|Festa do Avante!

Cineavante!: O cinema que não é imparcial

Pela primeira vez, o cinema na Festa do Avante! será projectado ao ar livre, cumprindo um desejo manifestado pelo público em edições anteriores. Catarina Cardoso falou com o AbrilAbril sobre a programação.

«Memórias de um futuro radioso», de José Vieira
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«Como é bom regressar ao cinema que se vê colectivamente depois de meses com as salas fechadas», desabafa Catarina Cardoso, responsável pela programação do CineAvante!. Este ano, o cinema será ao ar livre, junto ao lago e com uma plateia de 3300 metros quadrados. A alteração resultou das actuais circunstâncias sanitárias, mas «já em edições anteriores da Festa muitos nos tinham manifestado esse desejo: como seria bom vermos cinema em ecrã grande, ao ar livre», explica.

A programação arranca na sexta-feira, pelas 21h30, com o documentário Santiago, Itália. O trabalho assinado pelo realizador italiano Nanni Moretti revela como a Embaixada de Itália em Santiago do Chile abrigou centenas de chilenos em 1973, na sequência do golpe militar de Pinochet. A Itália de então acolheu-os primeiro na embaixada, depois no país, como refugiados políticos.

«Trata-se de um filme que, recolhendo testemunhos daquele episódio histórico, nos traz inevitavelmente à reflexão a política de acolhimento actual e a solidariedade internacionalista que desapareceu. É também um filme onde se afirma o carácter político do cinema, militante, que toma partido, de um realizador que afirma perante um dos carrascos de Pinochet: "Eu não sou imparcial!"», descreve Catarina Cardoso.

As manhãs de sábado e domingo estão, como habitualmente, reservadas para o cinema de animação, numa parceria com a Monstra, Festival de Cinema de Animação de Lisboa. Nesta edição, revela Catarina Cardoso, as Monstrinhas serão complementadas com duas oficinas de cinema de animação que se realizam no sábado, às 15h e às 17h, junto ao bar do lago. «O filme que resultar destas oficinas será projectado na sessão de domingo, de manhã», afirma.


A tarde de sábado retoma o documentário com o filme Por parte de Pai, de Guiomar Ramos. A realizadora conta a história do seu pai, Vítor Ramos, militante anti-fascista português que se encontrava refugiado no Brasil há 20 anos, quando se dá a Revolução de Abril. «Vítor Ramos celebrou o seu 54.º aniversário precisamente no dia da Revolução e viria a morrer nessa mesma semana de um aneurisma, sem nunca ter podido regressar ao seu país», detalha a responsável do CineAvante!.

No documentário que se segue, acrescenta, «continuamos a acompanhar os portugueses que foram forçados a fugir da ditadura fascista». Memórias de um futuro radioso, de José Vieira, revela a história cruzada de dois bairros da lata construídos no mesmo lugar, Massy, nos arredores de Paris, mas com 40 anos de intervalo. 

O primeiro bairro construído por emigrantes portugueses, o segundo por emigrantes da Roménia. O realizador português radicado em França, com uma extensa obra sobre a emigração para aquele país, viveu nesse bairro, onde chegou em 1965, com oito anos. Nas suas palavras, «a emigração revela o sistema capitalista em toda a sua injustiça e rapacidade».

«É um filme de uma grande sensibilidade e humanismo, que nos mostra, hoje como sempre, o que leva um emigrante a fugir da miséria e da fome, deixar para trás o seu país e a língua na qual consegue defender-se, tudo em busca de uma vida digna, para si e para os seus», refere Catarina Cardoso, sublinhando que «nenhum dos filmes do José Vieira teve estreia comercial em Portugal, o que torna esta sessão ainda mais especial».

O Botão de Nácar, do realizador chileno Patrício Gúzman, é a sugestão do CineAvante! para a noite de sábado. «Este filme com imagens magníficas mostra-nos como a água, num país com uma imensa costa, guarda a memória dos mortos que a história pretende apagar, desde as populações autóctones dizimadas pelo colonialismo aos perseguidos pela ditadura de Pinochet», conta Catarina Cardoso.

«No domingo, para terminar a Festa, escolhemos uma pequena curta-metragem de ficção realizada por Cristèle Alves Meira: Invisível Herói», refere. A personagem principal é Duarte, um cego nos seus 50 anos que anda à procura do seu amigo Leandro, um imigrante cabo-verdiano misteriosamente desaparecido. «Nada demove Duarte de o procurar por toda a cidade – nem o calor, nem a sua condição – mas ninguém parece lembrar-se de Leandro. É então que descobre a fotografia que Leandro fez de uma mulher à porta de uma discoteca. Talvez ela o possa ajudar...», lê-se na sinopse.

Sobre Viver, da realizadora portuguesa Cláudia Alves, encerra a programação do CineAvante!. Uma aldeia portuguesa isolada na serra, as rotinas dos pastores que aí resistem, o que ameaça subitamente a comunidade e o que esperar do futuro da aldeia constituem a trama deste documentário.

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