Em todas as frentes, culturais e políticas, que o compositor encabeçou, ao longo dos seus 81 anos, Gilberto Gil posicionou-se sempre do lado certo – e com as pessoas certas. Foi resistente durante o sangrento período da ditadura militar, preso, perseguido, exilado em Londres (Aliás, a sua solar música «Aquele Abraço», que toda a gente entoa, esconde uma dolorosa vivência, a necessidade de se despedir do Rio de Janeiro e partir, em 1969). Figura central do tropicalismo, movimento político, filosófico e estético, que contestava os «Podres poderes», e tornou a MPB (Música Popular Brasileira) referência mundial, Gilberto Gil aventura-se com o mesmo à-vontade, na sua meia centena de discos, no rock, na pop, no samba, no reggae, no funk, até nas composições infantis (Sítio do Pica-Pau Amarelo, 1977).
Até no registo mais hippie, como a gloriosa digressão, em 1976, dos Doce Bárbaros, integrado pelo quarteto de baianos Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa. Algumas das suas composições aludiam às suas origens baianas (nasceu em Salvador, em 26 de Junho de 1942, filho de um médico e de uma professora e formou-se em Administração de Empresas), como Ladeira da Preguiça (1973) ou Toda a Menina Baiana (1979).
O cantor brasileiro vai assumir a cadeira 20, anteriormente ocupada pelo jornalista Murilo Melo Filho, tornando-se um «imortal» da Academia Brasileira de Letras. «Gilberto Gil traduz o diálogo entre a cultura erudita e a cultura popular. Poeta de um Brasil profundo e cosmopolita. Atento a todos os apelos e demandas de nosso povo. Nós o recebemos com afecto e alegria», afirmou, em comunicado, o poeta e ensaísta Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL). «As suas canções desde cedo retratavam o seu país, e a sua musicalidade tomou formas rítmicas e melódicas muito pessoais. Seu primeiro disco, concentrava a sua forma particular de musicar elementos regionais». Ainda não queimam livros, mas já produzem e divulgam nas redes sociais listas de inimigos que pretendem boicotar. É um começo. Seguidores do presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, publicaram em redes sociais uma lista com mais de 700 «inimigos» do ex-capitão do Exército e saudosista da ditadura militar que assolou o Brasil, para os quais pedem um boicote. O apelo foi feito por intermédio da aplicação What’s App (a qual já tem o triste cadastro de ter servido para a produção e divulgação de notícias falsas promovidas pela candidatura e pelos apoiantes de Bolsonaro) e os visados são personalidades do mundo do cinema, jornalistas, escritores e artistas que apelaram ao voto contra o candidato da extrema-direita, na recente campanha presidencial. Os escolhidos, segundo a cadeia TVSur, foram assinantes do manifesto «Democracia Sim» que, há beira das urnas e face à perspectiva de vitória de Jair Bolsonaro, alertavam para o risco que corria a democracia brasileira e convidaram os eleitores a unirem esforços em defesa da liberdade e da democracia. Entre os «inimigos comunistas» – como são designados no jargão dos apoiantes do novo presidente, contam-se as actrizes Patrícia Pitanga e Patrícia Pillar, o jornalista Fernando Morais e os cantores Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil – estes foram perseguidos pela ditadura militar que o ex-capitão do exército tanto admira. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Gil, que terminou no domingo a digressão europeia que passou por cinco cidades portuguesas (com a participação da cantora Adriana Calcanhotto), lançou o seu primeiro disco em 1967, dois anos antes de ser forçado ao exílio político. Gilberto Gil acabou por cumprir um mandato de cinco anos (2003-2008) como Ministro da Cultura do Brasil, nos governos de Lula da Silva. A ABL é constituída por 40 membros, efectivos, sendo atríbuida uma cadeira a cada um, intransmissível, que devem ocupar até à sua morte. Os elementos que fazem parte da academia são chamados «imortais», ficando o seu nome perpetuamente ligado à cadeira que ocuparam. A cadeira é declarada vaga numa sessão denominada «Saudade», após a morte do seu ocupante. Os candidatos são, depois, alvo de um votação por parte dos membros da ABL, para determinar o novo ocupante. A actriz Fernanda Montenegro foi também eleita na semana passada, para a cadeira 17. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Cultura|
Gilberto Gil é eleito para a Academia Brasileira de Letras
Internacional|
Seguidores de Bolsonaro publicam lista de inimigos
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Compôs para, e com, o Prémio Camões Chico Buarque. A parceria Cálice (1973), canção- símbolo contra a repressão, construída com alegorias, conotações bíblicas transfiguradas em duplos sentidos, nomeadamente a semelhança fonética de Cálice sagrado, na oralidade brasileira, com o «cale-se» da Censura, foi vítima desse mesmo silenciamento e desligados os microfones quando eles a cantavam. Em 1980, Chico e outros músicos brasileiros puderam entoá-la em alto e bom som, e muita emotividade perante o mar de gente, no famoso concerto da Festa do Avante!, então no Alto da Ajuda. Também Copo Vazio (1974) que ofereceu a Chico está impregnada de melancolia e referências não explícitas à ditadura: «É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar».
A sua carreira valeu-lhe prémios internacionais, como Grammy Awards e Grammy latino. Mas para a Ordem nacional do Mérito do governo francês ou a nomeação Artista pela Paz, pela Unesco ou embaixador da ONU terá contribuído o seu posicionamento e activismo político. Ministro da Cultura do Brasil nos dois primeiros mandatos do Presidente Lula, Gil foi signatário do famoso manifesto anti-Bolsonaro, tornando-se membro da Academia das Letras brasileiras, em 2021.
Aproveitando a digressão europeia e familiar «Aquele Abraço» de Gilberto Gil (com dois dos filhos e netos), que celebra 60 anos de carreira, e culmina em finais de Outubro nos coliseus de Lisboa e Porto, a Universidade Nova de Lisboa atribuirá o título Honoris Causa, «pela sua extraordinária contribuição para a cultura internacional e pelo legado que deixa ao longo de várias décadas». A cerimónia ocorrerá a 31 de Outubro, mas a partir de dia 22, a Universidade evocará o percurso do compositor, em múltiplas iniciativas e concertos com Júlio Resende, António Zambujo e José Miguel Wisni, «para fazer ecoar a obra de Gil e reflectir sobre ela a partir da Universidade como espaço de interrogação».
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