No âmbito das comemorações do centenário, começou no passado dia 4 o curso «O villismo e o seu legado. Reflexões históricas», organizado pela Secretaria da Cultura do México e que se prolonga até 11 de Agosto – sempre com debates às terças e às sextas-feiras.
Na inauguração do curso, sublinhou-se a necessidade de aproveitar esta actividade académica para descobrir mais sobre Doroteo Arango, que ficou conhecido para a história como Francisco Villa, e, a cem anos da sua morte, reflectir criticamente e aprofundar o conhecimento sobre a sua vida, a sua gesta revolucionária e os homens e as mulheres que nela participaram.
Pancho Villa visitou esta quarta-feira a 31.ª Feira Internacional do Livro de Havana, pela voz de Paco Ignacio Taibo II, autor de vasta bibliografia sobre a lendária figura idolatrada no México. A propósito da apresentação, em Havana, de Pancho Villa: una biografía narrativa (Editorial Planeta), Taibo abordou o tecido de «lendas negras e brancas» que ainda rodeiam o militar e político (1878-1923), personalidade chave na história do país azteca e um dos líderes da Revolução mexicana, juntamente com Emiliano Zapata. O escritor, refere a Prensa Latina, deteve-se numa lenda relacionada com a morte de Villa (em ano de centenário) e no facto de que cortaram a sua cabeça e esta nunca apareceu. O director do Fondo de Cultura Económica (FCE) contou que, muitos anos depois, decidiram retirar do túmulo o suposto cadáver descabeçado de Villa, que, afinal, era o de uma mulher que seguramente sepultaram no mesmo local – e isso provocou rumores mal-intencionados sobre o herói. Taibo, que possui extensa bibliografia sobre Villa (cujo nome verdadeiro era José Doroteo Arango Arámbula), afirmou recentemente que «o fantasma de Villa permanece, é nosso, está encarnado» nos villistas que acreditam que «a razão de ser é servir o povo, pôr-se do lado dos humildes, dos pobres, dos agraviados». A desigualdade, a pobreza extrema, a concentração da terra, a falta de democracia levaram à eclosão da chamada Revolução Mexicana, a 20 de Novembro de 1910. Mais de cem anos volvidos, estas lutas permanecem vivas no país azteca. Em conversa com a TeleSur, Luis García Ruiz, historiador e investigador do Instituto de Investigações Histórico-Sociais do México, sublinhou o facto de, «ao longo dos anos, este acontecimento histórico ter sido mitificado», pensando-se que, na origem do movimento revolucionário e armado, estivesse unicamente a «desigualdade social existente no final do século XIX e início do XX». Contribuíram igualmente para a eclosão da Revolução Mexicana factores como a «injustiça, a desigualdade, o despojo, a falta de acesso a oportunidades e a falta de democracia», defende García, que sustenta que estes problemas continuam por resolver no país. A Constituição de 1917 consagrou grandes avanços – ao nível da distribuição da terra, da divisão do Poder, dos direitos à Educação, à greve. Mas isto viria a ser posto em causa ao longo século XX. Os direitos dos trabalhadores foram alvo de uma grande ofensiva com a aplicação de políticas neoliberais; o sector da Educação progrediu em direcção à mercantilização; o campo foi abandonado pelo Estado e as populações foram deixadas à sua sorte; entre outros, apareceram e desenvolveram-se fenómenos como a migração, o desemprego, o empobrecimento, a insegurança, resume o historiador. Alicia Bárcena, secretária executiva da Comissão Económica para a América Latina e Caraíbas (Cepal), referiu à TeleSur que o México constitui um dos casos mais preocupantes no que à desigualdade social diz respeito, sendo que dois terços da riqueza estão em poder de 10% das famílias do país, e que 1% detém cerca de um terço. «É fundamental avançar não apenas na superação da pobreza, mas também da concentração extrema da riqueza», declarou Laís Abramo, directora da Divisão de Desenvolvimento Social da Cepal. No relatório «Desigualdade extrema no México», a Oxfam – ONG surgida no Reino Unido que luta contra a desigualdade e a pobreza em mais de 90 países –, refere que o país americano, sendo a 14.ª economia mais forte do mundo, possui 53,3 milhões de pessoas a viver em situação de pobreza e, em simultâneo, um número cada vez maior de multimilionários. De acordo com o estudo, o México encontra-se entre os 25 países com maiores índices de desigualdade social. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Para Taibo, Pancho Villa está cravado nas entranhas da memória colectiva do país e sobre ele se atiram anedotas, histórias, trabalhos sérios de investigação, contos e «lendas negras» – «manipulando a história para mostrar o "selvagem que era", o "terrível que era", o "polígamo que era"». Taibo lembrou então como Pancho Villa defendia que um professor primário devia ganhar o mesmo que um general, porque é mais útil, ou como mandou construir 50 escolas no seu primeiro mês como governador de Chihuahua, ou distribuir um milhão de pesos entre os trabalhadores das minas e as viúvas de Chihuahua – «porque o dinheiro é para gastar naquilo de que o povo precisa e não para o contar». Ontem, em Havana, o autor de Pancho Villa: una biografía narrativa convidou os leitores a aproximar-se destas histórias que fazem parte do devir da América Latina e sublinhou a necessidade de que em Cuba, no México e em toda a região se conheça melhor o legado de próceres como Simón Bolívar, José de San Martín, Máximo Gómez, Antonio Maceo e tantos outros que marcaram a história continental. Disse ainda que um dos grandes problemas da América Latina, que começa a ter peso e fundo, é «voltar a reconstruir-se como colectivo histórico e não colectivos nacionais isolados». A actual edição da Feira Internacional do Livro de Havana decorre até dia 19, contando com a participação de 52 países e tendo a Colômbia como convidado de honra. No encontro literário mais importante de Cuba, com tradições firmadas no panorama latino-americano, os leitores têm à disposição mais de quatro milhões de exemplares. 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Numa das conferências dadas, o historiador Edgar Sáenz, do Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH), centrou-se na figura do general como evocado pelos companheiros do seu exército, tendo por base testemunhos de história oral.
Sáenz disse que Pancho Villa foi um líder, por um lado, enérgico e até temível quando se tratava de punir aqueles que o traíam, e, por outro, corajoso no combate, afável na conversa e bondoso com o povo. «Era aquele que distribuía milho, feijões e os víveres da sua milícia pelas comunidades assoladas pelo fogo revolucionário», disse.
O historiador apresentou testemunhos de veteranos villistas guardados no Arquivo da Palavra do INAH, que em Março último foi incluído pela Unesco no programa Memória do Mundo.
Num arquivo em que é possível encontrar registos orais gravados de homens e mulheres que estiveram ligados a várias correntes revolucionárias mexicanas – como maderistas, zapatistas, carrancistas, obregonistas –, o enfoque das suas pesquisas centrou-se na forma como os villistas viam o seu líder.
O historiador disse que muitos dos homens que integraram as forças de Villa e chegaram a formar a Divisão do Norte reconheciam nele alguém que assumia a legitimidade do maderismo – o primeiro dos movimentos daquilo a que se chama a Revolução Mexicana.
Além disso, frisou, entre os homens do Norte, Villa era alguém com quem se identificavam rapidamente, pois, como muitos deles, tinha vindo do povo e, inclusive, tinha um passado como fora da lei durante o Porfiriato (período da história do México em que o governo esteve de alguma forma sob controlo do militar e político Porfirio Díaz).
«Tenía un jalón el hombre que dondequiera, al pueblo que llegara, inmediatamente se presentaban voluntarios», comentou o historiador ao ler uma citação do tenente-coronel Victorio de Anda Ramírez.
Referindo-se ao testemunho de outro dos seus subordinados, Eduardo Ángeles, o historiador sublinhou que os seus soldados reconheciam a coragem que Villa mostrava em cada combate. «Os villistas viam no seu general um homem de personalidade forte, respeitoso com o valor da lealdade e, ao mesmo tempo, enérgico quando se tratava do caso contrário, ou seja: a traição», acrescentou.
«Quando Villa depôs as armas, em 1920, os seus soldados e ex-soldados não perceberam este facto como uma derrota, mas como uma saída honrosa para o homem e o seu movimento», defendeu o historiador.
A programação do curso «El villismo y su legado. Reflexiones históricas», cujas sessões podem ser seguidas pela INAH TV, está acessível no portal do Instituto Nacional de Antropologia e História, envolvendo os centros dos estados mexicanos de Chihuahua, Coahuila, Durango, Sonora e Zacatecas.
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