dada altura, durante a manhã, Salgueiro Maia avançou até ficar frente a um pesado tanque de Guerra que viera ao Terreiro do Paço enfrentar as tropas sublevadas. A providência e a acção corajosa de alguns dos militares que estavam nesse Tanque – e que desobedeceram a ordens expressas de oficiais, como o tal Brigadeiro, para abrirem fogo – salvaram a vida a Maia e, por certo, a outros dos seus camaradas, e evitaram o deflagrar generalizado do tiroteio com consequências imprevisíveis mas certamente dramáticas…
À tarde, já no Largo do Carmo, Salgueiro Maia ofereceu resistência «passiva» a ordens expressas de Otelo Saraiva de Carvalho para abrir fogo, «com tudo», para fazer render o Quartel do Carmo onde se entrincheirou Marcelo Caetano sob protecção da GNR. Havia o receio de que, com a grande demora que se verificava na rendição do Quartel do Carmo e de Marcelo Caetano, se processasse um contra-ataque forte por parte de forças militares – por onde andaria a Aviação, nessa altura?... – ao serviço dos fascistas. Na pressão, Maia até mandou abrir fogo, a rajada de metralhadora, mas apenas sobre a fachada do Quartel do Carmo. Terá ainda mandado fazer fogo a um carro blindado que se posicionara bem de frente para o Quartel do Carmo, mas o oficial miliciano que comandava directamente esse blindado «fez de conta» que não ouviu a ordem (dada por megafone) para abrir fogo, com a peça grande, sobre o quartel. E ainda bem que a peça não cuspiu a granada que tinha municiada, a qual teria provocado grandes danos no Quartel mas também teria feito «chover» estilhaços muito perigosos sobre aquela gente toda que se apinhava por ali à volta, no Largo do Carmo.
Era aquela preocupação geral em torno do «evitar o derramamento de sangue».
Então, a dada altura e para um quase desespero dos seus Camaradas de comando, Maia resolve entrar – sozinho – no Quartel do Carmo, «escoltado» por um oficial da GNR seu conhecido, que viera a uma porta lateral do Quartel do Carmo a conferenciar com Maia dentro da perspectiva – soube-se a seguir – de o convencer a entrar dentro do Quartel para ir falar directamente com Marcelo Caetano, o que Maia logo se mostrou disposto a fazer.
Os camaradas adjuntos de Salgueiro Maia ficaram em «pânico» e tentaram, em vão, dissuadi-lo dessa «aventura», pois ele ia correr perigo de vida. De imediato, mal entrasse, o mais provável era ser feito prisioneiro e ameaçado de morte caso as forças que ele comandava e que ocupavam o Largo do Carmo, não fossem de lá para fora e rapidamente. E então, numa circunstância dessas, por exemplo, vendo uma ameaçadora arma encostada à cabeça do seu comandante, que fariam, sob uma pressão desse tipo, as tropas de Maia? Pois teriam que se ir embora dali, e lá se ia o golpe militar do 25 de Abril…
É debaixo dessa pressão brutal, e antes de entrar, que Salgueiro Maia proclama mais ou menos isto assim: «a mim ninguém me faz prisioneiro, que eu levo aqui no bolso duas granadas defensivas e, se necessário, faço-as rebentar antes de cair prisioneiro», e isto disse ele enquanto batia com a mão por cima do bolso «gordo» das calças da farda «n.º 3» que vestira ainda na EPC e logo concluía: «se eu não aparecer daqui a quinze minutos, rebentem isto tudo!», e indicava o Quartel do Carmo – que, como é sabido, acabou por não ser necessário «rebentar»…
É nesta tensão enorme, em que os nervos estalavam a quem mais se encontrava envolvido naquela situação, que Salgueiro Maia entrou no Quartel do Carmo onde, de facto, se avistou com Marcelo Caetano e de onde o veio a retirar, depois, dentro da chaimite Bula.
Felizmente, nem Salgueiro Maia foi feito prisioneiro nem precisou de fazer detonar as «suas» granadas defensivas – daquelas granadas que rebentam em estilhaços metálicos – que levou dentro do bolso.
Mas não tenho dúvidas nenhumas que, se tivesse sido necessário, se o tentassem fazer prisioneiro dentro do Quartel do Carmo (ou noutro lado qualquer), Salgueiro Maia teria mesmo feito rebentar as granadas e, ao rebentá-las, seria «rebentado» ele próprio, a seu próprio «mando».
Salgueiro Maia não decidiu sozinho o confronto a 25 de Abril mas condicionou-o muito
Sim, Salgueiro Maia esteve sempre decidido mesmo quando pareceu hesitar. Além de coragem física, já tinha preparação política e ideológica muito favorável para a ideia de pôr fim à ditadura fascista e à guerra colonial, para se abrir as portas à Democracia, o que lhe reforçava a convicção enquanto militar revoltoso!
Como comandante operacional das principais acções militares que se desenvolveram, na rua, no dia 25 de Abril, ele esteve sempre muito dentro dos acontecimentos e a «jogar» com eles, uns atrás dos outros. Aliás, por mais de uma vez esteve à frente da mira das armas «inimigas» que só não dispararam a matar sobre ele… porque assim não teve de ser! E apesar da valentia e coesão dos seus Camaradas de comando, as «coisas» não teriam corrido bem – não teriam corrido daquela forma notável e feliz – caso tivesse sido outro o comandante que não Salgueiro Maia!
Sim, por si só um Homem não decide a História mas pode condicioná-la. Salgueiro Maia foi o Militar e foi o Homem mais do que certo para aqueles momentos! «Escolhas» felizes e acertadas como essas acontecem raramente! O 25 de Abril de 1974 – com Salgueiro Maia à frente – é uma dessas «raridades»… Nós sabemos isso!
Honra e glória a Salgueiro Maia! 25 de Abril, sempre!
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