O Conselho Europeu reuniu nos dias 29 e 30 de Junho. A atenção mediática, em Portugal, passou por declarações do Primeiro-Ministro sobre as taxas de juro, mas também pelo facto do Presidente francês ter abandonado a reunião a meio por causa das manifestações no seu país. Pouco foi escrito sobre as conclusões, e pouco foi dissecado relativamente aos seus conteúdos. O documento de 12 páginas reitera o caminho seguido, mas além disso visa aprofundá-lo nos seus vários pontos.
Ucrânia e uma guerra que serve grandes interesses
Sobre a Ucrânia mantém-se a postura de manutenção da guerra. No maior dos pontos, o Conselho Europeu começa por dizer que «a União Europeia continuará a prestar um forte apoio financeiro, económico, humanitário, militar e diplomático à Ucrânia e à sua população durante todo o tempo que for preciso». A afirmação que encerra o primeiro subponto das conclusões acaba por ser reveladora. Enquanto fala de apoio «humanitário», fala também de apoio «militar», elementos mutuamente exclusivos já que não há um interesse de negociar a paz. Já o «todo o tempo que for preciso» confirma a opção de continuar com a guerra ad aeternum, uma vez que acelerou o ritmo de transferência dos rendimentos do trabalho para o capital.
Logo no parágrafo seguinte isto é confirmado já que «o Conselho reitera uma vez mais que a UE está pronta a prestar um apoio militar sustentável à Ucrânia durante todo o tempo que for preciso (...)». O Conselho Europeu considera assim necessário reforçar o fundo criado para continuar com a guerra e nesse sentido «fez o balanço dos progressos alcançados na entrega e na aquisição conjunta de um milhão de munições de artilharia e de mísseis para a Ucrânia» e reforça que «os Estados-Membros estão prontos a contribuir, juntamente com os parceiros, para futuros compromissos».
Paradoxalmente, o Conselho Europeu insta que é necessário prosseguir os esforços para a fórmula ucraniana para a paz, o documento de dez pontos, apresentado por Zelensky no G20 e ignora assim todos os acordos já estabelecidos e reconhecidamente violados. Um outro elemento que se apresenta como contraditório é o «apoio financeiro» por via do Banco Europeu de Investimento no que toca a investimentos em infraestruturas ucranianas, já que no plano interno, o BCE apela a que os Estados reduzam os apoios governamentais a famílias e empresas.
As conclusões são um exercício de cosmética já que há uma preocupação em responsabilizar a Rússia pelas suas acções. O Conselho Europeu «congratula-se com o facto de o Centro Internacional de Ação Penal pelo Crime de Agressão contra a Ucrânia» e «saúda a adoção da Convenção de Liubliana-Haia sobre a Cooperação Internacional em matéria de Investigação e Ação Penal por Crime de Genocídio, Crimes contra a Humanidade, Crimes de Guerra e outros Crimes Internacionais», nunca o tendo feito contra os crimes que compactuou.
A prepotência da União Europeia fica evidente no tom de arrogância com que ordena a Bielorrusia e o Irão a deixarem de prestar apoio à Rússia: «A Bielorrússia tem de deixar de permitir que as forças armadas russas utilizem o seu território, inclusive para o posicionamento de armas nucleares táticas. O Irão tem de parar de fornecer aeronaves
não tripuladas à Rússia». Além do mais, mantém a fórmula das sanções e com regozijo, o Conselho Europeu «congratula-se com a adoção do 11.º pacote de sanções».
Sobre a questão dos refugiados há a postura hipócrita de promoção de acolhimento de refugiados ucranianos «através da prestação de assistência financeira adequada e flexível aos Estados-Membros que suportam os maiores encargos com os custos médicos, de educação e de vida dos refugiados», enquanto deixa milhares de outros refugiados morrer no mediterraneo.
Para encerrar o campo do leste europeu, o Conselho Europeu mantém a lógica expansionista e de provocação, nomeadamente nos processos de adesão da República da Moldávia e Geórgia que segundo as conclusões estão a correr conforme o esperado.
A economia que não tem em conta a realidade
No que toca a questões económicas, a leitura das conclusões faz parecer que não existe uma enorme crise despoletada ainda pelos impactos do período pandémico e com os impactos da guerra, em particular pelas dificuldades sentidas nas cadeias de abastecimento.
As conclusões falam de investimento na Inteligência Artificial e na produção de medicamentos no sector farmacêutico com a entrada em vigor do Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes que reforçará a competitividade ao invés da cooperação, como se tal fosse prioritário.
Talvez o mais interessante e revelador de futuras medidas é o facto do Conselho Europeu convidar a Comissão a avaliar, com o apoio dos Estados-Membros, o impacto da Lei da Redução da Inflação», uma lei que incrementou o intervencionismo estatal norte-americano no plano da transição energética e concedeu créditos fiscais e subsídios aos consumidores para o efeito.
A tal lei aquando da sua aprovação introduziu algumas tensões no seio da União Europeia, pois foi lida por alguns dirigentes de alguns Estados-Membro como um possível início de uma guerra comercial. A medida americana contraria por completo a doutrina imposta na União Europeia relativamente à actuação e papel dos Estados no plano económico.
«Segurança» e «defesa»
Achando-se que o apelo ao incremento bélico se encerrava no ponto relativo à Ucrânia, o Conselho Europeu, num encadeamento que não é inocente, colocou depois da avaliação económica, a questão da, talvez sarcástica, «segurança e defesa».
É neste sentido que avaliou a implementação da Declaração de Versalhes de 11 de Março de 2022 que foi a declaração formal de guerra à Rússia e a Bússola Estratégica que é um «plano de ação ambicioso para reforçar a política de segurança e defesa da UE» anunciado a 21 de Março de 2022.
Neste sentido, o Conselho Europeu reitera a vontade de investir ainda mais na indústria bélica. Os objectivos são prontamente assumidos já que surge o apelo à «prossecução dos trabalhos em todas as vertentes de ação para a entrega e a aquisição conjunta de munições e de mísseis, nomeadamente no que diz respeito à Ação de Apoio à Produção de Munições (ASAP)»; «congratula-se com o acordo obtido sobre o instrumento para reforçar a indústria europeia da defesa através da contratação conjunta (EDIRPA); e «apela à Comissão para que apresente uma proposta de programa europeu de investimento em matéria de defesa (EDIP)».
O Conselho, que é contrário ao investimento público nos serviços públicos para garantir direitos a todos os trabalhadores, e ataca as funções sociais dos Estados opta assim por gastar milhões de euros públicos no reforço bélico. É quase como se as balas fossem mais importantes que o pão que negam. É também nesse sentido que foi decidido um financiamento de 3,5 mil milhões de euros, o «limite máximo financeiro» do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz, a fim de continuar a prestar apoio militar à Ucrânia.
Relação com a China
Talvez o elemento mais interessante em todas as conclusões é a caracterização das relações com o Estado chinês. Diz o Conselho Europeu que foi reafirmada uma «abordagem estratégica multifacetada», sendo a China considerada «simultaneamente, um parceiro, um concorrente e um rival sistémico». Uma caracterização que dá para tudo, mas que introduz aspectos relevantes.
Para os chefes de Estado, «a União Europeia e a China continuam a ser importantes parceiros comerciais e económicos» e, como tal, «a União Europeia procurará assegurar condições de concorrência equitativas, de modo a que a relação comercial e económica seja equilibrada, recíproca e mutuamente benéfica». Este elemento parece contrário ao que se tem falado sobre o 5G e a postura de desconfiança que tem sido hábito da Comissão Europeia.
Relativamente à guerra há o reconhecimento da importância diplomática da China, já que há o apelo a que, por via da sua influência, haja o aconselhamento a que a Rússia pare com a guerra. Isto surge como uma desresponsabilização se tratasse já que, tendo sido a União Europeia uma das instigadores da guerra e uma das suas principais financiadoras, sacode a responsabilidade diplomática para outros.
Apesar do tom prepotente vindo do alto da falsa autoridade moral relativamente aos direitos humanos e liberdades fundamentais, há um elemento importante relativamente a Taiwan. As conclusões do Conselho Europeu, mesmo que depois não tenham aplicabilidade prática na acção diária e nos posicionamentos tidos, principalmente no quadro de subjugação aos interesses norte-americanos, diz que este se opõe «a quaisquer tentativas unilaterais de alteração do statu quo pela força ou pela coerção» e que assim sendo, «o Conselho Europeu reitera a política "Uma só China"».
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