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O cidadão, a estatística e a AstraZeneca

Ao cidadão, sobretudo o de idade mais avançada, resta rezar para que não caia do lado errado da estatística e no grupo dos «raros», isto é, vitimado pelos riscos e privado da oportunidade de sentir o alívio das vantagens.

Sede da AstraZeneca em Gaithersburg, EUA, a 5 de Abril de 2021. A farmacêutica europeia viu suspensa a produção da sua vacina Covid na subcontratada Emergent BioSolutions, por erros na manipulação de componentes que estragaram 15 milhões de vacinas, e procura um novo fabricante local
CréditosJIM LO SCALZO / EPA

A confusão instalou-se. E os responsáveis, em vez de inocularem um pouco de lucidez para travarem uma inquietação cada dia mais desgovernada, fogem para a frente amparando-se em dogmas que, por muito correctos que sejam em termos estatísticos, permitem que a vida humana seja jogada em caprichos de roleta. As coisas estão, de facto, a correr mal com a vacina da AstraZeneca contra a Covid-19. Escondê-lo atrás da certeza fundamentalista de que o medicamento é «seguro e eficaz» e persistir na vacinação como se nada estivesse a acontecer é uma estratégia que cumpre efectivamente o preceito tecnocrático segundo o qual uma pessoa é apenas um número; mas atenta contra os direitos humanos.

Os reguladores estão desregulados, como aliás é próprio de um regime que vive da desregulação; e os políticos, sobretudo os europeus, desregulados estão. No meio do salve-se quem puder continuam a morrer pessoas e a multiplicar-se situações que ameaçam a sua qualidade de vida.

A vacina da AstraZeneca, também inicialmente conhecida como a «da Universidade de Oxford», uma espécie de chancela de bom-tom apensada para lhe dar peso propagandístico, como é próprio do velho e experiente lobby imperial britânico, foi das mais promovidas durante o período de descoberta e ensaios.

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Vacinas: os contratos leoninos da indústria farmacêutica

Perante os incumprimentos por parte da indústria farmacêutica, foram revelados novos conteúdos que demonstram as condições garantidas a estas empresas, em prejuízo dos Estados e dos povos.

Os contratos celebrados pela Comissão Europeia com as multinacionais farmacêuticas contêm cláusulas preocupantesCréditosPaula Borba / Câmara Municipal de Setúbal

No processo de produção e distribuição das vacinas contra a Covid-19, têm sido conhecidas várias informações relativas aos contratos celebrados entre a Comissão Europeia e as multinacionais farmacêuticas, nomeadamente o caso mais sonante de incumprimento, o da AstraZeneca.

Perante uma forte pressão pública, a Comissão Europeia divulgou aspectos do contrato celebrado com esta empresa, truncando questões essenciais por alegadas razões de confidencialidade e concorrência. Deste modo, foram omitidos parágrafos inteiros relativos a custos, datas de entrega, compras de cada Estado-Membro e propriedade intelectual.

No início do processo foi dada a informação de que as vacinas seriam vendidas aos Estados a preço de custo. Entretanto, ficámos a saber que essa venda a preço de custo só vigorará até Julho, ficando ao critério da AstraZeneca, dependente da sua «boa-fé» (sic), a manutenção dessas condições mediante a avaliação que a farmacêutica faça sobre se já terminou ou não a pandemia. Aliás, é ainda possível à AstraZeneca adicionar 20% aos 870 milhões de euros acordados, alegando a alteração dos custos de produção das vacinas e sem necessidade de o provar.

O contrato não comtempla cláusulas de penalização da empresa em caso de incumprimento contratual, que permita a indemnização pelos danos causados pelo incumprimento do contrato, como os que já se verificaram.

Os documentos agora conhecidos provam, igualmente, que as alegações da AstraZeneca aquando do primeiro incumprimento não eram verdadeiras. Isto é, o argumento de que estavam contratualmente obrigados a que as fábricas situadas no Reino Unido (RU) apenas abastecessem este país, enquanto as situadas na Europa continental apenas forneciam a União Europeia (UE), não tem qualquer base contratual.

No entanto, em audição conjunta das comissões da Indústria e do Ambiente e Saúde Pública do Parlamento Europeu, o representante da AstraZeneca afirmou que a produção na fábrica dos Países Baixos abastece a UE e o RU, enquanto a fábrica do RU abastece apenas este país. Existe ainda uma cláusula, com um âmbito muito alargado, que isenta as farmacêuticas de qualquer responsabilidade pelos danos que a vacina possa vir a causar, ficando os Estados com a responsabilidade de indemnizar quem eventualmente os sofrer.

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Mesmo antes de o medicamento ter sido criado a Comissão Europeia apressou-se a contratar a compra de milhões das «vacinas de Oxford», jogando assim com os bens dos contribuintes, que depressa se provou serem mal servidos porque o conglomerado farmacêutico anglo-sueco logo começou a falhar com as encomendas. No entanto, o regulador europeu ou Autoridade Europeia do Medicamento (EMA em inglês) fora célere na aprovação da vacina logo que foi anunciada. Uma espécie de antes de ser já o era. O que está longe de acontecer com outros imunizantes com provas já dadas em vastas partes do mundo.1

Não é despropositado recordar que todos os processos até à inoculação das vacinas contra a Covid-19 em seres humanos foram sumários, dispensando – como aconteceu com a AstraZeneca – os ensaios em animais e encurtando drasticamente a fase de testes em pessoas. As urgências perante a pandemia compreendem-se; já não se compreende a negação da realidade.

Anomalias graves

E a realidade é que numerosas pessoas inoculadas com a «vacina de Oxford» começaram a manifestar anomalias graves de saúde antes de completadas duas semanas após o tratamento, entre as quais se destacam a formação de coágulos sanguíneos, a ocorrência de trombo embolias e o registo de baixas drásticas dos níveis de plaquetas sanguíneas – circunstâncias fatais em alguns casos, como anunciaram vários países.

Não se trata de efeitos secundários da vacina, assegurou prontamente a EMA. O medicamento é «seguro e eficaz», garantiu; além disso, os casos «são raros» e as vantagens decorrentes da vacinação são superiores aos riscos. Estes soundbites continuam a ser, enquanto se avoluma o número de vítimas, as verdades definitivas e inquestionáveis de reguladores de medicamentos, autoridades de saúde e dirigentes políticos, sobretudo, repete-se, no espaço da União Europeia.

Alguns reguladores nacionais, chamados a pronunciar-se sobre a situação em países que ainda prezam a sua soberania perante o autoritarismo federalista, foram menos dogmáticos que a EMA e mais sensíveis a estudos sobre a relação de causa e efeito entre a vacina da AstraZeneca e a formação de coágulos sanguíneos. Uma investigação norueguesa garantiu que existe uma associação directa entre a vacina, a formação de trombos e o baixo nível de plaquetas no sangue. Os resultados do estudo mal conseguiram passar fronteiras, foram rapidamente silenciados, remetidos para o índex criado pelos fundamentalistas do cumprimento das campanhas de vacinação a todo o preço.

Apesar destes, aqui e ali começou a ser suspensa a aplicação da vacina, uma medida que acabou por se estender a quase toda a Europa. Os Estados Unidos, entretanto, armazenaram dezenas de milhões de doses da vacina anglo-sueca mas o regulador do país ainda não aprovou a sua utilização, nem mesmo de emergência.2 Um procedimento para favorecer a utilização das vacinas da «casa», a da Moderna e a da Pfizer, tudo o indica, pelo que se trata de um caso de escrever direito por linhas tortas. Ou será que as autoridades sanitárias norte-americanas levam a sério os riscos e continuam, à cautela, a observar o desenvolvimento dos efeitos da AstraZeneca por outras paragens?

As primeiras suspensões de vacinação, contudo, não se prolongaram por muito tempo. Sem que se tenha registado qualquer avanço, pelo menos em termos de informação pública, no esclarecimento das anomalias verificadas entre os vacinados, país atrás de país foram retomando o tratamento – enquanto os fabricantes providenciavam um conveniente aumento da disponibilização dos polémicos medicamentos.

Esta retoma tornou ainda mais evidente a confusão que reina entre as autoridades de saúde e políticas em termos de efeitos secundários da vacina da AstraZeneca. Cada nação adoptou faixas etárias específicas às quais é, ou não, aconselhável ministrar o medicamento. E essas definições não coincidem de um caso para o outro, andam à mercê não se sabe de que critérios, eventualmente de interpretação estatística, mas soam como meros palpites, o que não parece uma estratégia muito científica quando estão em causa a vida e a morte de pessoas.

As notícias de casos de inoculados com a «vacina de Oxford» afectados com coágulos sanguíneos continuaram a multiplicar-se – a que devem acrescentar-se os episódios convenientemente silenciados ou que, por outras quaisquer razões, não chegam a ser notícia – pelo que vários reguladores nacionais voltaram a entender que o melhor seria suspender o tratamento. O próprio «dono» da vacina, o regulador britânico, decidiu aconselhar medidas restritivas da sua utilização.

A medida de interrupção, embora parcial, da vacinação está a estender-se novamente entre as nações europeias; entretanto o chefe da EMA confessa oficiosamente que há ligação entre a vacina e a criação de trombos; oficialmente, porém, a EMA, decidiu amenizar a formulação e afirma que «possivelmente» existe uma relação de causa efeito entre o medicamento e as manifestações graves sofridas pelos vacinados. Em consequência, tornou público uma espécie de catálogo de sintomas mediante os quais os pacientes devem procurar ajuda médica «urgente». Ou seja, vacine-se primeiro e depois reze para que não sofra nada do que está a acontecer a outros; por «raros» que sejam, também são pessoas.

Do lado errado da estatística

Não existe situação que exemplifique tanto a deriva da União Europeia desde o início da pandemia como esta. E, apesar disso, há ministros de Estados membros, como em Portugal, por exemplo, que continuam a entregar a solução nas mãos de uma cada vez mais improvável coordenação a nível de União Europeia. O que mais não é do que uma variante da política de vacine-se primeiro e tenha fé em que as coisas corram bem.

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Bruxelas sacrifica saúde pública à guerra fria

Ursula von der Leyen argumenta que a produção da vacina russa «seria incapaz de corresponder à procura» europeia. Mas será que a Pfizer responde? A Moderna responde? A AstraZeneca responde?

A presidente da Comissão Europeia e o primeiro-ministro de Portugal reuniram em Lisboa para definir as prioridades para a presidência portuguesa, a 15 de Janeiro de 2021
CréditosEPA/MIGUEL A. LOPES / LUSA

O Departamento (Ministério) da Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos confirmou publicamente que realiza acções diplomáticas para dissuadir países de recorrerem a medicamentos produzidos por «Estados mal-intencionados» como a Rússia e a China. Um dos exemplos citados a propósito foi a intervenção para «persuadir o Brasil a rejeitar a vacina russa contra a Covid-19». Não explicando tudo, um episódio como este ajuda-nos a entender as histórias mal contadas que envolvem os processos de vacinação às escalas nacionais, regionais e global – e que estão a custar vidas humanas, pelas quais ninguém será, obviamente, responsabilizado.

«Bruxelas, refém dos contorcionismos da guerra fria, insiste em comprar o que chega quando chega enquanto se recusa a comprar o que poderia chegar a tempo e horas»

Os esforços contra as «influências malignas» que pretendem salvar vidas são realizados pelo Ministério norte-americano da Saúde por via do Office of Global Affairs (OGA), a sua «voz diplomática» em todo o mundo através da qual, como se lê no seu website, se pretende «proporcionar liderança e experiência em diplomacia e política de saúde global, de modo a contribuir para um mundo mais seguro e saudável». Com os resultados que estão à vista…

Os casos que vieram a público estão relacionados com «as Américas», o velho «quintal das traseiras» do império. Nada nos garante, porém, que os tentáculos do OGA fiquem por aí e não desenvolvam outros exercícios de «persuasão» contra os «Estados mal-intencionados» por exemplo na União Europeia, encarada de Washington como uma possessão ultramarina do mesmo império.

Poderá parecer especulação, uma abusiva transposição. Deixará de sê-lo, porém, se prestarmos alguma atenção ao comportamento da Comissão Europeia e da Agência Europeia do Medicamento (EMA) em tudo quanto diz respeito à aprovação, comercialização e inoculação das vacinas contra a Covid-19.

Muitas vezes a chave da realidade está nos pormenores. Então vale a pena atentar neste: a EMA considera que os países da União Europeia em vias de começar a fabricar e a utilizar a vacina Sputnik V estão a «jogar à roleta russa», uma vez que ela não foi aprovada pela própria agência europeia. Estamos, sem qualquer dúvida, perante um esforço de «dissuasão» bem ao estilo do OGA do Departamento norte-americano da Saúde e Serviços Humanos.

O que na verdade vários países da União estão a fazer ao preparar-se para produzir e utilizar a vacina russa é, afinal, uma fuga à malha de ineficácia tecida pela Comissão Europeia e pela EMA agindo como central de selecção, compras e distribuição de vacinas para favorecer alguns imunizantes em detrimento de outros – claro, os produzidos por «Estados mal-intencionados».

Soberania e saúde

Entre os países europeus que se preparam para produzir a Sputnik V, mercê de acordos estabelecidos com as autoridades russas, estão a Alemanha, a França, a Espanha e a Itália, nações com influência determinante na União Europeia. Não há maior confissão do fracasso de Bruxelas ao assumir o controlo do processo de vacinação nos 27 do que esta situação. E não há maior sinal de seguidismo doentio e nocivo para a saúde pública do que aquele que é dado pelos países que continuam agarrados à fracassada estratégia da Comissão Europeia e à discricionariedade da EMA, entre os quais Portugal. E não, não é uma questão de escala ou dimensão: entre os membros da União que vão fabricar a vacina russa está a Finlândia.

«Quando se pretende fazer crer que a Rússia e a China usam a vacinação contra a Covid-19 com o intuito de reforçar a influência geopolítica, o que acontece é precisamente o oposto: os Estados Unidos e a União Europeia politizam, de facto, a questão das vacinas chinesas e russa desenvolvendo propaganda para as desacreditar, inoculando o medo e a dúvida ou manipulando o mercado para as segregar»

Mais uma vez, o que está em causa é a soberania nacional e a capacidade de agir com independência e coragem em defesa das populações. Não é verdade, portanto, que o governo da República Portuguesa esteja a fazer tudo ao seu alcance para defender a saúde pública atacada pela Covid-19.

E, no entanto, não é necessário ser muito perspicaz para perceber que a pandemia confirma a total incapacidade da União Europeia para lidar com os problemas reais dos cidadãos dos Estados membros. Na primeira fase do combate, no Inverno/Primavera de 2020, a União desapareceu de cena e os países adoptaram a estratégia de cada um por si; chegada a hora da vacinação, a Comissão Europeia pretendeu controlar o processo e estamos novamente a caminho da situação de cada um por si. Alguns países já fabricam ou irão produzir vacinas que não foram aprovadas no espaço europeu; e outros já estão a ministrar a vacina russa sem se preocuparem com a «autorização» de Bruxelas, como é o caso, pelo menos, da Hungria, da República Checa e da Eslováquia.

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A saúde pública à mercê dos negócios e da cegueira geopolítica

As pessoas estão dramaticamente ansiosas pelas vacinas, pelo que não se questionam sobre quem e como as fabrica. E dispensam até a informação que lhes é devida por parte de quem fez as escolhas.

Um trabalhador da saúde prepara uma seringa com uma dose da vacina da Pfizer-BioNTech contra a Covid-19, no Hospital do Santo Espírito, em Roma, Itália, a 2 de Janeiro de 2021
CréditosFabio Frustaci / EPA

A saga das vacinas em Portugal está distorcida. Centra-se na condenável batota para adulteração das listas de prioridades da vacinação que, apesar da sua gravidade, funciona como cortina de fumo para esconder aspectos muito mais inquietantes do processo, o principal dos quais é a submissão do governo e a abdicação da vontade própria perante a inconcebível e corrupta estratégia de selecção, compra e distribuição conduzida pela Comissão Europeia. Uma estratégia que se guia sobretudo pelo lucro e pela secundarização da saúde pública, desvalorizando e silenciando eventuais riscos associados.

O governo português prefere não ter voz na questão das vacinas da Covid-19. Remetendo-se à velha e nefasta posição de «bom aluno», sobretudo em tudo quanto diz respeito à imposição ilegítima do federalismo, arrasta os portugueses e o seu combate à pandemia para uma estratégia discricionária e prejudicial, centrada em volumes de negócios, em monopólios abusivos, em fantasmas e fundamentalismos geopolíticos – deixando a saúde pública à mercê de entidades cuja preocupação principal é a distribuição de dividendos aos accionistas e a recompra das suas próprias acções.

«As entidades seleccionadas para constituir o monopólio têm uma particularidade em comum: fabricam as vacinas contra a Covid-19 segundo metodologias que nunca foram experimentadas em seres humanos e, neste caso, nem mesmo testadas em animais. Em causa estão a tecnologia do ARN mensageiro (mRNA), no caso da Pfizer e de Moderna; e a utilização de adenovírus de chimpanzé, no caso da AstraZeneca»

Os resultados estão à vista. Falha retumbante e permanente nos prazos de entrega assumidos pelo monopólio dos gigantes da indústria farmacêutica na sequência de contratos parcialmente secretos e que os fabricantes das vacinas nunca tencionaram cumprir, sabendo que terão sempre tolerância para o fazer. Não é por acaso que os principais colossos da fabricação de vacinas conseguem amealhar anualmente quase quatro mil milhões de dólares em fugas aos impostos. Como igualmente não é por acaso que a Comissão Europeia tenha assumido, em nome dos governos dos Estados membros, que os fornecedores de vacinas escolhidos a dedo – fugindo às próprias regras de mercado – estejam isentos de qualquer responsabilidade em eventuais danos de saúde sofridos pelos cidadãos vacinados.

Esta é, de facto, a corrupção que mina profundamente o processo europeu de vacinação contra a Covid-19. A viciação das listas das prioridades é, neste quadro, um dano colateral, mais uma manifestação da corrupção nacional instaurada e enraizada ao longo de anos e anos de gestão do chamado bloco central.

Monopólio

A Comissão Europeia, entidade não eleita que há quase um ano vem fracassando estrondosamente na defesa da saúde dos cidadãos europeus perante a pandemia de Covid-19, assumiu autoritariamente a condução do processo de vacinação em nome dos governos dos 27.

A falha no combate à pandemia não é surpresa, sabendo-se que as pessoas nunca foram a preocupação da Comissão, como demonstram a generalização da política de austeridade e o descrédito absoluto do mito da «Europa dos cidadãos».

Por isso, entregar-lhe uma questão de vida ou de morte como é a da vacinação é um erro pelo qual os governos deverão ser responsabilizados. Uma irresponsabilidade que assume proporções de atentado contra a saúde das populações e mina o tremendo e desumano esforço que está a ser desenvolvido pelos profissionais do sector.

«Tendo em conta que está em causa o bem mais precioso das pessoas, a sua saúde, a Comissão Europeia e os governos não poderiam nem deveriam encerrar-se num processo estanque entregue a um monopólio pouco fiável em termos de respeito pela condição humana»

Como era de esperar, a Comissão Europeia entregou um processo tão sensível como o da vacinação ao monopólio dos gigantes farmacêuticos, neste caso representados pela alemã e norte-americana Pfizer em aliança com alemã BioNTech; e pela norte-americana Moderna, guiada por Bill Gates & Cia e protegida pela chamada «Aliança das Vacinas» (GAVI), na chefia da qual foi empossado recentemente Durão Barroso – e fica tudo dito. Como terceiro vértice do negócio, a Comissão tolerou a britânica e sueca AstraZeneca.

Os contratos acordados, e que estabelecem o compromisso de fornecimento de centenas de milhões de doses de vacinas, são parcialmente secretos. Informações sobre os seus conteúdos foram remetidas aos membros do Parlamento Europeu em versões censuradas.

O que diz bastante sobre a transparência do processo.

Bruxelas não se dignou explicar aos cidadãos as razões deste monopólio; em seu entender nem tem de fazê-lo. Sabe que as pessoas estão dramaticamente ansiosas pelas vacinas, pelo que não se questionam sobre quem e como as fabrica. E dispensam até a informação que lhes é devida por parte de quem fez as escolhas. Como já há muito vem dizendo o inevitável criminoso de guerra Henry Kissinger, não há como situações de medo e desconhecimento para que as pessoas se coloquem de bom grado sob poderes discricionários e autoritários.

As entidades seleccionadas para constituir o monopólio têm uma particularidade em comum: fabricam as vacinas contra a Covid-19 segundo metodologias que nunca foram experimentadas em seres humanos e, neste caso, nem mesmo testadas em animais.

Em causa estão a tecnologia do ARN mensageiro (mRNA), no caso da Pfizer e de Moderna; e a utilização de adenovírus de chimpanzé, no caso da AstraZeneca. Se isso é absolutamente seguro, na verdade não se sabe bem. As agências reguladoras que respondem perante a Comissão Europeia e os governos postulam que sim, que não há perigo. No entanto, basta consultar a base de dados de ensaios clínicos da Biblioteca Nacional dos Estados Unidos para ficar a saber-se, através do exemplo da Pfizer, que as vacinas da Covid-19 estão a ser ministradas ainda em período de testes. Percebe-se nessa documentação que a fase experimental iniciou-se em 29 de Abril de 2020; a fase das primeiras conclusões terminará somente em 3 de Agosto deste ano de 2021; e a data prevista para conclusão do estudo é apenas 31 de Janeiro de 2023.

«Incidências»

Apesar da situação de emergência que o mundo atravessa – e até por causa disso - um salto no escuro como este exige mais prudência verificada do que tranquilizações apressadas. Exige, sobretudo, informação e esclarecimento, que não são o forte deste processo.

Não é necessário investigar muito fundo através da internet para se perceber que existem casos de sintomas registados após a vacinação merecedores de explicações mais satisfatórias do que «situação normal», «coincidência» ou «a vacina não pode induzir a Covid-19».

«Alargando horizontes, a Comissão Europeia proporcionaria uma capacidade de escolha informada aos cidadãos e reforçaria a quantidade, minimizando os riscos de ruptura de abastecimentos»

Em Israel, por exemplo, onde decorre a mais vasta campanha de vacinação realizada até agora, com utilização do produto da Pfizer, 12 400 dos 189 mil vacinados testaram depois positivo à Covid-19 (6,2%), 69 dos quais já após as duas doses: 5,3% até ao sétimo dia, 8,3% entre o oitavo e o 14.º dia, 7,2% entre o 15.º e o 21.º dia e 2,6% entre o 22.º e o 28.º dia.

Por outro lado, no Sistema de Registo dos Efeitos Adversos das vacinas contra a Covid-19 do CDC dos Estados Unidos, VAERS, foram inseridas 9645 incidências até 22 de Janeiro, entre as quais 329 casos mortais, em pessoas que receberam vacinas da Pfizer e da Moderna. Trata-se de uma base de dados aberta e passiva onde são inscritos voluntariamente os casos registados – e que constituem uma pequena parte da realidade. O CDC considera que os números «estão dentro do esperado» e que não permitem deduzir que exista uma relação de causa e efeito entre a vacinação e os efeitos registados. Outras agências de controlo de doenças, designadamente a britânica e a europeia, procedem exactamente da mesma maneira perante a apresentação de situações adversas surgidas depois da vacinação.


Alargar horizontes

Na sua ânsia de conduzir o processo de acordo com os interesses que serve, os dos gigantes da indústria de medicamentos, a Comissão Europeia pôs claramente o carro à frente dos bois e arrastou os governos dos Estados membros numa estratégia infundamentada e sanitariamente arriscada.

Tendo em conta que está em causa o bem mais precioso das pessoas, a sua saúde, a Comissão Europeia e os governos não poderiam nem deveriam encerrar-se num processo estanque entregue a um monopólio pouco fiável em termos de respeito pela condição humana.

«existem governos, certamente não tão "bons alunos" como o de Lisboa, que começaram a traçar caminhos próprios para cuidar da saúde dos seus. O húngaro, do famigerado Orban, comprou vacinas russas; o sueco, farto de tanta espera, está a fazer o seu próprio contrato bilateral com a AstraZeneca; a Alemanha – a própria Alemanha, imagine-se – encara a possibilidade de fabricar a Sputnik V moscovita»

Tanto mais que, nos mais puros termos de mercado, existe ampla concorrência em relação à Pfizer, à Moderna e à AstraZeneca. Alguma dela com a vantagem de não ter aproveitado a ocasião para inventar através do recurso a metodologias nunca experimentadas em seres humanos e optar pela imunização à Covid-19 segundo modos mais tradicionais e cientificamente comprovados de produção de vacinas. É o caso, entre outros exemplos, da Coronavac chinesa e da Sputnik V russa. Que estão também elas em fase experimental, porque reduziram o período de duração dos testes e, no caso da russa, saltou também a fase de experiência em animais. Porém, têm a vantagem de resultar de métodos conhecidos e já com décadas de existência e prática, portanto com um histórico de efeitos e incidências menos sujeitos ao risco do desconhecido. A saúde de milhões de pessoas mereceria pelo menos que se pensasse nessas variantes.

Alargando horizontes, a Comissão Europeia proporcionaria uma capacidade de escolha informada aos cidadãos e reforçaria a quantidade, minimizando os riscos de ruptura de abastecimentos.

A Coronavac e a Sputnik V, no entanto, têm a inultrapassável desvantagem de desafiarem o garbo geopolítico ocidental, que pretende convencer as suas opiniões públicas de que sociedades tão «maléficas» não são capazes de produzir medicamentos pelo menos tão bons e eficazes como os dos monopólios farmacêuticos «civilizados».

Que não seja por isso. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, há quase 200 processos no mundo para produção de vacinas contra a Covid-19. Situação que aconselharia a Comissão Europeia e os Estados membros a estudar mais atentamente esses casos e a pesar de maneira muito mais fundamentada e eficaz a defesa do interesse que deveria estar no topo de tudo: a saúde pública.

Há, evidentemente, mais por onde escolher do que a Pfizer, a Moderna e a AstraZeneca com o seu penoso cortejo de atrasos, incumprimentos, garantias insuficientemente fundamentadas e ameaças para cidadão ver. A abundância prometida e contratada de centenas de milhões de doses transformou-se numa arrastada entrega de milhares, aos poucos e arrancada a ferros.

Por isso existem governos, certamente não tão «bons alunos» como o de Lisboa, que começaram a traçar caminhos próprios para cuidar da saúde dos seus. O húngaro, do famigerado Orban, comprou vacinas russas; o sueco, farto de tanta espera, está a fazer o seu próprio contrato bilateral com a AstraZeneca; a Alemanha – a própria Alemanha, imagine-se – encara a possibilidade de fabricar a Sputnik V moscovita.

A estratégia da Comissão Europeia começa a abrir rombos. O receio é que o governo português se lhe mantenha fiel até ao naufrágio anunciado.


José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

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Quando se trata de impôr a austeridade, de asfixiar a soberania dos Estados membros, de abolir direitos cívicos, sociais e laborais dos cidadãos, a União Europeia avança com as velas do federalismo bem enfunadas: veja-se a pressa com que pretende criar o «certificado verde» sanitário, violando a privacidade dos cidadãos e instaurando um apartheid entre vacinados e não vacinados; mas quando o que está em causa é proteger as pessoas a União não sabe e, na realidade, não quer. Não nasceu e não existe para isso.

A narrativa ao contrário

Ambientes como estes são naturalmente permeáveis a manobras de «dissuasão» teleguiadas de Washington como armas de uma guerra fria que não poupa sequer a saúde pública e interpreta a realidade ao contrário. Quando se pretende fazer crer que a Rússia e a China usam a vacinação contra a Covid-19 com o intuito de reforçar a influência geopolítica, o que acontece é precisamente o oposto: os Estados Unidos e a União Europeia politizam, de facto, a questão das vacinas chinesas e russa desenvolvendo propaganda para as desacreditar, inoculando o medo e a dúvida ou manipulando o mercado para as segregar.

A EMA foi muito lesta a aprovar as vacinas produzidas pelos gigantes farmacêuticos Pfizer, Moderna e AstraZeneca, não hesitando sequer em dar luz verde a técnicas de fabrico nunca experimentadas em seres humanos, fazendo com que estes funcionem, de facto, como cobaias – e violando o Código de Nuremberga, que, no rescaldo das barbaridades nazis, proibiu experimentações em pessoas. As suspensões em série da utilização do imunizante da AstraZeneca, atrasando ainda mais o atrasadíssimo processo de vacinação na União Europeia, não são um bom presságio quanto aos procedimentos da EMA e à chancela política que lhes é dada pelos discricionários eurocratas.

Ao invés, a mesma EMA não teve ainda tempo para debruçar-se sobre a Sputnik V, por sinal a primeira de todas as vacinas contra a Covid-19 a ser produzida; acresce que esta agência europeia tem em seu poder, pelo menos desde 29 de Janeiro, todos os elementos necessários para fazer uma avaliação conclusiva, de acordo com informações divulgadas pelas autoridades russas. De então para cá, no entanto, a EMA já aprovou duas outras vacinas, muito mais recentes mas com a conveniente chancela «ocidental».

Mentiras e preconceitos de Ursula

Estamos perante um comportamento que visa evitar a utilização da vacina russa nos Estados membros da União Europeia, forçando muitos destes a contornar o diktat de Bruxelas negociando isoladamente com Moscovo para defender a saúde dos seus cidadãos. Mesmo que, por absurdo, não haja pressão directa do Departamento da Saúde dos Estados Unidos, Bruxelas há muito que assimilou a lição imperial sobre os «Estados mal-intencionados», mesmo que isso agora signifique, literalmente, a perda de vidas humanas.

«não há maior sinal de seguidismo doentio e nocivo para a saúde pública do que aquele que é dado pelos países que continuam agarrados à fracassada estratégia da Comissão Europeia e à discricionariedade da EMA, entre os quais Portugal. E não, não é uma questão de escala ou dimensão: entre os membros da União que vão fabricar a vacina russa está a Finlândia»

Além de impor a rejeição de vacinas existentes e disponíveis, a Comissão Europeia continua a enredar os Estados europeus na cadeia de atrasos sucessivos nos fornecimentos contratados com os laboratórios «bem-intencionados». Não admira que seja cada vez maior o número de países da União que tomam o processo de vacinação nas próprias mãos, defendendo a saúde dos cidadãos perante interesses que põem o clima de guerra à frente do respeito pela vida.

De uma maneira muito reveladora do seu manobrismo assente em mentiras e preconceitos, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, argumenta que a produção da vacina russa «seria incapaz de corresponder à procura» europeia. Mas será que a Pfizer responde? A Moderna responde? A AstraZeneca responde? No entanto, os laboratórios russos garantem que estão em condições de produzir mil milhões de doses da Sputnik V para os mercados internacionais durante o ano em curso. De tal maneira que o próprio Brasil, mesmo directamente ameaçado por Washington, acaba de encomendar dez milhões – mas entretanto quantas vidas se perderam?

Chegámos a uma situação em que a própria OCDE apela à União Europeia para acelerar a vacinação. Mas como, se Bruxelas, refém dos contorcionismos da guerra fria, insiste em comprar o que chega quando chega enquanto se recusa a comprar o que poderia chegar a tempo e horas?

Chama-se a isto defender a saúde das pessoas, respeitar os direitos humanos?


José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

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Enquanto isto, a Comissão Europeia e a EMA não dão qualquer sinal de suspender a aplicação da polémica vacina e de procurar, com toda a lógica, substitui-la por outras disponíveis no mercado. Qualquer cidadão pode e deve interrogar-se sobre o tipo de ligação umbilical entre as autoridades europeias e o conglomerado anglo-sueco capaz de arrastar a saúde das pessoas por caminhos reconhecidamente arriscados. Entretanto, distanciando-se claramente das imposições geopolíticas atlantistas de Bruxelas, vários Estados da União, entre eles a Alemanha, cuidam de se abastecer com vacinas russas precavendo-se, como escreve a agência Reuters, para «uma corrida» entre os países europeus pela Sputnik V.3

No meio das incertezas, dos casos graves, das suspensões e das suspensões das suspensões, a EMA mantém-se firme nas suas garantias: a vacina da AstraZeneca é «segura e eficaz»; as suas «vantagens superam os riscos»; e os casos de danos existentes «são raros».

As autoridades portuguesas, entretanto, resolveram suspender o tratamento com a AstraZeneca em pessoas com menos de 60 anos – afinal talvez os mais velhos já tenham usufruído quanto baste das delícias terrestres e estejam mais vocacionados para correr os riscos inerentes. Por incrível que pareça, a medida mais elementar, equitativa e humanitária – a suspensão pura e simples de toda a vacinação com doses da AstraZeneca – não foi encarada pelos responsáveis portugueses dos serviços de saúde e dos medicamentos. O caso dá que pensar.

Recorda-se que, antes da decisão mais recente, os responsáveis portugueses, munidos de uma sensibilidade de tractor, tinham advertido as pessoas de que se rejeitarem tomar a vacina em causa irão para «o fim da fila», de castigo por pensarem em salvaguardar a vida perante reconhecidas ameaças. A punição continuará a ser válida, agora só para os maiores de 60 anos?

Ao cidadão, sobretudo o de idade mais avançada, resta rezar para que não caia do lado errado da estatística e no grupo dos «raros», isto é, vitimado pelos riscos e privado da oportunidade de sentir o alívio das vantagens.

José Goulão, exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

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