A terapia não deverá proporcionar qualquer resultado, devido ao grau intratável de esquizofrenia e ao nível irreversível de insensibilidade atingido, mas à União Europeia e seus dirigentes formalmente eleitos e não eleitos resta apenas, como derradeiro e desesperado caminho para alguma sanidade mental, a procura do divã de um psicanalista.
Não seria vergonha nenhuma admitirem publicamente as patologias mentais que os atingem; vergonha é o que estão a fazer por estes dias, susceptível de deixar os «pais fundadores» às voltas nas sepulturas, no caso de alguma vez as suas promessas e objectivos terem correspondido às reais intenções – o que também não se verifica.
Alegavam os «pais fundadores» como Jean Monnet e Robert Schuman que a supranacionalidade, a que hoje deverá chamar-se federalismo, era indispensável para desenvolver a integração europeia, além de ser a melhor maneira de «tornar a guerra impensável e materialmente impossível». Eis que agora os herdeiros desses pioneiros, construtores do federalismo, se desmultiplicam em preparativos para uma guerra que, a acontecer, devastará novamente o continente e hipotecará o futuro de várias gerações de europeus. Sequestrar as soberanias deu no que deu.
O conflito desejado pelos membros da União Europeia mais o Reino Unido, como se o Brexit nunca tivesse existido, seria certamente o suicídio da organização, e daí não viria mal ao mundo, antes pelo contrário, não fosse sangrento e arrasador o caminho escolhido. Dramático é o facto de a guerra pretendida pelas «democracias liberais» para salvar o regime podre de Kiev, em desagregação mas ainda manobrado por nazis saudosos de Hitler, possa vir a sacrificar directamente milhões de jovens europeus e espalhar a fome, a miséria, a destruição e desespero através de todo o continente.
Os irresponsáveis dirigentes da União Europeia sabem que não têm dinheiro, nem armas, nem efectivos humanos para fazerem de cavaleiros andantes e avançar de peito feito para desafiar a Rússia, uma potência cujo poder militar, Zelensky o diz, «seria capaz de tomar conta da Europa em poucos dias». Mais irresponsavelmente ainda, os autocratas europeus querem reunir 800 mil milhões de euros para militarizar o continente, acabando de vez com o pouco que resta dos «estados sociais».
O chefe do nazi-banderismo, há muito fora de prazo, estará certamente a exagerar na sua avaliação do exército russo, que há pouco ainda dizia estar «na Idade Média». O seu objectivo é tentar alarmar os parceiros europeus, de modo a que peregrinem a Washington rogar ao pai desavindo que volte atrás, junte os cacos da NATO e reassuma as responsabilidades de tutela que lhe foi outorgada pelos «pais fundadores» da integração europeia.
A situação actual demonstra que os imberbes chefes europeus não são capazes de orientar-se sem a mão condutora dos Estados Unidos da América. Esse foi o seu modo de vida desde a Segunda Guerra Mundial, adoptado sem qualquer consulta aos povos; e agora que Washington ameaça voltar as costas, eis que a união nascida para tornar «impossível a guerra» entrou em estado de guerra logo que ficou entregue a si própria.
Uma vida assente numa grande mentira
A União Europeia e os seus dirigentes sofrem de formas agudas dos principais sintomas de esquizofrenia descritos pelos especialistas: alucinações – a principal das quais é, desde tempos imemoriais, a da «ameaça russa» e respectivas variantes; discurso confuso, muitas vezes sem fazer sentido – o pão nosso de cada dia, acrescido pela mentira contumaz; incontáveis repetições de movimentos – a sucessão das actuais e inconclusivas reuniões de guerra não podia ser mais explícita; isolamento social e disfunção cognitiva – nenhuma instituição como a União Europeia se fecha numa bolha estanque, distorce a realidade e manifesta tão ostensivo desprezo pelos povos e pelos seus direitos sociais. O paralelismo aqui deixado não passa de uma alegoria mas condiz, ponto por ponto, com a vida real.
Estes problemas são de nascença, o que os torna irresolúveis. A integração europeia foi criada com base em pretextos alegados pelos «pais fundadores» que não correspondiam às verdadeiras razões invocadas para o seu nascimento e desenvolvimento; e, sobretudo, sem qualquer vínculo às realidades que existiam e continuam a existir no continente. Uma abstracção, uma aberração.
Winston Churchill, um ultraconservador que chegou a parecer mais norte-americano que britânico disse: «Ao construir uma espécie de Estados Unidos da Europa centenas de milhões de trabalhadores poderão recuperar a alegria e a esperança simples que fazem a vida valer a pena».
«Estados Unidos da Europa» foi uma das várias designações da integração europeia a que recorreram os dirigentes considerados «pais fundadores», como os franceses Jean Monnet e Robert Schuman, o italiano Alcide de Gasperi, o alemão ocidental Konrad Adenauer e o belga Paul-Henri Spaak. A sua missão foi considerada de tal maneira transcendente que o Vaticano está a construir altares para os santos Robert Schuman e Alcide de Gasperi. Por enquanto já são «beatos» e «servos de Deus», pelo que, postas as coisas neste pé, a União Europeia é fruto de um milagre e foi abençoada à nascença.
Porém, até as artes milagreiras têm as suas imperfeições, porque os homens podem ser santos mas não são deuses. A ideia de «Estados Unidos da Europa» nunca poderia funcionar. Iguala realidades que não podem ser sobreponíveis: ignora a profundidade, a antiguidade e a ampla diversidade da cultura europeia, pretendendo nivelá-la pela cultura rudimentar de um país sem história nativa – a que existia foi arrasada com a maior das crueldades; passa levianamente por cima do riquíssimo mosaico de povos europeus, histórica, étnica e nacionalmente diferenciados por uma multiplicidade de línguas e dialectos, uma aguarela de tradições com particularidades próprias e únicas, uma pluralidade sem par de origens das nações – algumas das quais ainda são mantas de retalhos –, essências populares e sensibilidades religiosas. O contrário dos Estados Unidos da América.
«"Estados Unidos da Europa" foi uma das várias designações da integração europeia a que recorreram os dirigentes considerados "pais fundadores", como os franceses Jean Monnet e Robert Schuman, o italiano Alcide de Gasperi, o alemão ocidental Konrad Adenauer e o belga Paul-Henri Spaak.»
Pretender promover uma integração supranacional deste caleidoscópio continental da mesma maneira que foram agregados, com vínculos federais, os Estados artificiais que integram os Estados Unidos da América, homogéneos entre si em quase todas as características que os definem, seria coisa de lunáticos se não se desse o caso de saberem o que estavam a fazer – precisamente o contrário do que diziam, cultivando a mentira. «Estados Unidos da Europa» não passava de uma imagem propagandística fácil de assimilar e que, na prática, traduzia o domínio dos Estados Unidos da América sobre o continente. Esse é o papel de ficção que as organizações criadas para pôr em prática a integração europeia têm desempenhado até agora.
O federalismo europeu, desde o nascimento, nada tem a ver com preocupações democráticas e muito menos com os direitos sociais e dos trabalhadores. Foi imposto aos povos de cima para baixo, por uma elite sem quaisquer vínculos populares que tinha como missão escondida, embora com a cauda de fora, garantir a tutela de Washington sobre o espaço europeu; tornar a supranacionalidade europeia como um contraponto «de liberdade» à União Soviética e ao campo socialista; afirmar-se como uma arma estratégica da guerra fria e conter, se necessário pela força e pela conspiração (Gládio, aparelho clandestino da NATO), as movimentações populares, partidos, organizações de massas e sindicais que divergissem, criticassem e combatessem os mecanismos de imposição de um sistema político-económico-militar único e, no limite, totalitário. Tudo sob o disfarce de «mundo livre» – o capitalismo monopolista, actualmente na sua versão de fundamentalismo neoliberal.
Jean Monnet disse: «Não haverá paz na Europa se os Estados forem reconstituídos com base na soberania nacional» e tudo o que isso implica.
Churchill, em consonância, assegurava que «só uma Europa unida pode garantir a paz» e apenas a supranacionalidade será capaz «de eliminar os males europeus do nacionalismo e do belicismo.»
O chanceler alemão, o ultradireitista e militantemente anticomunista Konrad Adenauer, defendeu que a maneira de «reconciliar as nações é integrá-las numa associação supranacional.»
O teste do Plano Fouchet
A gigantesca falsidade do projecto de União Europeia foi desmascarada logo no primeiro teste que enfrentou, quase contemporâneo do seu lançamento. A intervenção directa norte-americana no confronto que então se travou entre dois projectos antagónicos de associação dos países europeus deixou claro que a única motivação dos «pais fundadores» era mesmo assegurar a tutela de Washington sobre todos os desenvolvimentos que vieram desembocar na União Europeia.
Em 1962, o presidente francês Charles de Gaulle patrocinou o chamado Plano Fouchet, baptizado com o nome do embaixador de França na Dinamarca, encarregado de o apresentar publicamente.
Esta proposta era antagónica, ponto por ponto, do projecto norte-americano de integração europeia. De Gaulle, de facto preocupado com as ameaças de dissolução da soberania francesa no caminho seguido até então, desde a fundação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, jogou uma cartada para travar o processo.
O Plano Fouchet defendia uma solução intergovernamental que devolveria o poder de decisão aos Estados-nação. Previa uma União de Estados em forma de União Política intergovernamental que respeitasse a soberania dos membros e dispensasse a influência dos Estados Unidos na Europa, tanto política como militar.
Além disso, o Plano Fouchet defendia o princípio de que a União de Estados deveria ter em conta questões culturais e sociais.
«A gigantesca falsidade do projecto de União Europeia foi desmascarada logo no primeiro teste que enfrentou, quase contemporâneo do seu lançamento. A intervenção directa norte-americana no confronto que então se travou entre dois projectos antagónicos de associação dos países europeus deixou claro que a única motivação dos «pais fundadores» era mesmo assegurar a tutela de Washington sobre todos os desenvolvimentos que vieram desembocar na União Europeia.»
A proposta de De Gaulle lançava ainda a ideia de uma Política Externa e de Defesa comum que tivesse em conta os interesses de todos os membros. Para assegurar a emanação democrática dessa União, os promotores do plano defendiam a realização de referendos em todos os Estados que viessem a ser membros.
Os «seis», incluindo o próprio governo francês, a Alemanha Ocidental, a Itália e o Benelux – Bélgica, Holanda e Luxemburgo –, deixaram imediatamente cair as máscaras; o edifício de pretextos para a «sua» integração desmoronou-se pela base, o rei ia nu mas a dicotomia posta em debate acabou por esfumar-se nos bastidores da «alta política» e, já nessa altura, com apoio da propaganda por via mediática. Os povos continuariam, até hoje, a estar a leste de tudo, sem que lhes fosse facultada, uma única vez, a possibilidade de terem a palavra, pelo menos em relação à soberania dos seus países. A falsificação absoluta da democracia.
Os responsáveis directos pelo projecto de tutela norte-americano condenaram o plano alternativo do presidente francês por «não valorizar a adesão à NATO ao propor uma política de defesa comum sem os Estados Unidos». Na Alemanha, Konrad Adenauer advertiu que referendos nem pensar, porque «são inconstitucionais». E o Plano Fouchet passou à História.
Por definição, a integração europeia teria de funcionar segundo os interesses políticos, económicos e militares dos Estados Unidos. De tal maneira que bastou agora Trump ameaçar a União Europeia de ficar entregue a si própria para o edifício europeu começar a ruir como o castelo de cartas que realmente é.
Voz grossa sem cordas vocais
A supranacionalidade reanimou nacionalismos, populismos, belicismo e militarismo. A possibilidade de retirada de Washington devolveu a guerra ao primeiro plano. Em situação de «orfandade», os interesses de cada um dos 27 chocam-se cada vez mais, o pandemónio e as fratricidas lutas de egos apenas começaram. Tudo o que eram ideais fundadores foram renegados, mesmo sendo oportunistas, manipuladores e acarretassem a exploração desmedida. Eram uma grande mentira, uma cenário paralelo que não resistiu à realidade quando o pretexto real deixou de existir – a tutela dos EUA.
Quanto aos ideais não confessados, a integração europeia como instrumento da guerra fria e a garantia do poder norte-americano sobre a Europa parecem ser um conjunto vazio, salvaguardando sempre a hipótese de Trump mudar de ideias e reanimar a NATO, como está a acontecer. A gravíssima situação actual criada pelas provocações da aliança no Báltico e no Mar Negro são mais do mesmo, como se o novo catavento da Casa Branca não estivesse activo.
«A supranacionalidade reanimou nacionalismos, populismos, belicismo e militarismo.»
Apesar do fracasso absoluto das finalidades, reais ou fingidas, a União Europeia (UE) deixou obra: desindustrializou o continente, inventou a «economia verde» para que todos andemos entretidos com rituais que em nada travam a degradação ambiental, fez depender a própria existência do colonialismo norte-americano e dos humores, pouco favoráveis, das potências que estão a construir a nova ordem mundial multipolar para enterrar a totalitária «ordem internacional baseada em regras». A UE está isolada e em estado de guerra.
Voltemos às citações de Churchill. Dizia que os países da Europa «são demasiado pequenos para prosperarem isoladamente». Ao cabo de 70 anos de integração europeia, porém, os pequenos e médios países foram engolidos pelo federalismo neoliberal, a prosperidade é uma mentira transformada em imagem de propaganda, nunca existiu tão profunda desigualdade social no continente, a austeridade imposta pelos interesses financeiros, económicos e militares – para os quais as várias etapas de «união europeia» foram criadas – continua a arrastar centenas de milhões das pessoas das classes média e baixa para os terrenos insalubres da miséria e da indigência. E agora para campos de morte.
Além disso, segundo os «pais fundadores», só o federalismo ou correspondente desaparecimento das soberanias nacionais poderia erradicar nacionalismos, populismos e outras maleitas sociais. Afinal, o combate às soberanias não apenas reanimou esses velhos fantasmas que deixaram marcas tão negras no Continente como continua a empurrá-los para o topo daquilo que é o regime de sonho do neoliberalismo, o fascismo. Nada que, no dia-a-dia actual, incomode a União Europeia porque, no fim de contas, tudo o que está em causa é garantir o funcionamento e os proveitos máximos e totalitários do neoliberalismo.
«A União Europeia, perante o risco de deserção dos Estados Unidos, não sabe o que é, nem o que dizer, nem o que fazer, sobra-lhe a guerra; quer falar grosso, como um adolescente na puberdade que não pode contar com os pais, mas não possui cordas vocais para isso (...).»
Durante o escasso período de meses em que a alternativa do Plano Fouchet ainda esteve em discussão, os «seis» da então CEE manifestaram inquietação porque tais ideias «poderiam tirar poder à Comissão», precisamente o órgão não eleito que corresponde à vocação absolutista da União. A Holanda ou Países Baixos, um inútil jogo de nomenclatura, esconjurou até o plano de De Gaulle porque «subvertia a NATO», pecado capital no processo de integração. Nada pode ser mais claro sobre a grande mentira das motivações que justificavam o desenvolvimento de uma integração europeia.
A União Europeia, perante o risco de deserção dos Estados Unidos, não sabe o que é, nem o que dizer, nem o que fazer, sobra-lhe a guerra; quer falar grosso, como um adolescente na puberdade que não pode contar com os pais, mas não possui cordas vocais para isso; esforça-se por andar pelos próprios pés mas ainda não cortou o cordão umbilical. Tudo é falso desde o início e o choque com essa realidade é traumático e fatal.
A União Europeia pode procurar o divã do psicanalista, mas só um milagre dos santos fundadores lhe poderá valer. Não passa de um cadáver adiado, um zombie à deriva mas irresponsável, por isso muito perigoso. A Europa só será Europa quando se livrar da União Europeia.
Façamos votos, mas sobretudo lutemos para que, quando isso acontecer, não seja através da guerra.
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