No início da redação destes textos, considero pertinente anunciar que é neste continente (e insisto na metáfora espacial) que pretendo efetuar um percurso, procurando trilhar caminhos menos percorridos, assim como observar outros mais conhecidos, a partir de perspetivas diferenciadas, tentando igualmente não obliterar alguns domínios ainda inexplorados.
Não é meu intuito, contudo, traçar uma cartografia rigorosa, pois este espaço demonstrou já ser contrário à imposição de fronteiras absolutamente delimitadas e estanques. A natureza plurifacetada do cinema confere-lhe características não expansionistas, mas agregadoras, que unificam regiões díspares e, por vezes, conflituais, mobilizando-as para a configuração de um mundo novo que, não obstante, permite a permanência das idiossincrasias de cada uma destas.
A reflexão que aqui trarei basear-se-á em autores consagrados e noutros mais recentes, procurará eleger tanto os mais consensuais, como os mais controversos, e tentará selecionar problemas e debates associados ao momento presente, sem contudo deixar de os enquadrar em anteriores discussões.
Situar-me-ei também no debate já clássico entre aqueles que procuram atribuir ao cinema o estatuto de arte e os que o definem como indústria, não para extrair um resultado desta querela maniqueísta, mas para ressaltar os aspetos que, na minha opinião, lhe conferem ambas as dimensões.
Ressaltarei ainda as inquietações e resultados inerentes às políticas e sistemas de produção, distribuição e exibição de filmes de diferentes cinematografias de maior ou menor expressão. Não perderei a oportunidade de alargar o pensamento a sectores mais amplos do que é convencionalmente considerado como cinema, recaindo a atenção sobre o amplo domínio da elaboração de imagens em movimento (ou cinemáticas, como frequentemente lhes chamarei), entendendo-as como as que são exibidas nos ecrãs de cinema convencionados e também as que observamos quotidianamente nos espaços públicos e comerciais, nos museus e galerias, em tablets e smartphones, na web.
Embora todos os temas associados ao cinema sejam aqui passíveis de indagação, interessa-me imensamente pensar acerca das novas características e possibilidades decorrentes da sua afetação pela digitalização.
A digitalização do cinema, iniciada na década de 1980 e ainda em curso, veio aparentemente suscitar uma mudança sem precedentes. De modo gradual, os elementos frequentes da «forma cinema» convencional foram deixando de exigir a sua presença, dificultando regularmente o reconhecimento daquele modelo.
A película foi substituída pelos formatos digitais, o que permitiu às imagens em movimento a circulação e exibição mediante novos canais. A sala de cinema deixou de ser o seu local de apresentação fundamental, passando a ser combinada com múltiplas outras possibilidades. Novos materiais e equipamentos multifuncionais, simples e de baixo custo, aliados a recentes canais de circulação de informação na Internet, criaram formas distintas de objetos audiovisuais.
Múltiplos indivíduos, muitos deles sem conhecimentos prévios sobre linguagem cinematográfica ou preparação técnica, passaram a fazer filmes e a expô-los à escala global. Face a isto grandes expectativas têm sido criadas. Uma diz respeito à ideia segundo a qual o papel clássico das indústrias culturais e dos media, que se encarregaram, desde a sua génese, da gestão e controlo dos conteúdos e circulação dos mesmos, estaria, de algum modo, a ser posto em causa.
Nesta aceção, os cidadãos, abandonando a sua posição de meros espectadores – após terem adquirido a possibilidade de serem simultaneamente produtores – haviam obtido condições para negociar o estatuto anterior daquelas entidades, opondo-lhe os seus produtos e agendas. Um outro tipo de expectativa surgiu, especificamente, entre os amadores e cineastas independentes e experimentais sem acesso nem a meios de produção sofisticados, nem a meios de difusão de ampla escala.
Neste quadro, os mesmos estariam habilitados a colocar-se a par dos restantes. Assumindo-se que o novo cenário daria oportunidades similares, tornar-se-ia possível a proliferação, não apenas das formas hegemónicas, mas também de outras distintas. Isto criaria espaço para uma ampla diversidade de formas, provenientes de várias origens geográficas e de pensamento e para o aumento da criatividade.
Importa pois discutir o novo cenário assim constituído e a efetividade e consequência das promessas que se lhe associam.
Esta é minha declaração de intenções. Espero que a relação com aqueles que passam os olhos por esta página possa ser profícua!
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