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«O agronegócio banca os grandes media brasileiros»

«A sua influência é fortíssima e tem um plano de comunicação explícito», afirma Luís Indriunas, editor e roteirista da associação «De Olho nos Ruralistas», em entrevista ao MST.

Luís Indriunas, estudioso da comunicação e da questão agrária 
CréditosJuliana Barbosa / MST

O agronegócio é conhecido pela sua violência, lembra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na sua página. O primeiro semestre de 2023 foi o segundo mais violento no campo nos últimos dez anos, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Luís Indriunas, editor e roteirista da associação «De Olho nos Ruralistas» e estudioso da comunicação e da questão agrária, participou recentemente no encontro da Escola Nacional de Comunicação Popular que o MST dinamizou na Escola Nacional Florestan Fernandes (Guararema, São Paulo).

Em entrevista a Douglas Fortes, da página do MST, Indriunas sublinhou a «guerra de narrativas na questão da terra», tendo sugerido que a denúncia e a simplificação da mensagem podem ser algumas das ferramentas para confrontar o agronegócio.

Na sua opinião, qual é a importância de se discutir, estudar e elaborar sobre comunicação e tecnologia na actualidade?

Acho muito importante discutir a questão da terra na comunicação devido à guerra de narrativas que vivemos actualmente. O agronegócio tem sido muito forte nessa área. É fundamental entender as contradições e as falsas verdades deles, quebrar esses discursos, e, ao mesmo tempo, mostrar as alternativas. O agro, e não o agronegócio, é uma coisa super-heterogénea com várias possibilidades, como é frequentemente feito pelo MST, especialmente na prática da agroecologia.

«É essencial sempre retomar a questão agrária, porque ela está em todo lugar. Ela é a razão do êxodo rural, da super-urbanização e da fome no Brasil.»

A comunicação desempenha um papel crucial nesse sentido. No embate político, apesar da relevância histórica da questão da terra no Brasil e ser um dos principais problemas do país, muitas vezes a questão agrária é diluída por outros debates no discurso político maioritário. É essencial sempre retomar a questão agrária, porque ela está em todo lugar. Ela é a razão do êxodo rural, da super-urbanização e da fome no Brasil. Tem várias questões que estão aí, postas e que a gente não discute.

Como você enxerga a evolução do discurso do agronegócio? Existe uma tentativa de humanização com essa mudança no uso da palavra de agronegócio para Agro?

No contexto da cultura mainstream no Brasil, por muito tempo, houve a representação depreciativa do homem do campo, como o Jeca Tatu de Monteiro Lobato, retratando-o como alguém atrasado, pobre e na contramão da revolução industrial. Isso contrastava com a riqueza cultural absurda que tínhamos no campo brasileiro que não era vista, falando na perspectiva urbana.

Acho que podemos dizer que o governo militar já vislumbrava a mudança do discurso para a potência do campo e do agro. A história que o Brasil é o celeiro do mundo começa nos anos 50, toma força na ditadura militar e depois continua. Há uma tentativa actual de criar uma imagem moderna e tecnológica do agronegócio, cultivando certas tradições, um exemplo é a música sertaneja das rádios.

«No contexto da cultura mainstream no Brasil, por muito tempo, houve a representação depreciativa do homem do campo»

Existe uma clara preocupação em mudar a percepção sobre o agronegócio, apoiada por financiamentos constantes em propagandas e novelas. Ao mesmo tempo, apesar dos esforços para essa modificação, o brasileiro razoavelmente informado sabe do uso de agrotóxicos, dos problemas da monocultura, da especulação imobiliária absurda do agronegócio que permanecem como questões negativas que eles tentam reverter tornando um pouco bucólica a sua imagem.

Outra questão é que o agronegócio tenta suavizar essa impressão dura e ríspida que ele mesmo criou que é relevante para o mercado financeiro e para a Faria Lima, que exalta sua competência técnica. Enquanto isso, ele busca deixar a imagem do agronegócio mais humanizada, evitando o termo 'agronegócio' e se transforma em «agro é pop, é tech, é tudo».

Qual é o tamanho da influência do agronegócio nos media?

O agronegócio banca os grande media brasileiros, a sua influência é fortíssima e tem um plano de comunicação explícito. São diversos sites, programas de TV e campanhas publicitárias, como a «Agro é Pop» da Globo, que fará dez anos. Essa influência tem origem no próprio financiamento dos media brasileiros e vem da própria lógica deles, que, como a gente sabe, são altamente concentrados.

O discurso que se fazia muito antigamente era assim, os media brasileiros estão na mão de quatro famílias. Isso ainda persiste. Elas são proprietárias de terra e do agronegócio, então está tudo muito imbricado e a influência do agronegócio é gigante. Como citei anteriormente, é só notar a quantidade de vezes que o agronegócio está presente em novelas e em diversos pontos dos media.

Quem são as fontes jornalísticas com maior destaque nas entrevistas sobre agricultura nesses veículos?

Essa é uma questão muito forte nos media em geral, fazendo um paralelo com o agronegócio, a fonte de muitas notícias económicas são consultores de bancos X ou directores de relações internacionais de banco Y. Então, quem acaba pautando a economia nos media brasileiros é o mercado financeiro e isso não é diferente com a agricultura.

«Nós vemos no noticiário o grande produtor de soja, porém apenas como personagem, porque o especialista é outro: o consultor do mercado financeiro»

Às vezes, nós vemos no noticiário o grande produtor de soja, porém apenas como personagem, porque o especialista é outro: o consultor do mercado financeiro. É essa fonte tradicionalíssima do jornalismo brasileiro que dita o que é importante, seja sobre o sucesso do agro ou decisões económicas como manter os juros altos.

Você poderia nos dizer quem são os principais financiadores do «ir passando a boiada»?

A famosa frase do Ricardo Salles, falando para aproveitar que a atenção dos media estava voltada para a Covid e a Amazónia para ir passando a boiada de reformas de desregulamentação do tema do meio ambiente e outros, há muito tempo é financiada e cada vez mais foi se sistematizando.

Luís Indriunas participou na Escola Nacional de Comunicação do MST, na região metropolitana de São Paulo // Juliana Barbosa / MST

Hoje existe a FPA, a chamada bancada ruralista. Além disso, recebem apoio técnico e ideológico do Instituto Pensar Agro (IPA), financiado por pelo menos 48 associações de produtores rurais, mais de 1000 grandes proprietários e quase 100 mil pequenos proprietários ou médios produtores rurais que estão associados ao IPA, de forma indirecta. Financiando as associações que sustentam o IPA, que dá respaldo para a FPA, por exemplo em ajustes de discursos e análise do que está sendo debatido.

O financiamento é claro, quem financia são as grandes empresas como Syngenta, Cosan, Bunge, grandes pecuaristas e produtores de Soja, como a AproSoja, esses financiam junto com as cooperativas e com apoio indirecto do pequeno produtor que entende que aquilo é para ele.

Fale um pouco sobre o levantamento que o «De Olho nos Ruralistas» fez sobre as reuniões do Ministério do Meio Ambiente no governo Bolsonaro?

Através de dados da agenda do governo tentámos mostrar onde e como o agronegócio estava mandando e quais as pautas prioritárias deles. Nos últimos três anos e meio do governo Bolsonaro, no Ministério do Meio Ambiente, que só não foi extinto por pressão da própria sociedade, foram mais de 700 reuniões com pessoas, empresas e associações ligadas ao agronegócio e apenas três ou quatro reuniões com movimentos sociais. É uma influência muito grande.

Qual é a importância da denúncia, da simplificação da mensagem e da soberania tecnológica para conseguir ser mais efectivo e alcançar mais pessoas?

A transformação da comunicação via redes sociais é um desafio actual. Enquanto os grandes media continuam pautando, as redes sociais apresentam uma linguagem directa e curta, por vezes difíceis de alcançar. Por exemplo, os discursos dos ruralistas de «indígena não faz nada» ou quando Bolsonaro afirmou «fui em um quilombo e não vi ninguém trabalhando». São impactantes, embora falsos e vazios. A comunicação para promover uma sociedade mais justa precisa trabalhar muito os discursos directos. Muitas vezes, por receio de ofender, de perder embasamento teórico ou de ser superficial, perde-se isso.

«O massacre de Eldorado dos Carajás foi um marco para a luta pela terra»

A denúncia é importantíssima, pois documenta e prova situações relevantes. Mesmo que aquele facto esteja sendo falado por todo mundo, se você não regista, ele não existe e será apagado da história. Denunciar revela quem manda no Brasil, quem são os donos da terra no país, como actuam na especulação imobiliária e no libera geral de agrotóxicos. É papel dos media independentes e dos movimentos sociais denunciar para expor e romper cercos para pautar a sociedade e os grandes media.

O massacre de Eldorado dos Carajás foi um marco para a luta pela terra, uma das primeiras vezes que se mostrou nacionalmente o extermínio de camponeses pelas PM [polícias militares]. Foi uma denúncia viva, algo que se encontrava só em livro de história ou em notinha de jornal. A tecnologia, especialmente celulares, se tornou uma ferramenta poderosa para denúncias. Publicamos frequentemente vídeos do campo capturados por celulares, como, recentemente, um que documentava o roubo de água de um rio por uma fazenda. Hoje temos várias formas de denunciar usando a tecnologia.

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