De acordo com os dados recolhidos pela Comissão Económica para a América Latina e Caraíbas (Cepal), entre 2020 e 2021 passou a haver mais cinco milhões de pessoas em situação de pobreza extrema – 86 milhões.
No seu relatório anual Panorama Social da América Latina, apresentado recentemente, o organismo internacional refere que, em termos percentuais, a pobreza extrema na região passou de 13,1%, em 2020, para 13,8%, em 2021.
Em simultâneo, o património dos 104 multimilionários da América Latina ascendeu a 446,6 mil milhões de dólares, o que representa aproximadamente 11% do produto interno bruto (PIB) projectado pela Cepal para os sete países onde viviam os «super-ricos» em 2021. Chile, Brasil e México são os países onde estas «fortunas» detêm maior peso na percentagem do PIB.
Enquanto as grandes fortunas crescem, 40 milhões de pessoas devem ficar desempregadas na América Latina em 2020. Só no Brasil, mais de 600 mil micro, pequenas e médias empresas fecharam as portas. Entre Março (início da pandemia de Covid-19) e Junho, os ricos ficaram mais ricos. No relatório «Quem Paga a Conta? – Taxar a Riqueza para Enfrentar a Crise da Covid-19 na América Latina e Caribe», publicado esta segunda-feira, a organização não governamental Oxfam Brasil revela que 73 bilionários desta região do mundo aumentaram as suas fortunas em 48,2 mil milhões entre Março e Junho deste ano. «Isso equivale a um terço do total de recursos previstos em pacotes de estímulos económicos adoptados por todos os países da região», afirma. No Brasil, ficam 42 destes bilionários, que, juntos, aumentaram as suas fortunas em 34 mil milhões de dólares. «O património líquido deles subiu de 123,1 mil milhões de dólares em Março para 157,1 mil milhões de dólares em Julho», revela o organismo. Ao mesmo tempo, a Oxfam Brasil estima que, na América Latina e Caraíbas, cerca de 40 milhões de pessoas percam os seus empregos e que 52 milhões entrem em situação de pobreza em 2020. No Brasil, a taxa de desemprego aumentou 1,2% entre Março e Maio de 2020 em relação ao trimestre anterior (de Dezembro de 2019 a Fevereiro deste ano), atingindo 12,9% da população economicamente activa, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados a 30 de Junho. Para Katia Maia, directora executiva da Oxfam Brasil, estes dados mostram que «a Covid-19 não é igual para todos». «Enquanto a maioria da população se arrisca a ser contaminada para não perder o emprego ou para comprar o alimento da sua família no dia seguinte, os bilionários não têm com que se preocupar. Eles estão noutro mundo, o dos privilégios e das fortunas que continuam a crescer no meio da, talvez, maior crise económica, social e de saúde do planeta no último século», frisa. No maior país da América Latina, os efeitos da pandemia «têm afectado principalmente a população em situação de pobreza», alerta a Oxfam, sublinhando que, com a Covid-19, o desemprego no Brasil pode duplicar ou até quadruplicar até ao final do ano. Desde o início da pandemia, mais de 600 mil micro, pequenas e médias empresas brasileiras já fecharam as portas. Katia Maia refere-se a estes dados como «assustadores» e afirma que «está mais do que na hora de a elite brasileira contribuir renunciando a privilégios e pagando mais e melhores impostos». Segundo o relatório, a perda de receita tributária em 2020 pode chegar a dois pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB) na América Latina e Caraíbas, o que «equivale a 59% do investimento público em saúde em toda a região». O organismo defende que a situação poderia ser diferente se, no caso do Brasil, por exemplo, as grandes fortunas fossem tributadas. No entanto, a proposta entregue dia 21 de Julho no Congresso pelo ministro brasileiro da Economia, Paulo Guedes e que o governo de Bolsonaro classifica como «reforma tributária» incide no consumo, ou seja, não é uma via para tornar o sistema tributário mais justo e progressivo, e reduzir as desigualdades. Como o ministro não falou em tocar nas grandes fortunas, lucros e dividendos, Katia Maia sublinhou que os interesses da maioria continuam a não ser considerados. «Ninguém parece ter a intenção de tocar nos privilégios dos mais ricos, que nunca pagaram uma parte justa de impostos. É como se a maioria da população não tivesse o direito a uma vida digna», denunciou. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Bilionários brasileiros juntaram mais 34 mil milhões de dólares na pandemia
Necessidade da reforma tributária
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Um dos factores para o aumento exponencial da desigualdade na América Latina relaciona-se, segundo a Cepal, com a ausência de cargas tributárias para os mais ricos de acordo com o seu nível de riqueza, sendo que «os impostos directos sobre a propriedade (bens imóveis, heranças, transações financeiras) foram tradicionalmente pouco importantes».
Apesar de a Cepal usar como ferramenta de medição do património dos mais ricos os dados apresentados pela Forbes, o organismo sublinha que esta aferição não deixa de ser importante, inclusive para uma abordagem que vá mais além da conjuntura da pandemia e que permita «uma aproximação aos factores estruturais que incidem na reprodução da desigualdade no tempo».
A uma grande distância, no lado oposto
No outro extremo, encontram-se as pessoas em situação de pobreza extrema, cujo número entre 2020 e 2021 aumentou bastante em virtude da crise associada à Covid-19, mesmo com alguma recuperação económica verificada, segundo refere a Cepal no relatório anual.
«Em 2020, 33% da população latino-americana encontrava-se em situação de pobreza e 13,1% vivia em condições de pobreza extrema […]. Isto significa que cerca de 204 milhões de pessoas não tiveram rendimentos suficientes para cobrir as suas necessidades básicas», refere o organismo.
Destas, 81 milhões careciam de recursos para adquirir um cesto básico de alimentos, uma situação a que a Cepal se refere como um «notório retrocesso para a região».
A estimativa é avançada num relatório conjunto da FAO e da Cepal, publicado esta semana, que alerta para o aumento significativo dos níveis de fome na região, no contexto da pandemia. Entre a população mais vulnerável na América Latina e Caraíbas, 83,4 milhões de pessoas poderão passar para a situação de pobreza extrema ainda em 2020, em resultado dos impactos da pandemia do novo coronavírus. A estimativa é apresentada num relatório conjunto da Comissão Económica para a América Latina e as Caraíbas (Cepal) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), publicado esta semana. No documento, intitulado «Como evitar que a crise da Covid-19 se transforme numa crise alimentar: Acções urgentes contra a fome na América Latina e nas Caraíbas», os organismos alertam para o aumento significativo da fome na região, como consequência imediata, uma vez que as pessoas passarão a ter mais dificuldades no acesso aos alimentos, e lembram que, no período 2016-2018, já havia 53,7 milhões de pessoas em situação de grave insegurança alimentar na América Latina. Após sete anos de crescimento lento, a América Latina e Caraíbas poderá registar a maior queda do Produto Interno Bruto (PIB) regional num século (- 5,3%), segundo o relatório. A estimativa é de que haja um aumento de 16 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema, em relação ao ano passado, chegando aos referidos 83,4 milhões. A propósito da publicação do relatório, o portal Brasil de Fato afirma que «com alto índice de desemprego, redução drástica de renda e registando números recorde de mortes e infecções pela Covid-19 semana após semana, o contexto brasileiro é grave», acrescentando que a fome deixou de ser uma «ameaça apenas para as periferias», para se tornar, a cada dia, «uma realidade nacional». «O Brasil demorou quase 25 anos, entre o ano de 1990 e 2014, para diminuir a extrema pobreza em 71% e sair do Mapa da Fome. E o Brasil está levando só cinco anos para voltar [a isso] tudo de novo. Entre 2014 e 2019, voltámos esse contingente para o que éramos nos anos 1990», lamentou Daniel Balaban, director do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Alimentar Mundial no Brasil. Também em declarações ao Brasil de Fato, Francisco Menezes, investigador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), destacou que o ataque, protagonizado pelos últimos governos, às políticas de segurança e soberania alimentar no Brasil é um dos principais responsáveis pelo aumento da fome e o agravamento das condições de vida da população. Considerando que uma das grandes tarefas na região é «impedir que a crise sanitária se transforme numa crise alimentar», Cepal e FAO defendem como urgente a criação de uma rendimento básico de emergência. «Sem o apoio do Estado, nenhum país do mundo vai conseguir contornar essa crise, que é uma das maiores que o mundo já enfrentou. Talvez comparável à crise de 1929. Sem a participação do Estado, sem apoio para as populações mais vulneráveis, para os pequenos comerciantes, teremos muitas dificuldades», comentou o director do Centro de Excelência contra a Fome da ONU, destacando que a acção de emergência é consensual, inclusive, entre órgãos conservadores, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. No relatório, defende-se ainda a criação de um «Bónus contra a Fome», complementar ao rendimento de emergência, que poderia materializar-se na forma de transferências monetárias, cupões ou cabazes de alimentos para toda a população em situação de pobreza extrema por um período de seis meses. Entre as medidas apontadas no relatório contam-se o reforço dos programas de alimentação escolar, para garantir a alimentação das crianças e adolescentes; apoio às iniciativas de assistência alimentar das organizações da sociedade civil; crédito e subsídios à produção, sobretudo dirigidos para a agricultura familiar. A este propósito, Francisco Menezes considera «absolutamente vital o fortalecimento da agricultura camponesa, como um todo, porque ela propicia a produção da maior parte dos alimentos e de melhor qualidade, mais saudável, para a população». No Brasil, «o esvaziamento das políticas voltadas para essa agricultura tem um preço altíssimo», disse, em referência à fome que assola os brasileiros. Menezes criticou ainda o desmantelamento do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), sentido nos últimos anos, bem como a destruição do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que consiste na compra de produtos da reforma agrária e, por outro lado, na entrega de alimentos a famílias mais vulneráveis nas escolas brasileiras. Com isso, afirma, foi comprometida a compra de produtos aos pequenos agricultores «e, enquanto os produtos se perdem no campo e a alimentação não é escoada, a fome se acentua na cidade». 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Pobreza extrema pode atingir 83 milhões na América Latina e Caraíbas
A situação no Brasil
Respostas adequadas
Reforço de programas de alimentação
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O ano passado, «num contexto de recuperação económica», a Cepal registou uma recuperação parcial do retrocesso observado em 2020, com a pobreza a afectar 201 milhões de pessoas (32,1% da população). Trata-se de apenas menos 1% que no ano anterior e de uma taxa ainda bastante acima dos níveis observados antes da pandemia (24%).
Destes, 86 milhões eram pessoas em situação de pobreza extrema (13,8%), mais cinco milhões que em 2020, o que, para o organismo, se deve à redução das transferências de rendimentos de emergência nalguns países – algo que não foi compensado pelo aumento esperado dos rendimentos do emprego.
O estudo destaca ainda como na América Latina e nas Caraíbas determinadas camadas, como as mulheres, a infância, os povos indígenas ou os habitantes de regiões rurais, foram mais afectados pela crise associada à pandemia.
Em simultâneo, mostra como os sinais de recuperação de económica em 2021 não se centram na mitigação da desigualdade, da precariedade ou de problemas ambientais. «Não foi suficiente para fazer frente aos profundos efeitos sociais e laborais da pandemia», defende a Cepal.
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