Das lições que a história ensina e para uma eficaz salvaguarda do futuro não podemos ou devemos esperar que outros façam o que a nós compete e a Constituição da República inequivocamente determina.
É imperioso subordinar o Investimento na Área da Defesa Militar à construção de um sistema de forças capaz de exercer a Soberania no todo nacional.
Impõe-se construir a capacidade de defesa autónoma1 que, prioritariamente, considere meios para formas não convencionais de fazer a guerra e assegure a disponibilidade de meios que possibilitem o exercício da Soberania nos espaços de Interesse Nacional (terra, mar e ar), sendo urgente firmar os procedimentos e regras de empenhamento que potenciem o uso desses meios pelas diferentes autoridades que a eles terão necessidade de recorrer. Protelar a ação neste domínio só facilitará a invasão que está em marcha.
1. Em textos anteriores citámos o cenário do Gen. Martins Barrento segundo o qual, as «Unidades Politicas com Elevado Espírito de Defesa e Reduzida Capacidade Tecnológica» devem «procurar garantir uma capacidade de defesa autónoma». Este objetivo deve secundarizar o desenvolvimento de uma política de defesa dirigida às Forças Armadas (FA) que privilegia a sua inserção na Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e, ou na União Europeia (UE). O primado deve ser a capacidade de defesa autónoma, primado esse amplamente respaldado na nossa Constituição (CRP). O âmbito desta reflexão justifica que só tenhamos em conta o que releva da componente Militar de Defesa e das FA.
2. Comecemos por citar o Artigo 5.º (Território): «O Estado não aliena qualquer parte do território português ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce». A leitura que se faz deste comando constitucional é de que em questões de exercício de soberania sobre o território (terra, mar e ar2) o Estado não deve deixar a outros, mesmo aliados, que nos substituam no exercício dos referidos direitos de Soberania.
Tempos houve na nossa história em que foi fácil que os nossos aliados viessem, mas difícil foi fazê-los sair daqui. Para ilustrar a situação invoquemos o exemplo da mais antiga aliança de Portugal, a aliança com a Inglaterra: «as ligações diplomáticas eram pois fundadas num interesse tácito de defesa das posições europeias e atlânticas de ambas as Coroas, que se esfumavam quando as conjunturas externas ou a redefinição de prioridades e hierarquias assim o exigiam».
Nesse tempo (século XVIII) os ingleses entenderam que, mesmo sem procuração da coroa portuguesa, podiam, em nome da mesma, assinar o tratado de Fontainebleau, a 3 de Novembro de 1762, que pôs fim à Guerra dos Sete Anos, onde foram oponentes a França e a Inglaterra. É fruto da aliança Portugal/Inglaterra que fomos invadidos pelas tropas de Napoleão, que daqui são expulsas com o apoio dos ingleses, dos quais muito nos custou a a livrar-nos – é desse tempo o assassinato do Gen. Gomes Freire de Andrade3 (1817) e mais tarde seremos confrontados com o Ultimato Inglês (1890).
3. Garantir a Independência Nacional é tarefa fundamental do Estado (Artigo 9.º da CRP). Garantir a Independência Nacional é parte das obrigações do Estado na área da Defesa Nacional a que a CRP dedica o Título X, Artigo 273.º, onde se definem como objetivos da Defesa Nacional «garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas».
Não há garantia de Independência Nacional se o Estado não estiver dotado dos instrumentos que assegurem o exercício da Soberania sobre os seus recursos, a começar pelo seu território.
4. Um elemento final a referir relacionado com os nossos emigrantes. No Artigo 14.º (Portugueses no estrangeiro) da CRP, os nossos concidadãos «que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da proteção do Estado para o exercício dos direitos». Daqui decorre que o Governo está obrigado a possuir planos e recursos que possam ser mobilizados para lhes acorrer em caso de necessidade (destaque para iniciativas que apoiem e facilitem o seu regresso em condições de segurança).
Em 2012, a situação na República da Guiné Bissau viveu momentos de desestabilização. Dando relevo ao eventual risco de exposição dos Portugueses ali emigrados/residentes a uma situação que colocasse em causa a sua segurança, Portugal decidiu movimentar para a área uma Força capaz de proceder à evacuação dos nossos concidadãos e daqueles que o solicitassem e aos quais o Estado Português se dispusesse dar proteção. Tratou-se da operação Manatim que constitui um exemplo daquilo para que podemos e devemos estar preparados (anualmente é conduzido o exercício Lusitano, anterior Lusíada, que permite avaliar o que existe e há a melhorar).
É justificável que, com maior ou menor ambição, estejamos preparados para cumprir missões de apoio à Diáspora com empenhamento em grau variável de meios terrestres, aéreos e navais.
5. Pugnar por uma capacidade de Defesa autónoma tem de estar balizado pelos limites e exigências emergentes da CRP elencadas nos parágrafos precedentes. Dos comandos constitucionais aludidos, das lições que a história ensina e para uma eficaz salvaguarda do futuro não podemos ou devemos esperar que outros (UE-Cooperação Estruturada Permanente/NATO) façam o que a nós compete e a CRP inequivocamente determina.
6. Tratando esta reflexão da componente Militar de Defesa teremos que evidenciar o que a CRP refere sobre o principal instrumento dessa componente, as FA. A elas «incumbe a defesa militar da República» (Artigo 275.º). As FA deverão estar dotadas de uma organização única e «satisfazer os compromissos internacionais do Estado Português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte», podendo «ser incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em missões de proteção civil, em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações, e em ações de cooperação técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação».
7. A CRP projeta as FA para a satisfação de compromissos internacionais. O entendimento que se defende do seu Artigo 7.º (Relações internacionais)Versão original de 1976 em https://www.parlamento.pt/parlamento/documents/crp1976.pdf onde a explicitação «no parágrafo 1, do direito dos povos à autodeterminação e à independência» aparece na versão em vigor «dos direitos dos povos»; no parágrafo 2 as alterações entre a versão original e a que está em vigor não são relevantes; o parágrafo 3 da versão original considera-se na versão em vigor desdobrado pelos parágrafos 3 e 4; os parágrafos 5, 6 e 7, foram acrescentados à versão original e configuram, entre outros aspetos, a partilha da nossa Soberania com vista à construção e aprofundamento da união europeia. é de que não é constitucionalmente defensável a participação em iniciativas que entrem em conflito com qualquer um desses sete parágrafos e que pela sua importância aqui se transcrevem:
«1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.
2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.
4. Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa.
5. Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da ação dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.
6. Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático e pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica, social e territorial, de um espaço de liberdade, segurança e justiça e a definição e execução de uma política externa, de segurança e de defesa comuns, convencionar o exercício, em comum, em cooperação ou pelas instituições da União, dos poderes necessários à construção e aprofundamento da união europeia.
7. Portugal pode, tendo em vista a realização de uma justiça internacional que promova o respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos, aceitar a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, nas condições de complementaridade e demais termos estabelecidos no Estatuto de Roma.»
Sobrarão os exemplos de ações militares conduzidas pela NATO e pela UE que contrariaram um ou mais dos princípios supra e às quais Portugal não se opôs, pelo contrário apoiou (ex.: Iraque/2003) e nalguns casos participou (ex.: Jugoslávia/anos 90).
A justificação estereotipada de que nos dias de hoje a Defesa Nacional passa por cumprir missões «lá longe» (ex.: Afeganistão) revela e contorna a falta de razões conformes com a lista de critérios emergentes da Constituição.
Pela CRP, às FA «incumbe a defesa militar da República» o que exige que as FA possuam capacidade de Defesa autónoma da República. Tal capacidade poderá permitir a participação das FA em missões internacionais desde que estas não conflituem com qualquer um dos comandos constitucionais. Em tese, as missões que passarão por tal critério serão as que decorram sob a égide das Nações Unidas (ONU). Cada caso é um caso e os Órgãos de Soberania, com destaque para a Presidência da República4, terão de cuidar da conformidade da decisão sobre cada participação com o quadro da CRP. A esses Órgãos deverá ser facultada toda a informação de suporte devidamente validada (cruzamento de notícias do maior número possível de fontes sem encarar nenhuma delas com preconceito).
Do que se discorda é da inversão de prioridades, o empenhamento externo das Forças Armadas e decorrentes necessidades de financiamento não deve ter precedência sobre a construção da capacidade militar necessária ao exercício autónomo da Soberania sobre o nosso território. A filosofia de Portugal produtor de segurança não deveria considerar as Forças Armadas como «produto» exportável se o fornecimento desse «produto» não é compaginável com os comandos constitucionais e, sendo-o, ou comporta escassez no primeiro cliente do fornecedor – Portugal e os seus cidadãos – ou desencadeia (ou agrava) vulnerabilidades que comportam riscos a que, de outra forma, o País não teria necessidade de se expor.
8. Em reforço da imprescindibilidade de possuirmos capacidade de defesa autónoma deve mencionar-se que quando um País não exerce a sua Soberania sobre os espaços que lhe são próprios não faltará quem venha ocupar esse lugar (ex.: a competição internacional pela prestação de serviços no âmbito da gestão do tráfego civil usando o argumento da concorrência e redução de custos).
No caso de Portugal a especificidade desse espaço (i.e. a vasta área marítima interterritorial) e as obrigações que aí somos chamados a cumprir decorrentes dos acordos internacionais que subscrevemos [i.e Busca e Salvamento e Regiões de Informação de Voo (RIV)]5 confrontam o País com a necessidade de não falhar no cumprimento dessas obrigações na medida em que se isso acontecer não faltará quem venha ocupar o nosso lugar já hoje ameaçado (i.e. integração europeia, Guarda Costeira da União). A não existir capacidade nacional em controlar os nossos recursos rapidamente outros procederão à sua exploração sem que para tal o Estado Português tivesse emitido concessão.
9. Partindo da CRP, do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) e do Conceito Estratégico Militar (CEM) estão derivadas as Missões das FA (MIFA) para cujo cumprimento deverão estar capacitadas.
Remetendo-nos para as considerações introdutórias do documento MIFA, as missões identificadas são as consideradas de «nível estratégico-militar» e «decorrem dos Cenários de Emprego das Forças Armadas, do Conceito de Ação Militar e das Orientações Especificas, constantes do Conceito Estratégico Militar». No documento, estão também incluídas outras missões «executadas pelos Ramos» ao abrigo de legislação especifica e assinala-se que a execução das missões identificadas respeita «prioridades e orientações contidas no CEDN e no CEM», prioridades derivadas da «atenção à ação das ameaças persistentes e emergentes para dentro das nossas fronteiras; ao imperativo de, numa perspetiva de soberania, não deixar que se materializem vazios estratégicos nas áreas de Interesse Nacional; à necessidade de projetar e manter a imagem de Portugal, enquanto "produtor de segurança"; e ao papel vital da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para a defesa coletiva».
Sendo o CEM um documento classificado ficamos limitados a comentar as prioridades e orientações enunciadas no MIFA. Deixam-se dois registos.
Quanto à invocação do papel vital da NATO para a defesa coletiva – está hoje demonstrado à saciedade que o seu contributo é mais para o suicídio coletivo do que defesa. O Mundo já esteve (i.e., no contexto dos ataques à Síria) mais próximo da auto destruição do que há décadas atrás e a NATO atua para encurtar essa distância com riscos acrescidos para o teatro europeu em que nos situamos.
A promoção da Paz na Europa exige uma postura em relação à Rússia, ao Médio Oriente e à África que marque distância em relação aos EUA. O «nosso» atlantismo deve virar-se mais para o Sul onde está o Brasil país irmão e a Venezuela país em que Portugal possui uma comunidade de emigrantes considerável.
Quanto à necessidade de projetar e manter a imagem de Portugal enquanto «produtor de segurança» – só quando respeitar os sete comandos constitucionais e se tal projeção não potenciar um grau acrescido de risco que se possa vir a consubstanciar em ações a que fiquemos incapacitados de fazer face.
10. No documento que inventaria as MIFA estão elencados seis âmbitos de missões:
- Segurança e defesa do território nacional (TN) e dos cidadãos (desdobrado em "defesa convencional do Território Nacional; garantia de circulação no espaço interterritorial; atuação em estados de exceção; evacuação de cidadãos nacionais em áreas de crise; extração/proteção de contingentes e Forças Nacionais Destacadas; ciberdefesa e cooperação com as forças e serviços de segurança);
- Defesa coletiva (especificado em defesa do território das nações aliadas);
- Exercício da soberania, jurisdição e responsabilidades nacionais (desdobrado em vigilância e controlo, incluindo a fiscalização e o policiamento aéreo, dos espaços sob soberania e jurisdição nacional; busca e salvamento; segurança das linhas de comunicação no Espaço Estratégico de Interesse Nacional Permanente6);
- Segurança cooperativa (desdobrado em operações de resposta a crises no âmbito da NATO (não Artigo 5.º do tratado); outras operações e missões no âmbito da NATO; operações e missões no âmbito da UE; operações de Paz no âmbito da ONU e da CPLP; operações e missões no âmbito de acordos bilaterais e multilaterais);
- Apoio ao desenvolvimento e bem-estar (desdobrado em Apoio à proteção e salvaguarda de pessoas e bens e Apoio ao desenvolvimento);
- Cooperação e assistência militar (desdobrado em: cooperação e assistência militar de natureza bilateral e multilateral; ações no âmbito da Reforma do Setor de Segurança de outros países).
11. É uma evidência que o País não possui capacidade militar para cumprir muitas das missões inventariadas, dito com mais rigor, as missões inventariadas estarão a ser cumpridas com «muitas portas abertas», ou seja, com muitas lacunas por preencher (ex.: em primeira prioridade não temos sistema de vigilância que cubra todo o espaço – ar e mar – de interesse; não são conhecidos programas/atividades concretas, treino/avaliação periódicos, para organizar a resistência ativa na defesa convencional do território; o espaço aéreo nos Açores não possui sistema de vigilância radar e/ou por satélite e a capacidade de interseção aérea ou de policiamento é praticamente nula; na Madeira a capacidade de interseção aérea ou de policiamento é praticamente nula; o patrulhamento naval de superfície é feito com muitas limitações).
Aquilo a que se tem assistido é à recorrente subalternização do investimento nas capacidades requeridas para cumprir missões entendidas como sendo do Interesse Nacional estrito ainda que constitucionalmente prioritário (só interessam ao País e os Aliados não reclamam se aí não houver investimento). Destaque para o que acontece no nosso Exército, a prioridade são os investimentos que de alguma forma são vistos como potenciando (ou a reboque de) a nossa participação em missões NATO/UE (não temos sistema de organização e enquadramento da resistência ativa na defesa nacional do território nem arma ligeira padronizada para substituir a velha G3 mas temos, por exemplo, carros de combate Leopard).
«A próxima revisão da LPM poderia ser uma oportunidade para sustar o que de errado vem sendo feito nos últimos 40 anos, inverter a trajetória de subordinação aos interesses estrangeiros dos investimentos na defesa e dar prioridade a uma efetiva materialização de capacidade para o exercício da Soberania»
12. Retomando o aludido cenário do Gen Marins Barrento para «Unidades Politicas com Elevado Espírito de Defesa e Reduzida Capacidade Tecnológica» o pilar de construção da capacidade de defesa autónoma admite o recurso a formas não convencionais de fazer a guerra. Estas formas de fazer a guerra são características das ações de resistência e revolta contra o invasor protagonizadas por um Povo em armas (com maior ou menor enquadramento do seu exército regular). Os melhores exemplos que se podem dar é o da guerra conduzida pelos Norte Vietnamitas contra Saigão e os EUA e as dos Movimentos de Libertação nas ex-colónias. A condução de operações características deste tipo de guerra carece de um arreigado espirito patriótico que abordámos em reflexão anterior.
A sofisticação tecnológica do equipamento militar confronta-nos com dependências externas que poderão ditar da sua inutilidade. Em conformidade, a construção da capacidade de defesa autónoma deve, prioritariamente, considerar meios para formas não convencionais de fazer a guerra concorrentemente com o assegurar a disponibilidade de meios que permitam o exercício da Soberania nos espaços (terra, mar e ar) de interesse, sendo urgente firmar os procedimentos e regras de empenhamento que potenciem o seu uso pelas diferentes autoridades que a eles terão necessidade de recorrer. Protelar a ação neste domínio só facilitará a invasão que está em marcha.
Um sistema de forças capaz de exercer a Soberania no todo Nacional
13. Planear um sistema de forças capaz de exercer a Soberania no todo Nacional terá que atender às decisões que lhe estão a montante e relevam da sua conceptualização. Os textos anteriores contêm orientações que se perfilham, aqui se recuperam e complementam:
- FA capazes de fazer o enquadramento e integração das populações em ações de resistência;
- FA com uma elevada componente aérea e naval suportada por um sistema de vigilância aérea e de superfície que recorra predominantemente a informação obtida por satélites;
- FA em que, com maior ou menor ambição, deverão estar preparadas para cumprir missões de apoio à Diáspora;
- FA em que o empenhamento externo e decorrentes necessidades de financiamento não deve ter precedência sobre a construção da capacidade militar necessária ao exercício autónomo da Soberania sobre o nosso território;
- No desenho, implantação e administração do sistema de forças respeitar os princípios da normalização de equipamentos e procedimentos; da integração, partilha e unicidade da informação e sistemas conexos (com destaque para as comunicações); da centralização geográfica e funcional para o exercício das atividades de Comando e Controlo, Administração e Logistica (estes princípios comportam sempre redução de custos de funcionamento que podem e devem ser exponenciados pelas alterações tecnológicas a que se assiste e que evidenciam grande potencial de beneficio no modelo de organização e administração das FA e não lhes advém daí risco de descaracterização);
- No reequipamento dar prioridade aos meios e capacidades para formas não convencionais de fazer a guerra e aos meios que permitam o exercício da Soberania nos espaços (terra, mar e ar) de interesse sendo urgente firmar os procedimentos e regras de empenhamento que potenciem o seu uso pelas diferentes autoridades (militares e outras, nomeadamente Segurança Interna e Controlo de Fronteiras, Proteção Civil, Polícia Judiciária, Fiscalização das Pescas, Fogos Florestais e Emergência Médica ) que a eles terão necessidade de recorrer;
- Os investimentos para materialização das capacidades/reequipamento devem privilegiar as seguintes orientações: redução, até onde for possível, do grau de dependência externa do País para assegurar a sua operação sustentada; instalar a organização Logistica de suporte o mais próximo possível dos locais de treino e aprontamento de combatentes/operadores, e prevenir investimentos nessa Logística quando no País já exista capacidade de resposta às necessidades das FA.
14. O infindável debate sobre a dotação das FA com meios que também são necessários ao exercício de funções do âmbito da Segurança Interna e outros serviços do Estado aconselha que se deixe claro que a avaliação que se faz é de que o País exige rigor na aplicação dos recursos financeiros e não é de todo aceitável que a visão tacanha da «minha quinta» com a consequente postura de «defesa de perímetro» crie dificuldades ou sustente políticas que obrigam à duplicação de investimentos com a subsequente subutilização dos meios adquiridos.
Refira-se a título de exemplo o que se passa com os investimentos do Estado apontados à vigilância da zona costeira (quase 1.800 km de costa). Aprovou-se a despesa 6,5 milhões de euros, no período de 2016 a 2020, para a manutenção do Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo da Costa Portuguesa sob a tutela da Guarda Nacional Republicana (GNR). Mas esse sistema não partilhava a informação com os Sistemas de Comando e Controlo que suportam o empenhamento dos meios aéreos e navais no mesmo espaço sendo que a GNR não possui meios com capacidade de intervenção em toda a área do Sistema que instalou. Neste domínio, autoridades com intervenção de fim idêntico em espaços de jurisdição sobrepostos, o País é confrontado com menor eficiência (despesa acrescida) e eficácia vulnerável, verifica-se a «existência de diversas sobreposições funcionais e territoriais, num contexto institucional juridicamente fragilizado, com aparentes prejuízos para o Sistema de Autoridade Marítima e consequentemente para o Sistema de Segurança Interna. Nesse sentido, concluímos pela unificação da Polícia Marítima e da GNR, com ganhos resultantes da eliminação de redundâncias e da articulação das complementaridades identificadas»7. A conclusão transcrita pode ser levada mais longe se considerarmos os ganhos e simplificação sistémica decorrentes de integração da Polícia de Segurança Pública, Polícia Marítima, GNR e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras numa única Polícia Nacional.
15. A satisfação das necessidades das FA não pode ser encarada como uma atividade em que o «segredo é a alma do negócio». Os processos de aquisição conduzidos ao abrigo do Código de Contratação Pública têm de aí encontrar um instrumento facilitador onde prevaleça o rigor e a transparência na defesa do interesse público.
Não se contesta o interesse económico das muitas empresas que intervêm nos fornecimentos às FA. O que se afirma é que tais interesses não podem condicionar as decisões de aquisição seja na definição de quando comprar ou pela influência na formulação das necessidades ou nos critérios de adjudicação.
Quando as FA identificam a necessidade de novo equipamento/armamento deverão fazê-lo inventariando aquilo de que vão precisar para assegurar a sua entrada em funcionamento e a sua utilização até à sua alienação. Neste exercício de identificação de necessidades é obrigatório responder às perguntas, quem (?), onde (?), com quê (?) e com que profundidade (?) vão ser executadas as múltiplas atividades (manutenção, instrução e treino, certificação e auditoria) que assegurem a disponibilidade do equipamento/armamento para ser utilizado. A resposta àquelas perguntas determinará necessidades cuja satisfação obriga a investimentos e esses devem ser criteriosamente considerados.
Investimentos que não devem deixar de ser feitos nas FA, onde são imprescindíveis para assegurar a disponibilidade para uso do equipamento/armamento, para serem feitos em entidades externas às FA e ao Estado mesmo que se afirme que darão prioridade à satisfação das necessidades das FA. Deixam-se à reflexão os seguintes exemplos: pela negativa – a aquisição inicial dos helicópteros EH-101 sem incluir a manutenção que posteriormente foi adjudicada ao fabricante do helicóptero; a aquisição do C-295 com diminuto envolvimento da Força Aérea na manutenção programada da aeronave e a situação recorrente das dificuldades no Arsenal do Alfeite, SA e a sua incapacidade em oportunamente dar resposta às necessidades de manutenção da Marinha; pela positiva o que tem sido o programa F-16 na Força Aérea, o grau de autonomia do País na sua sustentação que alavancou a solução adotada para a execução do programa F-16/2ª Esquadra e posterior atualização tecnológica da 1ª Esquadra, recentemente, o que isso contribuiu para o envolvimento de Portugal na transferência de 12 F-16 para a Roménia e os fornecimentos conexos, alguns já realizados depois da venda inicial e com potencial para futuros fornecimentos.
16. A próxima revisão da LPM poderia ser uma oportunidade para sustar o que de errado vem sendo feito nos últimos 40 anos, inverter a trajetória de subordinação aos interesses estrangeiros dos investimentos na defesa e dar prioridade a uma efetiva materialização de capacidade para o exercício da Soberania.
Neste domínio como noutros da área das FA a politica PS/PSD/CDS-PP tem azimute para a exiguidade. Passado o «gueto», rumamos à insignificância da Instituição Militar enquanto pilar de um Estado Soberano.
Nota da redacção
O presente é o quarto e último artigo de Jorge Aires (Engenheiro Electrotécnico e Major-general da Força Aérea, na reforma) de uma série dedicada à Soberania e componente Militar de Defesa, que o AbrilAbril tem vindo a publicar quinzenalmente desde 2 de Setembro de 2018.
Podendo e devendo ser considerados autonomamente, acreditamos que a leitura, sequencial ou entrecruzada, do conjunto dos artigos, ajudará à compreensão mais profunda da temática abordada.
Por isso damos ligação para a introdução e para os três anteriores artigos: «Considerações estratégicas essenciais», «Estancar a degradação do Sentimento de Estado-Nação» e «Legislação e materialização de capacidades militares».
O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa de 1990 (AE1990)
- 1. Num confronto não é só a componente militar que contribui para derrotar o opositor, pelo que importa precisar o uso da expressão «capacidade […] autónoma» no sentido de que, face a uma ameaça, acompanhada de atos que configurem uma agressão quase certa, as FA deverão ser equipadas do necessário para a conter. Neste domínio, o grau de autonomia tem de ser avaliado no contexto da probabilidade de ocorrência e da dinâmica/escalada do conflito. É neste contexto e com este significado que nesta série de textos sobre Soberania e componente Militar de Defesa o uso desta expressão deve ser acatado, por exemplo, quando se refere capacidade autónoma de exercício da Soberania o grau de autonomia tem inevitavelmente de ser parametrizado, não há nestes domínios graus absolutos no sentido em que o opositor pode surgir intempestivamente e as suas capacidades surpreenderem-nos.
- 2. Não deixam de estar presentes, mas não se destacam, outros domínios hoje amplamente publicitados (i.e., domínio eletromagnético-guerra eletrónica; domínio da informação-guerra de informação; domínio da Internet – ciberespaço).
- 3. Em http://www.arqnet.pt/dicionario/andrade_gomesfreire2.html, «Beresford tornara-se pouco querido do povo, e a permanência dos oficiais ingleses no nosso exército concorria poderosamente para lhe fazer perder todas as simpatias que alcançara durante a guerra. De coronel para cima era raro o oficial que não fosse inglês».
- 4. Lei 29/82, de 11 de Dezembro, Lei de Defesa Nacional e das FA com as alterações introduzidas pela Lei orgânica nº 2/2007 - 7.ª alteração, no seu Art.º 47.º: «no exercício das suas funções consultivas, compete ao Conselho Superior de Defesa Nacional emitir parecer sobre:» o «envolvimento de contingentes militares no estrangeiro no quadro dos compromissos internacionais do Estado Português, em missões não decorrentes do estado de guerra»; se atendermos ao teor da CRP/ Artigo 134º, alínea a): o Presidente da Republica (PR) é Comandante Supremo das FA e preside [CRP/Artigo 133º, alínea o)] ao CSDN (estabelecido pelo CRP/Artigo 274.º) pelo que pode concluir-se que o envolvimento externo das FA tem que ter o envolvimento obrigatório do PR sendo que a sua condição de Comandante Supremo das FA sugere que tal envolvimento tenha que ser determinado pelo seu Comandante Supremo, logo por Sua Ex.ª o PR.
- 5. Portugal é desde 1986 membro do EUROCONTROL, organização europeia para a segurança do tráfego aéreo e gere o tráfego aéreo através da NAV que se articula com a Força Aérea para acomodar as necessidades de uso militar desse espaço.
- 6. O Espaço Estratégico de Interesse Nacional Permanente é o espaço que corresponde ao território nacional compreendido entre o ponto mais a norte, no concelho de Melgaço, até ao ponto mais a sul, nas ilhas Selvagens, e do seu ponto mais a oeste, na ilha das Flores, até ao ponto mais a leste, no concelho de Miranda do Douro, bem como o espaço interterritorial e os espaços aéreos e marítimos sob responsabilidade ou soberania nacional.
- 7. Conclusão principal do estudo feito pelo Maj. João Duque Martinho, oficial da GNR, durante a frequência do curso de Estado Maior Conjunto, 2016/2017. Com resultados de alcance limitado a recente iniciativa da Marinha constitui um passo no sentido de não contribuir para a duplicação de meios.
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