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Quatro décadas do MST: reforma agrária e educação

Nestes quarenta anos de luta, o MST teve e tem que enfrentar três cercas: a do latifúndio, a da ignorância e a do capital.

Créditos / Coletivo de Comunicação MST-BA

«Qualquer brasileiro que tenha um mínimo de responsabilidade, que tenha consciência da situação social real do nosso país, tem o dever de acompanhar e apoiar o trabalho e a luta do MST.» (Sebastião Salgado)

Acompanho1 ativamente desde seu nascimento o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Um movimento que surge não somente pela negação histórica da Reforma Agrária, mas, além disto, como expressão da forma que o capitalismo canibal, como o define a filósofa americana Nancy Fraser, avançou no campo a partir, sobretudo, da década de 1970. Um processo escandaloso de concentração de propriedade de propriedade sob o manto da ditadura empresarial militar deflagrada em 1964 e que se prolongou por 21 anos.

«O MST, ao lutar pela Reforma Agrária Popular, reitera a luta dos escravos e de suas lideranças no processo da abolição da escravidão.»

O MST, ao lutar pela Reforma Agrária Popular, reitera a luta dos escravos e de suas lideranças no processo da abolição da escravidão. Como observa Luiz Felipe Alencastro, a oligarquia agrária somente concordou com a abolição formal da escravidão, mediante a negação da luta dos abolicionistas que queriam que os escravos não apenas fossem libertos, mas tivessem como indenização uma quantidade de terra para produzir sua sobrevivência. O fracasso da reforma agrária, observa Alencastro, teve seu início nesta negação.

O que é cínico é que, 136 anos depois, vindos não mais dos barões da escravidão, mas de seus sucedâneos, da expansão agrícola e concentração de propriedade das terras pelo agronegócio, os argumentos dos grandes proprietários de terras, do capital financeiro e industrial sejam os mesmos do escritor e político cearense José de Alencar. Percebendo as tendências abolicionistas nos quadros da Monarquia em 1871, advertia o que poderia ocorrer com a abolição: «Tolerado semelhante fanatismo do progresso, nenhum princípio social fica isente de ser ele atacado mortalmente ferido. A mesma monarquia, senhor, pode ser varrida para o canto entre o cisco das ideias estritas e obsoletas. A liberdade e a propriedade, essas duas fibras sociais, caíram desde já em desprezo ante os sonhos do comunismo». (Ver: Juremir Machado da Silva. Raízes do conservadorismo brasileiro. A abolição na imprensa e no imaginário social. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2018, p. 75).

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O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra faz 40 anos

O MST nasceu em Janeiro de 1984, em Cascavel (Paraná), tendo-se tornado um dos maiores movimentos populares da América Latina. Actualmente, está organizado em 24 estados do Brasil.

Começou esta segunda-feira e prolonga-se até sábado o encontro da coordenação nacional do MST, na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (São Paulo), no contexto das comemorações dos 40 anos de existência do movimento 
CréditosPriscila Ramos / mst.org.br

Há 40 anos, cerca de 100 pessoas juntaram-se em Cascavel para participar no 1.º Encontro Nacional Sem Terra – evento no qual surgiria o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Logo no ano seguinte à fundação, teve lugar o primeiro Congresso Nacional do MST, no qual se afirmou que «sem a terra não há democracia». O congresso, que decorreu entre 29 e 31 de Janeiro de 1985, foi um marco histórico para os sem-terra. Ali seriam construídos os lemas «Terra para quem nela vive e trabalha» e «Ocupação é a Única Solução».

Quadro décadas passadas, o MST está organizado em 24 estados brasileiros, com 185 cooperativas, 1900 associações, 120 agro-indústrias, cerca de 400 mil famílias assentadas e outras 70 mil a viver em acampamentos, indica o Brasil de Fato.

No âmbito das comemorações dos 40 anos de existência, teve início esta segunda-feira o encontro da coordenação nacional do MST, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (São Paulo).

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MST: há 38 anos a lutar pela democratização da terra no Brasil

O MST surgiu em Janeiro de 1984, em Cascavel (Paraná). Num encontro nacional, os trabalhadores do campo definiram como principais objectivos a luta pela terra, pela reforma agrária e por mudanças sociais.

O MST reafirma a luta pela Reforma Agrária, a defesa da soberania nacional e a denúncia das agressões do capital
Numa «Carta ao Povo Brasileiro», lançada em Janeiro de 2020, o MST reafirmou a luta pela reforma agrária, a defesa da soberania nacional e a denúncia das agressões do capital Créditos / sul21.com.br

No 1.º Encontro Nacional Sem Terra, «esteve presente a classe trabalhadora rural de 12 estados do Brasil», refere o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que nasceu num contexto marcado pela agitação social, o declínio da ditadura militar, a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT; 1980) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT; 1983).

Em Cascavel, no Sul do Brasil, foram abordadas as principais lutas travadas pelo «povo sem terra» face às políticas governamentais sobre a questão fundiária brasileira, e foi afirmada a «indignação» dos trabalhadores do campo relativamente às desigualdades sociais, à fome, à miséria, ao desemprego, bem como à impunidade de centenas de assassinatos de camponeses devido a conflitos de terra.

«A situação de opressão e exploração a que cada vez mais são submetidos os lavradores e os sem-terra em suas lutas de defesa fazem com que estes comecem a agir contra o projeto da burguesia, que quer se apropriar de toda a terra e, em vez de só se defenderem, começam a luta pela reconquista», declara uma carta subscrita no encontro.

Definição de princípios e linhas de acção: a «terra para quem nela trabalha»

Um ano depois da fundação do movimento, teve lugar o primeiro Congresso Nacional do MST, no qual se afirmou que «sem a terra não há democracia». O congresso, que decorreu entre 29 e 31 de Janeiro de 1985, foi um marco histórico para os sem-terra. Ali foram construídos os lemas «Terra para quem nela vive e trabalha» e «Ocupação é a Única Solução».

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MST nasceu há 37 anos: a «terra para quem nela vive e trabalha»

O MST surgiu em Janeiro de 1984, num encontro nacional de trabalhadores do campo celebrado em Cascavel (Paraná). A luta pela terra, pela Reforma Agrária e por mudanças sociais eram objectivos primeiros.

A distribuição de alimentos saudáveis em todo país é uma das acções do MST durante pandemia da Covid-19
Créditos / MST

No 1.º Encontro Nacional Sem Terra, «esteve presente a classe trabalhadora rural de 12 estados do Brasil», lê-se no portal do MST. Num contexto marcado pela agitação social, o declínio da ditadura militar, a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT; 1980) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT; 1983), ali haveria de nascer o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

No encontro, foram abordadas as principais lutas travadas pelo «povo sem terra» face às políticas governamentais sobre a questão fundiária brasileira, e foi afirmada a «indignação» dos trabalhadores do campo relativamente às desigualdades sociais, à fome, à miséria, ao desemprego, bem como à impunidade de centenas de assassinatos de camponeses devido a conflitos de terra.

«A situação de opressão e exploração a que cada vez mais são submetidos os lavradores e os sem-terra em suas lutas de defesa fazem com que estes comecem a agir contra o projeto da burguesia, que quer se apropriar de toda a terra e, em vez de só se defenderem, começam a luta pela reconquista», lê-se numa carta subscrita no encontro.

A «terra para quem nela vive e trabalha»

Um ano depois do encontro que marcou a fundação do movimento, realizou-se o primeiro Congresso Nacional do MST, afirmando que «Sem a terra não há democracia». O congresso, que decorreu entre 29 e 31 de Janeiro de 1985, foi um marco histórico para os sem-terra. Ali se construíram os lemas «Terra para quem nela vive e trabalha» e «Ocupação é a Única Solução», sublinhando que a democracia no Brasil tinha de passar pela reforma agrária.

Nos anos seguintes, «foi por meio das ocupações de latifúndios que o povo sem terra se rebelou contra o monopólio da terra pela classe dominante, cultivando a terra e as suas culturas por diversos estados do país», destaca o portal do MST.

Com o passar dos tempos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra foi conquistando reconhecimento a nível nacional e internacional, ganhou legitimidade enquanto «movimento de massas e luta da classe trabalhadora do campo por justiça social e uma vida digna», e foi integrando novas lutas no seu acervo, nomeadamente em defesa da soberania alimentar, da cultura e educação popular, da saúde comunitária e do Sistema Único de Saúde para toda a sociedade brasileira.

Mais de 3000 toneladas de alimentos doadas em 2020

O MST completa 37 anos de existência num contexto de pandemia e mostrando a força da agricultura familiar e da sua organização de base. Apesar dos ataques do governo de Bolsonaro, o movimento doou mais de 3000 toneladas de alimentos em 2020, para ajudar a população a enfrentar a pandemia do novo coronavírus.

Sobre isto e as expectativas para 2021, o Brasil de Fato conversou com Maria de Jesus Santos Gomes, figura histórica do movimento, que participou na primeira ocupação de terra no seu estado – o Ceará –, em 1990, e hoje integra a direcção nacional e o sector de educação do MST.


Na entrevista, Gomes fala sobre o desafio do protagonismo feminino no movimento e aponta a agro-ecologia como saída para a crise alimentar no país. «A opção pela produção saudável tende a crescer no Brasil e a única classe que pode ofertar alimentos saudáveis é a classe camponesa. Somos nós, os agricultores e agricultoras desse país», sublinha.

Sobre o desmantelamento de políticas públicas aprofundado pelo governo de Bolsonaro, além do apoio incondicional a ruralistas e até o incentivo à violência no campo, Maria de Jesus explica as contradições pregadas pelo agronegócio e reforça que o movimento seguirá firme em defesa das bandeiras populares.

«Nós sabemos o que queremos com o campo brasileiro: nós queremos a reforma agrária popular. E, como esse programa não se realizou, nós estamos muito firmes na defesa desse projecto. O agronegócio não tem capacidade de fornecer alimentos para a população brasileira, porque o propósito dele não é esse», aponta.

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Ali, foi definida a principal estratégia de acção política do movimento nos anos seguintes: a ocupação popular de terras improdutivas para a reforma agrária, sublinhando que a democracia no Brasil tinha de passar pela reforma agrária.

Em declarações citadas pelo Brasil de Fato, Izabel Grein, militante do MST, afirmou: «O movimento nasce da experiência da força colectiva. Eu acho que essa é uma primeira questão que a gente aprende no movimento: a clareza e a coerência com os objectivos e os princípios organizativos que esse movimento se pautou lá no início.»

«O princípio da necessidade da luta pela terra, da organização colectiva, da necessidade da Reforma Agrária e da transformação da sociedade para poder fazer uma verdadeira distribuição de terra no país. Não só uma distribuição, mas uma nova forma de olhar a questão da terra na sociedade», disse.

Actualmente, o MST é composto por cerca de 550 mil famílias assentadas e acampadas, organizadas em 24 estados brasileiros, que participam 1900 associações comunitárias, 160 cooperativas e 120 agro-indústrias, produzindo alimentos saudáveis, refere o Brasil de Fato.

Cozinha Solidária do MST em Maceió, no estado de Alagoas / MST

Campanha contra a fome

Desde o início da pandemia de Covid-19, em 2020, o MST levou a cabo várias campanhas de solidariedade, tendo doado mais de 6000 toneladas de alimentos e mais de 1,1 milhões de marmitas para pessoas e famílias em situação de fome e insegurança alimentar.

Este balanço foi feito após a conclusão da campanha «Natal Sem Fome», promovida pelo movimento entre Dezembro de 2020 e o início de Janeiro, no âmbito da qual cerca de 250 mil pessoas receberam alimentos, marmitas solidárias e ceias especiais de Natal em 24 estados do Brasil.

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As actividades, anuncia o movimento no seu portal, prolongam-se até ao próximo sábado, contando com a participação de 400 trabalhadores sem-terra representantes de 24 estados do país sul-americano.

Também no âmbito deste aniversário, o MST irá realizar, em Julho, o seu 7.º Congresso Nacional, sendo esperadas cerca de 15 mil pessoas em Brasília.

O último evento do género, lembra o Brasil de Fato, ocorreu em 2014, quando o movimento definiu que, para além da democratização do acesso à terra, era preciso disputar o modelo produtivo de agricultura. Foi então que acrescentou a palavra «popular» à reforma agrária que defende, reivindicando de forma mais contundente, por exemplo, os debates ambientalistas e a defesa da agroecologia.

«Já nasce com cicatrizes»

Para o geógrafo Bernardo Mançano, autor, entre outros, do livro A formação do MST no Brasil e investigador do movimento desde o início, o momento mais crítico do MST foi nascer.

«O movimento nasce no seio da ditadura. Ele já nasce com cicatrizes políticas de um processo que prendeu e ceifou vidas, mas ainda assim consegue conquistar territórios e começar o processo de espacialização da luta», disse Mançano.

O caldo em que surge a fundação do MST foi o das lutas pela redemocratização na viragem das décadas de 1970 e 1980, com ocupações de latifúndios feitas por agricultores no estado do Rio Grande do Sul. Uma das mais icónicas foi a Encruzilhada Natalino, em Dezembro de 1980, que recebeu grande apoio da Igreja Católica e da população da região.

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MST nasceu há 37 anos: a «terra para quem nela vive e trabalha»

O MST surgiu em Janeiro de 1984, num encontro nacional de trabalhadores do campo celebrado em Cascavel (Paraná). A luta pela terra, pela Reforma Agrária e por mudanças sociais eram objectivos primeiros.

A distribuição de alimentos saudáveis em todo país é uma das acções do MST durante pandemia da Covid-19
Créditos / MST

No 1.º Encontro Nacional Sem Terra, «esteve presente a classe trabalhadora rural de 12 estados do Brasil», lê-se no portal do MST. Num contexto marcado pela agitação social, o declínio da ditadura militar, a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT; 1980) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT; 1983), ali haveria de nascer o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

No encontro, foram abordadas as principais lutas travadas pelo «povo sem terra» face às políticas governamentais sobre a questão fundiária brasileira, e foi afirmada a «indignação» dos trabalhadores do campo relativamente às desigualdades sociais, à fome, à miséria, ao desemprego, bem como à impunidade de centenas de assassinatos de camponeses devido a conflitos de terra.

«A situação de opressão e exploração a que cada vez mais são submetidos os lavradores e os sem-terra em suas lutas de defesa fazem com que estes comecem a agir contra o projeto da burguesia, que quer se apropriar de toda a terra e, em vez de só se defenderem, começam a luta pela reconquista», lê-se numa carta subscrita no encontro.

A «terra para quem nela vive e trabalha»

Um ano depois do encontro que marcou a fundação do movimento, realizou-se o primeiro Congresso Nacional do MST, afirmando que «Sem a terra não há democracia». O congresso, que decorreu entre 29 e 31 de Janeiro de 1985, foi um marco histórico para os sem-terra. Ali se construíram os lemas «Terra para quem nela vive e trabalha» e «Ocupação é a Única Solução», sublinhando que a democracia no Brasil tinha de passar pela reforma agrária.

Nos anos seguintes, «foi por meio das ocupações de latifúndios que o povo sem terra se rebelou contra o monopólio da terra pela classe dominante, cultivando a terra e as suas culturas por diversos estados do país», destaca o portal do MST.

Com o passar dos tempos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra foi conquistando reconhecimento a nível nacional e internacional, ganhou legitimidade enquanto «movimento de massas e luta da classe trabalhadora do campo por justiça social e uma vida digna», e foi integrando novas lutas no seu acervo, nomeadamente em defesa da soberania alimentar, da cultura e educação popular, da saúde comunitária e do Sistema Único de Saúde para toda a sociedade brasileira.

Mais de 3000 toneladas de alimentos doadas em 2020

O MST completa 37 anos de existência num contexto de pandemia e mostrando a força da agricultura familiar e da sua organização de base. Apesar dos ataques do governo de Bolsonaro, o movimento doou mais de 3000 toneladas de alimentos em 2020, para ajudar a população a enfrentar a pandemia do novo coronavírus.

Sobre isto e as expectativas para 2021, o Brasil de Fato conversou com Maria de Jesus Santos Gomes, figura histórica do movimento, que participou na primeira ocupação de terra no seu estado – o Ceará –, em 1990, e hoje integra a direcção nacional e o sector de educação do MST.


Na entrevista, Gomes fala sobre o desafio do protagonismo feminino no movimento e aponta a agro-ecologia como saída para a crise alimentar no país. «A opção pela produção saudável tende a crescer no Brasil e a única classe que pode ofertar alimentos saudáveis é a classe camponesa. Somos nós, os agricultores e agricultoras desse país», sublinha.

Sobre o desmantelamento de políticas públicas aprofundado pelo governo de Bolsonaro, além do apoio incondicional a ruralistas e até o incentivo à violência no campo, Maria de Jesus explica as contradições pregadas pelo agronegócio e reforça que o movimento seguirá firme em defesa das bandeiras populares.

«Nós sabemos o que queremos com o campo brasileiro: nós queremos a reforma agrária popular. E, como esse programa não se realizou, nós estamos muito firmes na defesa desse projecto. O agronegócio não tem capacidade de fornecer alimentos para a população brasileira, porque o propósito dele não é esse», aponta.

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«Aqueles colonos estavam numa tentativa de sobrevivência muito concreta, certamente não pensavam no que isso viria a ser. Mas, olhando no retrovisor da história, foi uma inovação do formato de luta por terra no Brasil: a ocupação com lona preta», sublinha Ceres Hadich, da coordenação nacional do MST. «A Encruzilhada Natalino inaugurou um jeito de pensar a luta pela reforma agrária e fazer política que viria a ser uma das grandes marcas do MST», resumiu.

Gilmar Mauro, também da coordenação nacional, não esteve no encontro fundacional do MST, em 1984, mas integrou-se logo no ano seguinte, quando fez 18 anos. Nascido na cidade de Capanema, numa região paranaense de pequenos agricultores, Gilmar participou na ocupação de Marmelheiro, que em 1986 se tornaria um assentamento regularizado.

Esta foi uma de muitas tomadas de latifúndio que o movimento realizou na região Sul logo após o seu surgimento. Inspirados em experiências anteriores como a das Ligas Camponesas e do Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), os criadores do MST definiram que ele seria nacional e teria três objectivos: a luta por terra, pela reforma agrária e por transformação social.

«Já no início o movimento experimentou a produção com cooperativas», afirmou Ceres. «A educação também sempre teve um papel fundamental. Percebemos que era preciso criar nosso jeito de educar, formular uma pedagogia sem-terra», disse, destacando a experiência das escolas itinerantes.

A violência, a reacção e o boom do MST

Pouco depois, o movimento enfrentaria a sua década mais sangrenta, mas também aquela em que se deu a conhecer ao Brasil. Se a violência no campo esteve presente ao longo dos 40 anos do MST, para Hadich o período entre 1995 e 2010 é aquele em que a conjugação «Estado, milícia e latifúndio se revela especialmente».

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Eldorado do Carajás, 25 anos de impunidade e de luta pela terra

Dia 17 cumpre-se o 25.º aniversário do Massacre de Eldorado do Carajás. Apesar da pandemia, o «Abril Vermelho» não esquece os trabalhadores rurais assassinados e a defesa da reforma agrária.

Eldorado do Carajás, Pará, 1996 
Créditos / Pesquisa de imagens Arquivo e Memória MST

Tal como em 2020, as actividades agendadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para o «Abril Vermelho» são condicionadas pelo contexto da pandemia de Covid-19. 

O movimento, que tomou a decisão de promover as medidas sanitárias em defesa da vida, recorre a formas «criativas de actuação», sem abdicar de duas questões fundamentais: a homenagem aos 21 trabalhadores rurais assassinados, em 1996, por agentes da Polícia Militar em Eldorado do Carajás, no estado do Pará; reivindicar a reforma agrária popular.

Ayala Ferreira / MST

Num país em que os trabalhadores rurais, na sua luta pela terra, tiveram de fazer frente a grande violência e à impunidade associada, o Massacre de Eldorado do Carajás possui forte carga simbólica. Como forma de homenagem aos trabalhadores assassinados e àquilo que representam, 17 de Abril passou a ser o Dia Internacional da Luta Camponesa – uma data escolhida pelas organizações que compõem a Via Campesina.

Numa entrevista ao portal do MST, Ayala Ferreira, membro da direcção nacional do movimento e do Coletivo Nacional de Direitos Humanos do MST, relembrou a brutalidade do massacre no Pará, falou da impunidade, das acções previstas para o «Abril Vermelho» e da situação no campo brasileiro, por falta de políticas do governo federal à agricultura camponesa e familiar.

Extrema violência e impunidade

Sobre o massacre perpetrado há 25 anos na «curva do S», em Eldorado do Carajás, no Pará, a dirigente destacou a «violência extrema». Além das 21 pessoas mortas – «dez das quais executadas já rendidas» –, 69 foram mutiladas (algumas com as foices e os facões que usavam no trabalho), referiu a dirigente, acrescentando que o governo e o Estado como um todo assumiram uma atitude «de não-mediação, de não-negociação».

«O massacre revelou que o Estado está do lado do latifúndio, que não tem interesse em implementar a Reforma Agrária mesmo estando prevista na Constituição Brasileira. É o Estado que alimenta o aprofundamento e a ampliação dos conflitos no campo», denunciou.

Ayala Ferreira enfatizou ainda a impunidade que envolve a violência contra os trabalhadores do campo no Brasil. Dos 1468 casos registados, apenas 117 foram a julgamento. «Muitos desses julgamentos levaram à absolvição de mandantes e executores desse tipo de massacre, como o que ocorreu em Eldorado», disse.

Enterro dos trabalhadores sem-terra vítimas do massacre na Curva do S, no Pará, em 1996 / J.R. Ripper / Pesquisa de imagens Arquivo e Memória MST

Com o «Abril Vermelho», o MST procura organizar jornadas de luta e mobilizações massivas. No entanto, nestes «tempos difíceis», o movimento assumiu a primazia das medidas sanitárias e a garantia da vida, por entender que, ao fazê-lo, tem «a possibilidade de garantir a superação de tantos outros problemas que são impostos» no actual contexto.

Em simultâneo, ao assumir que «é impossível deixar de rememorar o dia 17 de Abril por tudo o que representa», as actividades terão um pendor mais criativo, nos territórios, assentamentos e acampamentos espalhados pelo país, e nas redes, nos espaços virtuais, para fortalecer a defesa do «projecto de desenvolvimento do campo, com a democratização da terra e a implementação de outras práticas para além do agronegócio», disse.

O «Abril Vermelho» está marcado para o período entre 17 e 21 de Abril, incluindo, entre outras iniciativas, o 15.º Acampamento Nacional da Juventude Sem Terra Oziel Alves Pereira; um acto político virtual, também internacional, para «fazer a memória, reafirmar a vida e denunciar a total paralisação da Reforma Agrária no contexto do governo Bolsonaro» (dia 17, às 10h); acções ligadas à campanha de plantio de árvores e produção de alimentos saudáveis (dia 21).

Agronegócio e agravamento da desigualdade no campo desde 2016

Sobre o agronegócio – «modelo hegemónico no campo brasileiro» –, Ayala Ferreira afirmou que «não serve para resolver os problemas concretos do povo brasileiro». «Se a gente quiser pensar num projecto de desenvolvimento nacional em que os trabalhadores e as trabalhadoras estejam incluídos, é necessário estabelecer-se um conjunto de reformas no nosso país», disse, sublinhando que isso passa «pela democratização do acesso à terra, hoje extremamente concentrada» no Brasil.

«Acredito no nosso esforço de denunciar esse modelo do agronegócio e reafirmar a Reforma Agrária, a agricultura familiar como um modelo de desenvolvimento, que pode, sim, contribuir com a sociedade como um todo», frisou.

Questionada sobre os desafios mais urgentes que a actual conjuntura coloca à luta pela terra no Brasil, a dirigente do MST afirmou que, desde 2016, o país «passou por profundas e drásticas transformações ocasionadas por essa reformulação da classe dominante que impôs o impeachment a Dilma Rousseff e retomou com muita força uma agenda neoliberal, agora na figura do actual presidente Jair Bolsonaro».

Este último, lembrou, apontou que «os camponeses, do MST, o movimento sindical, as comunidades tradicionais como indígenas e quilombolas são inimigos que representam o atraso». Neste sentido, disse, «um dos nossos desafios é manter-nos vivos e inteiros diante de um governo que assumidamente cumpre os interesses do agronegócio, do latifúndio, e tem feito um conjunto de acções para desconstruir tudo aquilo que nós fomos conquistando».

«Justiça divina, mas não na terra»

No que respeita ao processo de condenação dos responsáveis pelo assassinato dos 21 trabalhadores em Eldorado do Carajás, a dirigente dos sem-terra disse que 155 polícias estiveram envolvidos e que há quase 20 mil páginas associadas aos julgamentos, que «sofreram aquilo a que chamamos uma construção deliberada da impunidade», ao longo de vários momentos.

Trabalhadores sem-terra em luta pela Reforma Agrária no Brasil CréditosSebastião Salgado / mst.org.br

Como exemplo da «articulação política com o Poder Judiciário», referiu que esta tirou do processo o [governador do Pará] Almir Gabriel e o secretário de Segurança Pública, Paulo Sérgio Cabral, além de ter absolvido 143 polícias envolvidos. «Houve também a absolvição por parte dos media [d]os dois comandantes da operação, o coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Oliveira», acusou.

Num segundo julgamento, estes seriam condenados à pena máxima, «inclusive por terem coordenado a acção», mas manteve-se a decisão de absolver os polícias militares e de não incluir no processo o então governador Gabriel o secretário de Segurança Pública. Tanto o coronel como o major puderam recorrer da decisão em liberdade. E ficaram anos assim, até que, em 2004, a decisão do Tribunal Superior foi de manter a condenação dos dois e absolver os polícias. Ambos tiveram de ir para a cadeia, mas ficaram ali pouco tempo; recorreram novamente e conseguiram ficar em casa, cumprindo prisão domiciliária.

«Actualmente o processo está aberto nessas condições. No ano passado, em função da Covid-19 o coronel Mário Colares Pantoja morreu, e em anos anteriores, tanto o secretário de Segurança Pública quanto o ex-governador Almir Gabriel também vieram a falecer», revelou Ayala Ferreira.

E acrescentou: «Os nossos camponeses dizem "houve justiça divina, mas não houve justiça na terra", porque não houve justiça entre os homens, pois aqueles que mandaram e aqueles que executaram o crime tiveram o direito de viver mais tempo fora da cadeia do que nela.»

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O massacre de Eldorado do Carajás, que fez do 17 de Abril o dia mundial de luta pela terra, é o mais emblemático destes episódios.

No entardecer daquele dia de 1996, cerca de 1500 sem-terra chegavam ao local conhecido como Curva do S, no Sudoeste do Pará, a caminho de Belém para reivindicar ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a desapropriação de uma fazenda. Cercados e atacados por 155 agentes da Polícia Militar, 21 camponeses foram assassinados e 79 ficaram feridos.

A comoção com o ataque, que teve cenas televisionadas, foi imensa, afirma o Brasil de Fato, lembrando que o debate sobre a reforma agrária tomou o centro da agenda política brasileira. Em 1997, três marchas simultâneas convocadas pelo MST saíram de pontos diferentes do país e caminharam durante cerca de dois meses até chegar a Brasília, no dia em que o massacre fez um ano, juntando perto de 100 mil pessoas.

«Foi histórico. Mas não foi o MST que colocou 100 mil. Foi a sociedade que aderiu. E colocou o movimento em outro patamar», salientou Gilmar Mauro.

Naquele 17 de Abril de 1997 foi lançado o livro de fotos Terra, de Sebastião Salgado, sobre luta pela terra, com uma apresentação de José Saramago e acompanhado por um CD de Chico Buarque. Os três artistas doaram os direitos de autor do trabalho ao MST, que, com o dinheiro arrecadado, construiu a Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (São Paulo).

É nessa fase pós-massacre de Eldorado do Carajás que a TV Globo transmite a novela O rei do gado. Com um enredo que envolve um romance entre uma sem-terra e um fazendeiro, a novela teve, no entender de Gilmar Mauro, «o intuito de domesticar o MST, de desfazer o conflito». «Mas teve o efeito contrário. Acabou difundindo o tema da reforma agrária e o MST a nível nacional», disse.

Marcha histórica do MST com 100 mil pessoas em Brasília, em 1997, no contexto do primeiro aniversário do massacre de Eldorado do Carajás // Douglas Mansur / Arquivo e Memória MST

Para Gilmar, 1997 é um ano de viragem para o movimento. «Ganhámos as cidades. Principalmente as universidades. Muita gente entra para o movimento. Até surge uma palavra de ordem na época: "reforma agrária se faz no campo, mas se conquista na cidade"», relembrou.

O crescimento, no entanto, não fez cessar a violência. Para Ceres, um dos marcos da nova roupagem da repressão, acompanhando as mudanças do agronegócio a partir dos anos 2000, com o boom da exportação de commodities, os transgénicos e a financeirização, foi a morte de Keno, como era conhecido o agricultor Valmir Mota de Oliveira.

Em Outubro de 2007, aos 34 anos, Keno foi assassinado por seguranças contratados pela transnacional suíça Syngenta. Ele participava, com outras 150 pessoas da Via Campesina – articulação internacional de movimentos populares do campo que o MST integra –, numa ocupação na cidade de Santa Tereza do Oeste (Paraná). A acção denunciava a ilegalidade dos experimentos que a empresa, uma gigante do sector de transgénicos e agrotóxicos, fazia na zona.

Os militantes foram atacados por 40 homens armados da empresa NF Segurança. Além de Keno, a agricultora Isabel Nascimento de Souza foi colocada de joelhos para ser executada. Quando o tiro veio, ela ergueu a cabeça e foi atingida no olho direito. Ficou cega, mas sobreviveu. Outros três activistas ficaram feridos. Em 2018, a Syngenta foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Paraná.

«’O diferencial do assassinato do Keno pela Syngenta é que a gente não estava falando mais da violência do latifundiário, do jagunço. A gente estava falando da transnacional, daquela empresa que está no mundo impondo os transgénicos, que tem sede na Suíça», afirmou Hadich. Hoje, no local onde Keno foi morto, funciona o Centro de Pesquisas em Agroecologia Valmir Mota de Oliveira.

Este ano, em Julho, o MST celebra o seu 7.º Congresso Nacional // Priscila Ramos / mst.org.br

As décadas de 1990 e 2000, analisou Ceres, «revelaram a violência do capital e do agronegócio e, nesta dor, nos permitiu ser acolhidos pela sociedade brasileira. Escancarou isso: são trabalhadores pobres do campo que não têm nada, que estão numa luta digna e estão apanhando, morrendo por conta disso. Foi um período que, contraditoriamente, nessa violência e nesse luto, revelou à sociedade um MST que ninguém conhecia».

Transição para a disputa de modelo

Outra viragem na história do MST ocorreu em 2014. A agroecologia – modelo de agricultura baseado em princípios ecológicos e relações socialmente justas, sem utilização de fertilizantes sintécticos, agrotóxicos ou sementes transgénicas – já vinha a ser incorporada pelo movimento desde o início dos anos 2000. Foi no seu último congresso, no entanto, que o MST consolidou o entendimento de que o enfrentamento ao agronegócio é, para além da disputa pelo pedaço de chão, uma disputa de modelo, sobre como se trabalha naquela terra.

«Entendemos que não faz sentido a defesa de uma reforma agrária puramente distributivista e produtivista, ao estilo clássico. Mas que no Brasil, pelas condições características, precisaríamos de avançar para outro tipo, sim de reparto fundiário, mas pensando de outra forma a questão ecológica, produtiva, alimentos saudáveis e assim por diante», explicou Gilmar Mauro. «É um salto de qualidade imenso», frisou.

Em 2024, o 7.º Congresso Nacional deve sistematizar o próximo salto. «Essa é uma grande expectativa», disse Ceres Hadich: «acertar na síntese que vai apontar por onde vamos caminhar nos próximos anos.»

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Nestes quarenta anos a luta, como destacou ao final da década de 1990 João Pedro Stédile, uma de suas mais importantes lideranças, o MST teve e tem que enfrentar três cercas: a do latifúndio, a da ignorância e a do capital. Desde sua fundação como movimento orgânico, bravamente avançou na ruptura das duas primeiras cercas. A terceira, a do capital, desde os debates da Reforma Agrária Popular o MST sinaliza que esta é uma questão a ser coletivamente enfrentada por todos os movimentos do campo e da cidade que queiram alimento saudável e futuro minimamente previsível.

O que se tem de Reforma Agrária nestes 40 anos é o rompimento das cercas do latifúndio improdutivo ou de terras públicas apropriadas indevidamente, forçando assentamentos. Isto à custa de muito sofrimento e de muitas perdas de seus lutadores. Quando os grandes proprietários e a mídia que os representa propalam que o agronegócio dá segurança alimentar, escondem duas realidades perversas em nossa sociedade: a fome endêmica de mais de trinta milhões de brasileiros e de outros 170 milhões com insuficiência alimentar; e que uma reforma agrária como a maioria das nações civilizadas já fez, com pequenas e médias propriedades com assistência técnica com base na ciência da agroecologia, produziria a mesma quantidade ou mais, dando-nos soberania alimentar.

«Quando os grandes proprietários e a mídia que os representa propalam que o agronegócio dá segurança alimentar, escondem duas realidades perversas em nossa sociedade: a fome endêmica de mais de trinta milhões de brasileiros e de outros 170 milhões com insuficiência alimentar»

Mas, certamente, é no enfrentamento da cerca da ignorância que o MST é amplamente vitorioso e exemplar para o conjunto da sociedade. Nestas quatro décadas, o MST afirmou a tese da educação «do campo» e não para ou no campo. «Do campo» para superar uma dupla deformação: a de um ensino e processos formativos colonizadores e de uma educação que ignorava que os campesinos são sujeitos de cultura, de conhecimento e, portanto, o ponto de partida do processo pedagógico para uma formação por inteiro. Um processo, como afirma Roseli Caldart, educadora do MST em seu clássico livro Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola (Petrópolis/RJ, Editora Vozes 2000), que não começa na escola, mas na sociedade e retorna para a sociedade.

Esta é a perspectiva de educação, realçando os valores do coletivo, da solidariedade, do princípio do trabalho socialmente útil como tarefa de todos que se pautam nas escolas dos assentamentos. A construção da Escola Nacional Florestan Fernandes, referência mundial de formação de novas lideranças, tem este DNA. Desde o processo de construção, deu-se pelo trabalho coletivo e solidário de brigadas de jovens e adultos campesinos e se repete em todas as atividades formativas que lá se realizam.

Com a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) em 1998, e especialmente ao longo dos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores (PT), deu novas perspectivas para os jovens do campo. A perspectiva da educação «do campo» penetrou os umbrais das universidades, especialmente as públicas, criando centenas de cursos de licenciatura do campo, alguns programas de pós-graduação com esta modalidade, formação de pesquisadores, etc. Um passo ainda mais importante foi a criação da Universidade Fronteira Sul, fruto da luta coletiva do MST e de outros movimentos sociais do campo. Em nenhum desses espaços o «céu é de brigadeiro». Pelo contrário, move-se no duro e cotidiano embate da luta de classe.

«MST afirmou a tese da educação "do campo" e não para ou no campo. "Do campo" para superar uma dupla deformação: a de um ensino e processos formativos colonizadores e de uma educação que ignorava que os campesinos são sujeitos de cultura, de conhecimento»

O fechamento do Pronera pelo governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro (PL) e a patética e desmoralizada CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] contra o MST são o reconhecimento de que o que se plantou e ampliou nestes 40 anos não vai ser interrompido. Mais que isto, o horizonte da Reforma Agrária Popular para o conjunto da sociedade brasileira tem como interpelação e exigência um projeto de educação sob a direção dos trabalhadores do campo e da cidade. Esta é a diretriz que nos lega o patrono do MST Florestan Fernandes.

«O que a Constituição negou, o povo realizará. Mas ele não poderá fazê-lo sem uma consciência crítica e negadora do passado, combinada a uma consciência crítica e afirmadora do futuro. E essa consciência, nascida do trabalho produtivo e da luta política dos trabalhadores e dos excluídos, não depende da educação que obedeça apenas à fórmula abstrata da 'educação para um mundo em mudança', mas sim da educação como meio de autoemancipação coletiva dos oprimidos e de conquista do poder pelos trabalhadores» (Florestan Fernandes, O desafio educacional. São Paulo, Editora Expressão Popular, 2020, p. 29).

Um viva os 40 anos do MST e às bravas e bravos lutadores que dia a dia o sustentam e o ampliam.


Gaudêncio Frigotto é filósofo e educador. Professor titular emérito aposentado na Universidade Federal Fluminense. Actualmente professor colaborador no Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) e no Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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