Passam hoje precisamente 25 anos sobre o dia em que começou o que ficou designado por Genocídio do Ruanda. Foi a 7 de Abril de 1994 que grupos paramilitares da maioria hutu iniciaram o massacre organizado da minoria hutsi. Três meses depois tinham sido assassinados cerca de um milhão de homens, mulheres e crianças, naquele que é considerado, pela comunidade internacional, o último dos quatro genocídios cometidos no século XX – a seguir ao dos arménios (1915), judeus (1941-1945) e cambodjanos (1975-1979).
Nenhuma destas tragédias saiu do nada. Foram antecedidas por sinais próximos que não foram tomados em consideração pela comunidade internacional e por dezenas de anos de rivalidades étnicas alimentadas por um colonialismo que necessita de dividir para reinar.
Não é possível reverter a realidade, mas é importante reconhecer, nas tensões políticas intranacionais e internacionais de hoje os riscos que não foram tidos em conta anteriormente.
Antecedentes históricos
O território do Ruanda mantém-se politicamente estável desde há aproximadamente mil e quinhentos anos, quando se calcula ter sido estabelecido o Reino do Ruanda pela comunidade hutu, predominantemente agrícola, à qual se sucedeu no governo do reino a comunidade pastoril hutsi, há aproximadamente seiscentos anos.
Foi um dos últimos reinos independentes africanos a serem dominados pelas potências coloniais. Em 1894, uma força expedicionária alemã entra no reino e este, mantendo embora a independência formal, fica na dependência da África Oriental Alemã. Os alemães e a congregação missionária dos Padres Brancos (pères-blancs), estabelecidos também no país em 1894, introduzem a diferenciação rácica, privilegiando os hutsis – cuja pele mais clara faz deles, segundo as teorias racistas que começam a desenvolver-se na Europa Central, mais capazes, porque mais próximos dos europeus.
Com a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial o Ruanda passa a ser uma colónia da Bélgica. A colonização belga mantém e consolida o favorecimento da minoria tutsi na administração do país.
O fim da Segunda Guerra Mundial marca o início de um poderoso movimento de emancipação dos povos oprimidos pelo jugo colonial, nos continentes asiático e africano. No Ruanda estas ideias põem também em causa a sociedade de casta alimentada pelo colonialismo. Em 1957 intelectuais cristãos hutu produzem o Manifesto dos Bahutu. Redigido com o apoio dos Padres Brancos, o documento, além de conter justas reivindicações da igualdade de tratamento perante a lei dos hutu e hutsi – respectivamente 83% e 14% da população do Ruanda –, introduz a teoria do «colonialismo tutsi», cuja eliminação seria necessária para a libertação dos hutu mas também dos hutsi pobres.
A minoria tutsi recusa-se a ceder os seus privilégios e prefere fazer incidir as suas reivindicações sobre o inferior estatuto dos hutsi face aos colonizadores europeus, exigindo a independência do Ruanda sob a sua direcção. Tal reivindicação leva os belgas a reconsiderar a sua política de alianças e a favorecer os hutu. Depois de uma guerra civil que leva 300 mil tutsis ao exílio, a República do Ruanda é estabelecida em 1961, tendo um hutu como primeiro presidente da República.
Uma inimizade alimentada
Nestas condições, a independência não resolve a inimizade latente entre as duas etnias. A partir do exílio os hutsis atacam o país. No interior, os hutus cometem os primeiros massacres sobre tutsis. Em 1972, um massacre de hutus no vizinho Burundi serve para agravar as condições dos tutsis no interior do Ruanda e provoca uma nova vaga de refugiados.
Em 1990 a Frente Patriótica Ruandesa (FPR), uma organização tutsi fundada em 1987 no exílio ugandês, desencadeia ataques no interior do Ruanda. É o início da guerra civil ruandesa. Durante esse período, que se prolongará até aos acordos de paz de Arusha (negociados em Agosto de 1993 mas que apenas entrarão plenamente em vigor em Julho de 1994, após os massacres tutsis), a França torna-se o maior fornecedor de armas do governo hutu do Ruanda e auxilia militarmente este, incluindo com a presença no terreno de especialistas e conselheiros militares. Por seu lado, a FPR tutsi será acusada de crimes de guerra sobre populações civis no Ruanda como no Congo, com estimativas variáveis mas que não são inferiores a 400 mil vítimas.
Os massacres de hutsis começam no interior do país, embora de uma forma mais espontânea que sistemática, mas esses repetidos crimes virão a ser reconhecidos, mais tarde, como «o prelúdio de um genocídio». Em 1992 a maioria hutu ligada ao presidente em exercício forma organizações políticas e paramilitares, e cria meios de comunicação que virão a ser conhecidos como os «mídia do ódio», os quais virão a desempenhar um papel fundamental noincitamento dos hutus.
Em Outubro de 1993 o embaixador francês alerta o seu governo para o risco elevado de um genocídio no país, para o qual tudo parece estar preparado. A França manterá os fornecimentos de armas ao governo hutu, embora faça evacuar os seus nacionais em Dezembro de 1993.
A tensão no país é explosiva quando, a 6 de Abril de 1994, o avião que transporta o presidente da República é abatido ao tentar aterrar em Kigali. No dia seguinte o terror começa.
Epílogo
O Ruanda demorou a recuperar das suas feridas mas é hoje um país estável e sem conflitos, com indicadores melhores do que muitos países africanos. Mas no Médio Oriente são estimuladas as rivalidades entre sunitas e xiitas, na Palestina o estado de Israel prossegue o genocídio palestiniano e uma política de apartheid, no Ocidente e no Leste da Europa estimula-se a russofobia como arma preparatória de um conflito de grandes dimensões, migrantes em busca de uma vida melhor são expostos como cidadãos de segunda pela extrema-direita europeia e norte-americana, e os estados europeus alinham com Washington em tudo o que cheire a intervenção militar imperial, da Síria à Venezuela. Seria bom que os aprendizes de feiticeiro se lembrassem do genocídio no Ruanda.
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