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Artes «em espera». A paisagem, o lugar e a literatura

O sector das artes está «em espera». Programa «REAGE» de «O Porco Voador», Ana Carvalho e Kerstin Wagner em Lagos, Álvaro Lapa na Culturgest e «Pintura de Mário Dionísio» na Casa da Achada.

Exposição «Spaces In Between» de Kerstin Wagner, no Centro Cultural de Lagos
Créditos / Kerstin Wagner

A actual situação pela qual o país está a passar, por motivos da pandemia, impõe medidas restritivas que estão constantemente a ser alteradas ou actualizadas, pelo que será sempre necessário confirmarem as medidas adoptadas pelos respectivos espaços expositivos. Os espaços culturais fecharam, as exposições foram adiadas ou canceladas, horários alterados, alguns optaram por visitas por marcação prévia e outros por facultar visitas virtuais. Com o risco de vermos dinâmicas e projetos artísticos de uma vida completamente destruídos e até que se possa voltar a ver de novo as obras ao vivo é importante não pararmos de divulgar os projetos e espaços de arte e continuar a refletir sobre as diferentes propostas artísticas, como exposições já inauguradas e entretanto interrompidas e as que vão continuando a ser reagendadas para novas datas, seja pela opinião escrita ou através de programas de divulgação em espaços da internet.

Como já alguns alguns artistas alertaram, o envolvimento e o esforço para organizar uma exposição ou criar um evento cultural é enorme e também, como já foi comentado no AbrilAbril, «os trabalhadores da cultura foram os primeiros a ver tudo cancelado e serão os últimos a retomar a actividade, porque é preciso, no fim disto tudo, convencer o público para voltar a juntar-se»1. Em todos os processos de «fidelização de públicos» da área das artes, e principalmente daquelas que dependem em exclusivo da partilha e da experiência estética presencial com a obra, podem levar anos a recuperar. A diferentes ritmos, o sector das artes está «em espera», tentando perceber o que fazer com esta nova situação, com a certeza que se vai passar por momentos muito difíceis se não for apoiado em muito do investimento já realizado, e agora cancelado, e na recuperação das dinâmicas artísticas de uma retoma em que nada vai ficar como antes.

«O Porco Voador» é um coletivo de ação artística e cultural, que iniciou a sua actividade em 2018 e pretende intervir essencialmente no Concelho de Almada, seja através da apresentação de trabalho próprio ou produzindo e promovendo outras acções, por outros realizadas. Este projeto artístico está actualmente a desenvolver o programa «REAGE - Programa de Eventos Artísticos Contra O Vírus», que integra diversos «eventos artísticos em que artistas de diferentes áreas exibirão trabalhos seus como forma de combate à síndrome das quatro paredes provocado pela quarentena». Neste espaço de partilha, iniciado a 28 de março, irá sendo publicado diariamente, no facebook, propostas artísticas nas áreas da performance, vídeo, pintura, desenho, cerâmica, escultura e fotografia entre outras.

No Centro Cultural de Lagos2, foram interrompidas duas exposições, que inauguraram a 25 de Janeiro e estavam programadas encerrar a 18 de Abril: «Azul Branco Verde Negro», de Ana Carvalho, e «Spaces In Between», de Kerstin Wagner.

Acerca da exposição de Kerstin Wagner3 (Sala de Exposições 1), poderemos ler no texto de sala que as suas obras «são inspiradas nas tonalidades e vibrações cromáticas do mar e da luz do Algarve, onde a artista reside atualmente. Para além das viagens que faz é influenciada na utilização de três princípios opostos: movimento vs. calma, caos vs. harmonia, escuridão vs. luz, os quais, através da cor, da técnica, das tintas acrílicas e dos pigmentos que utiliza, fazem ressaltar a forte intensidade e a dinâmica visual das suas pinturas, mas igualmente a vastidão, a profundidade e a harmonia dos ambientes marítimos». Na exposição de Ana Carvalho4 (Sala de Exposições 2), foram apresentados «trabalhos de desenho e pintura de dois projetos multidisciplinares que partem de dois lugares «intocados», dois imensos ecossistemas que sobrevivem com a ameaça constante do processo contemporâneo – o desaparecimento e a destruição. Os trabalhos que integram os dois projetos são reflexões sobre os conceitos de paisagem e lugar que jogam com a perceção visual, do micro ao macro. Estes exercícios imaginários articulam pesquisas exaustivas relativas a histórias, cartografia, topografia e ilustração científica e registos» recolhidos no Ártico e na Amazónia brasileira.

Na Culturgest5, em Lisboa, a exposição «Lendo resolve-se: Álvaro Lapa e a Literatura», (18 Janeiro a 19 de Abril), encerrada temporariamente, podendo vir a ser reagendada. Os Cadernos de Escritores são uma série de pinturas de Álvaro Lapa realizadas entre 1975 e 2005, um ano antes da sua morte. «Lendo Resolve-se» parte dessa série e sublinha os constantes reenvios que o artista promovia entre pintura e literatura, numa tentativa de descodificar a sua obra enigmática, marcada pela constante ideia de atrito. Trata-se também de salientar a idiossincrasia de um dos projetos mais relevantes da arte portuguesa do século XX através das homenagens a autores maiores – Homero, Pessoa, Kafka, William Burroughs, Beckett – realizadas por Lapa ao longo de 30 anos.
Organizada por ordem cronológica e partindo da revolução de abril de 1974, a mostra faz remissões para trabalhos anteriores ou para criações relacionadas com os 21 nomes homenageados pelo artista nos seus «cadernos» – as pinturas que evocam os hipotéticos cadernos de escritores –, na primeira apresentação exaustiva desse conjunto.6

Álvaro Lapa (Évora, 1939-Porto, 2006) deu aulas em Évora, conviveu com os artistas Joaquim Bravo e Fernando Charrua, conheceu o António Areal, muda-se para Lagos e foi amigo do João Cutileiro. «Artista autodidata e escritor, a sua formação académica concretiza-se por via da filosofia: é na qualidade de professor de Estética na Faculdade de Belas Artes do Porto que a partir de 1976 e durante mais de duas décadas vai deixar uma marca indelével em gerações consecutivas de artistas»7.


A Casa da Achada - Centro Mário Dionísio8 foi fundada em Lisboa em 2008 e aberta ao público em Setembro de 2009. Dos seus mais de meia centena de fundadores destacamos António Mota Redol, Cláudio Torres, Cristina Reis, Francisco Louçã, Jorge Silva Melo, Júlio Pomar, Manuel Augusto Araújo, Manuel Gusmão, Rui Mário Gonçalves, Sílvia Chicó e Urbano Tavares Rodrigues. Partindo do espólio, interesses e obra de Mário Dionísio, a Casa da Achada, sede do Centro Mário Dionísio, é um significativo pólo cultural de Lisboa, cidade em que o escritor, pintor e professor nasceu (1916), viveu e morreu (1993). Este centro, como local de investigação, tem ainda ao dispor do público, mediante marcação, uma Biblioteca e um Centro de Documentação, onde se encontra o espólio literário e artístico, arquivo e biblioteca privada de Mário Dionísio e de sua companheira, Maria Letícia Clemente da Silva. A Casa da Achada tem também um local de exposições, leituras, cinema, conversas, cursos, oficinas e convívio – actividades que partem dos interesses da vida e da obra de Mário Dionísio. A Casa da Achada, na altura em que foram suspensas as atividades, apresentava uma Exposição de Pintura de Mário Dionísio, inaugurada em 26 de Setembro de 2019, construída a partir de um poema do seu livro Memória dum Pintor Desconhecido (1965) e estava programada até 20 de Abril.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)

  • 1. Ver  declarações de Paula Soares em artigo do AbrilAbril «Na cultura somos trabalhadores como os outros».
  • 2. Centro Cultural de Lagos. Rua Lançarote de Freitas, n.º 7, Lagos. Horário: terça-feira a sábado, das 10h às 18h (nos dias de espetáculo até às 24h, conforme programação).
  • 3. Kerstin Wagner nasceu perto de Colónia (Alemanha) e formou-se em Belas-Artes em Bonn/Alfter, em 1989, e em «Arte e desenvolvimento social» pela ALANUS ART ACADEMIA. Faz parte da Associação de Artistas do Algarve e da Associação Algarve Artists Network. Desde 1987 que participa em exposições nacionais e internacionais, sobretudo na Europa e na Ásia.
  • 4. Ana Carvalho é artista visual e designer e terminou o mestrado em Design de Interfaces Multimédia em 2001. De 2003 a 2006 colaborou com o Centro de Arte Digitas Atmosferas. Foi uma das artistas que participou na residência/expedição «The Arctic Circle» (2016) ao largo do arquipélago de Svalbard (Oceano Ártico), na sequência da qual iniciou o projeto multidisciplinar «Ártico».
  • 5. Culturgest. Edifício Sede da Caixa Geral de Depósitos, Rua Arco do Cego, LISBOA. Horário: terça-feira a domingo, das 11h às 18h.
  • 6. Texto de Óscar Faria, curador da exposição de Álvaro Lapa.
  • 7. Miguel von Hafe Pérez.
  • 8. Casa da Achada - Centro Mário Dionísio. Rua da Achada, 11, R/C, Lisboa. Horário: segunda-feira, quinta-feira e sexta-feira, das 15h às 20h; sábado e domingo, das 11h às 18h.

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