No início de Junho, Hillary Clinton assumiu-se como candidata do Partido Democrata às eleições presidenciais nos EUA, a ter lugar a 8 de Novembro. Desde logo sublinhou o carácter histórico de ser a primeira mulher nomeada por um grande partido. Este último elemento é relevante, pois a primeira mulher candidata, nomeada pelo Partido Direitos Iguais, foi Victoria Woodhull, em 1872, ainda antes das mulheres poderem votar, algo que só foi conseguido por inteiro em 1920. Enquanto Woodhull foi uma importante sufragista, cuja plataforma política assentava nos direitos das mulheres, a eleição de Hillary nada garante às mulheres.
É a própria experiência de Hillary que o ilustra. Em 1986, ela foi a primeira mulher eleita para o Conselho de Administração da Walmart, a maior empresa de retalho do mundo, que emprega mais de oitocentas mil trabalhadoras nos EUA, mas nada fez para reduzir as diferenças salariais entre mulheres e homens (ou para aumentar os baixos salários).
O recente livro «Hillary Clinton, Rainha do Caos» (Editora Página a Página) de Diana Johnstone oferece-nos um importante retrato do que podemos esperar desta candidata caso venha a chegar à Casa Branca, em particular no que toca a relações externas dos EUA.
Mais que uma biografia, trata-se de um livro de história dos últimos 30 anos, com particular enfâse no papel dos EUA como potência imperial, analisando algumas das mudanças de estratégia dos EUA que decorreram após o desfecho da guerra fria, e apontando o papel que Hillary foi desempenhando neste período (como primeira dama, ou co-presidente, depois como Senadora, com uma importante posição na Comissão das Forças Armadas, e finalmente como Secretária de Estado de Obama).
Mas o papel de Hillary não é exagerado: Johnstone reconhece que existem forças maiores que meras ambições pessoais, em particular um sistema militar-industrial-financeiro cuja influência extravasa as linhas divisórias entre os principais partidos no sistema estado-unidense.
Segundo Johnstone, os EUA não são um império de conquista, expansão e absorção, mas «um império irresponsável», que devasta países, criando caos. Neste quadro, Clinton merece o distintivo de Rainha do Caos, pelo seu apoio à guerra na Jugoslávia e no Iraque, a sua postura face à Síria e ao Irão, e em particular o seu papel no assalto à Líbia, «uma guerra mesmo dela».
Hillary pode aí implementar o que veio a denominar «poder inteligente» (smart power), que Johnstone traduz como «hipocrisia e manipulação», nomeadamente, nas palavras de Clinton, «uma combinação acertada de ferramentas diplomáticas, económicas, militares, políticas, legais e culturais». Um vale tudo em que a pretexto de «democracia» e «direitos humanos», esvaziados de qualquer conteúdo, se alega legitimidade para intervenção em qualquer país.
Hillary já fez uso de todas as tácticas imperiais de mudança de regime: recorrer à acusação de genocídio (como na Jugoslávia) e ser como Hitler (aplicado a Milosevic, mas também a Assad e Putin) como forma de anular possibilidades de diplomacia; imposição de sanções; apoio a clientes locais, como o financiamento e fornecimento de armamentos aos chamados rebeldes líbios ou sírios; sabotar esforços diplomáticos (na Líbia, todas as tentativas de compromisso, cessar fogo, inclusive a disponibilidade de Kadhafi para se retirar e aceitar um governo de transição, foram recusadas pela Hillary, agindo até contra o Pentágono, onde havia tentativas de uma solução negociada que evitasse uma escalada); e acção militar directa para dividir estados e mudar regimes.
Acções deste tipo, acima da lei, são justificadas pelo excepcionalismo dos EUA. Mas Clinton vai mais longe. Os EUA não só têm legitimidade para agir como muito bem entenderem, como têm essa responsabilidade de proteger (R2P), reconhecido o princípio organizador da sua política de relações estrangeiras.
Johnstone dá-nos uma riqueza de informação sobre as acções políticas de Clinton, alguns dos seus financiadores (como Haim Saban, fervoroso pró-Israelita), e as pessoas com quem trabalhou de perto, agora em posições de destaque, como Susan Rice, Victoria Nuland, ou Samantha Power, actual embaixadora dos EUA às Nações Unidas. Clinton é a candidata do «Partido da Guerra» e uma sua presidência augura renovadas ameaças à paz mundial.
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