No silêncio da noite, irrompem, pelo pensamento, todos os problemas da nossa vida. Chamam-lhe insónia. A agitação surge à medida que reflectimos no desdobrar das dificuldades enfrentadas. Viramo-nos para um lado, para o outro, e pelo o meio há um longo e profundo suspiro que soa a desabafo.
A prestação da casa, as contas da água, a luz, o gás, a creche do mais novo, a roupa para o mais velho, o carro que precisa de ir ao mecânico, os planos prometidos e eternamente adiados, tudo isto nos assombra. Ecoa na cabeça um «pai, pai, quando é que vamos ao zoo», um «vim agora do supermercado, paguei imenso e só trouxe isto», um «se calhar este ano não vamos de férias».
Ficámos privados do sono durante a pandemia. Ficamos privados do sono durante a inflação. Os que nos impõem dificuldades, os que defendem tudo privado, conseguem até este fenómenos de fazer com que fiquemos privados do sono porque estamos privados da nossa própria vida.
É quando nos levantamos pela calada da noite, calados para não acordar ninguém, e nos dirigimos à cozinha para ver se um copo de água afoga estes pensamentos que nos questionamos do porquê disto tudo. Do porquê de estarmos nós a passar dificuldades e um CEO qualquer, à custa do custo de vida que nos impõe, consegue sem qualquer custo garantir tudo aos seus. Dormir, para ele, não custa.
Mais uma vez suspiramos. Acendemos um cigarro para acalmar os pensamentos e dar orientação à razão. «Não tem que ser assim», pensamos. «Não pode ser assim», confirmamos. Nada fizemos para viver desta forma, para não conseguirmos dormir, para sermos diariamente confrontados com a incerteza do dia de amanhã. Se viemos ao mundo (e nem pedimos para vir), e já cá estamos, ao menos que seja para ter uma vida digna, uma vida justa.
Acaba o cigarro. Se por um lado o fumo na cozinha se adensou, por outro, os medos dissiparam-se porque há a certeza de que nada é uma inevitabilidade. Lembramo-nos que não estamos sós a passar por isto. Que até pode haver um CEO a dormir muito bem e como ele uns quantos que fazem da sua acção a defesa dos seus interesses. Mas sabemos bem que nós, os que passamos dificuldades, o batalhão das insónias, somos muito mais que eles. Isto é o suficiente para fazer-lhes frente.
Não tem que ser assim. Não temos que viver a pensar se conseguiremos sobreviver até ao fim do mês. Não tem que ser isto. Não temos que estar a contar trocos enquanto nos tentam trocar as voltas.
Eles bem podem tirar-nos o sono, mas que não achem que estamos aqui a dormir. Lutámos, lutamos e lutaremos. Na insónia provocada pelas dificuldades pensámos em tudo e sabemos que podemos ir da rua para a cabine de voto. Lá, quando estivermos confrontados com a escolha, vamos cerrar os dentes e fechar o punho, vamos pensar nas dificuldades que impõem e, não vamos hesitar. Não vamos dar votos aos que pela direita nos querem condenar à miséria e ao ódio, vamos votar em quem luta a nosso lado por uma vida melhor.
Quiseram impor-nos a insónia, mas nunca esperaram que fosse daí que iria sair o nosso grito de revolta. Um outro momento, de entre muitos outros, em que procuramos emergir de um mundo que apodrece.
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