A auditoria da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) à utilização dos recursos públicos na área da contratação pública na Câmara de Almada, no período entre 2014 e 2016, foi notícia de jornais, de telejornal e de comentário da presidente da Câmara, no papel de comentadora residente da actualidade política, na televisão pública. E vai, no futuro próximo, ser certamente demagogicamente relembrada pelo PS.
Os resultados agora divulgados, quase dois anos depois da presença dos inspectores de finanças na Câmara Municipal de Almada e um ano depois do actual executivo PS e as chefias municipais das áreas objecto da inspecção terem sido chamados a pronunciarem-se em contraditório sobre as conclusões do relatório da auditoria da IGF, acontecem numa altura em que, passada metade da actual legislatura autárquica, todas as promessas que o PS fez para Almada estão na estaca zero. Dificilmente o seu timing de divulgação poderia ser melhor. Mas analisemos os contornos da sua execução e o seu conteúdo.
«a três meses das últimas eleições autárquicas, a IGF apresentou-se no Município de Almada para, no âmbito das suas funções, dar início a uma Acção de Controlo à utilização dos recursos públicos, na área da contratação pública, no triénio entre 2014 e 2016»
Embora fazendo parte da actual Câmara Municipal com funções não executivas, o anterior Presidente da Câmara eleito pela CDU e quase todos os restantes membros da CDU foram completamente ignorados no exercício do direito contraditório, apesar de ser o período da sua gestão que estava a ser auditado pela IGF.
É o actual executivo PS, o primeiro interessado em denegrir o trabalho desenvolvido pela CDU em Almada, que é chamado a fazer o contraditório ao relatório da IGF, ao mesmo tempo que os depoimentos enviados pelas chefias da Câmara são também ignorados e enviados para o caixote do lixo e, mais do que isso, todas estas chefias foram entretanto afastadas dos lugares que ocupavam. Por aqui se vê a completa hipocrisia da Presidente da Câmara que em declarações ao jornal Público vem defender estes mesmos dirigentes, quando afinal já os demitiu.
Mas vejamos como tudo decorreu. No final do primeiro semestre de 2017, a três meses das últimas eleições autárquicas, a IGF apresentou-se no Município de Almada para, no âmbito das suas funções, dar início a uma Acção de Controlo à utilização dos recursos públicos, na área da contratação pública, no triénio entre 2014 e 2016.
A observação dos princípios da legalidade, da concorrência e da transparência, ao nível dos procedimentos pré-contratuais e dos desvios na execução física e financeira dos contratos, foram o objecto fundamental desta inspecção ao Município de Almada, nos termos do relatório da IGF agora conhecido.
«Da leitura do relatório e do contraditório produzido pelas chefias municipais, e que foi ignorado pelo actual executivo PS, é possível concluir que não se registam desvios na execução física e financeira dos contratos objectos desta inspecção»
Da leitura do relatório e do contraditório produzido pelas chefias municipais, e que foi ignorado pelo actual executivo PS, é possível concluir que não se registam desvios na execução física e financeira dos contratos objectos desta inspecção e que as irregularidades e insuficiências de natureza administrativa detectadas resultaram em grande parte do entendimento de que, ao contrário do que defende a IGF, não era aplicável às autarquias a necessidade de parecer prévio favorável da Câmara Municipal à celebração ou renovação de contratos de aquisição de serviços, podendo este poder ser delegado no Presidente de Câmara, Vice-Presidente, Vereadores dos pelouros respectivos e chefias. Da mesma forma não se justificava, nas três empreitadas referidas, a aplicação de sanções contratuais aos empreiteiros, tanto mais que poderia resultar um prejuízo superior para o município, dadas as implicações daí resultantes sobre a conclusão destas obras.
Naquilo que de mais substancial é referido neste relatório da IGF e que se refere a indícios de infracções de natureza penal e financeira na aquisição de bens (relógios e smartphones) nestes três anos, é importante clarificar-se o contexto destas aquisições.
Desde os anos 80 o município de Almada entendeu oferecer a todos os trabalhadores, no ano em que faziam 25 anos ao serviço do município, um relógio, como reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, da mesma forma que, também desde os anos 80, o município de Almada organizava uma festa de Natal para os filhos dos trabalhadores do Município e nessa mesma ocasião entregava a todas as crianças até aos 12 anos de idade, um presente de Natal. É neste contexto que nestes três anos, objecto desta auditoria, aparece a aquisição dos smartphones, presente oferecido a todas as crianças filhas de trabalhadores que nestes anos fizeram 12 anos de idade.
«no relatório da auditoria da IGF [ à anterior gestão] é referida de forma elogiosa a existência no Departamento de Obras Municipais (DOM), para o lançamento de empreitadas de obras públicas, de uma aplicação informática específica, designada “Int´Graal”, que garante a gestão da informação pré-contratual – desde a preparação do procedimento de contratação à formação e execução do contrato – e a desmaterialização dos documentos, a qual está interligada à plataforma electrónica «BizGov”»
Esta era pois uma prática da CDU em Almada que nunca as várias inspecções realizadas ao Município de Almada – e foram muitas, ao longo destas décadas – puseram em causa.
Entendemos, aliás, que estas eram decisões que se enquadravam no âmbito da autonomia do poder local e que não é por acaso que o acórdão do Tribunal de Contas nº32/2015, invocado pela IGF, se refere a actos praticados por um Instituto Público e não por Municípios. Aliás, esse foi também o entendimento do actual executivo, que em 2018 ofereceu um voucher para uma viagem, no valor de quinhentos euros, aos trabalhadores que nesse ano fizeram 25 anos ao serviço do município e realizou também uma festa de Natal, oferecendo um presente às crianças e um espectáculo de circo.
Por fim, e para que se percebam melhor os princípios que norteiam quem agora governa a Câmara de Almada, refira-se que, apesar da acusação que faz, de que os sistemas informáticos utilizados actualmente estão obsoletos, e que aguardava pelo final das conclusões do relatório da IGF para avançar com uma solução informática integrada para toda a área da contratação pública, a verdade é que no relatório da auditoria da IGF é referida de forma elogiosa a existência no Departamento de Obras Municipais (DOM), para o lançamento de empreitadas de obras públicas, de uma aplicação informática específica, designada «Int´Graal», que garante a gestão da informação pré-contratual – desde a preparação do procedimento de contratação à formação e execução do contrato – e a desmaterialização dos documentos, a qual está interligada à plataforma electrónica «BizGov».
«[Na Câmara Municipal de Almada] voltámos aos documentos em papel e à folha que se coloca ou se retira do dossier do concurso consoante os interesses, o que dá muito jeito para alguns. Afinal, senhora Presidente, em que é que ficamos?»
Nome do Autor, breve descrinção
A IGF lamenta mesmo que esta mesma aplicação informática não fosse ainda utilizada pelos restantes serviços da autarquia que promovem processos de empreitadas de obras públicas. Pois é, é pena que o IGF não se tenha entretanto informado de que afinal este executivo, que em contraditório às conclusões do seu relatório em Outubro de 2018 disse que aguardava o final da auditoria para avançar com todas as melhorias informáticas, logo que tomou posse em Outubro de 2017 acabou com a aplicação informática «Int´Graal» e, consequentemente, com a desmaterialização dos documentos nos concursos das empreitadas de obras públicas que agora são realizados em Almada. Voltámos aos documentos em papel e à folha que se coloca ou se retira do dossier do concurso consoante os interesses, o que dá muito jeito para alguns. Afinal, senhora Presidente, em que é que ficamos?
Razão tem o povo quando diz que mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo.
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