A Festa do Avante! distingue-se pela diversidade do seu programa, do debate político à gastronomia, do desporto à música, da ciência à solidariedade, do livro às artes plásticas, e incluindo também o cinema e o teatro, que assume no «Avanteatro» a sua maior expressão. Desde a 40.ª edição, em 2016, o Avanteatro localiza-se junto à nova entrada da Quinta do Cabo, o que vem proporcionando maior isolamento acústico e fruição dos espectáculos. Como vem sendo hábito, o programa é variado, incluindo dança, cinema, música, teatro infantil, debate, espectáculos de rua.
A programação inclui duas justas e oportunas homenagens a propósito do centenário do nascimento de Romeu Correia e dos 150 anos do nascimento de Raul Brandão. Nesta resenha, destacamos os espectáculos integrados nestas homenagens.
Luíz Rebello descreve Romeu Correia, falecido em 1996, como um «escritor de raiz autenticamente popular, arrancando os seus temas (dramáticos e narrativos) à sua experiência dos meios proletários e pequeno-burgueses da capital e da sua cintura». A melhor indicação da sua profunda ligação popular é ter sido, nos últimos anos da sua vida, o dramaturgo mais representado por grupos amadores de teatro em Portugal. Na sua extensa obra literária, que inclui contos, romances e peças de teatro, vemos reflectido os movimentos neo-realista e expressionista, aliados à teoria brechtiana, tratando frequentemente temas políticos. Com uma forte ligação à cena teatral em Almada — a sua sua peça de estreia, Razão, foi representada pela primeira vez em 1940 por um grupo amador de Almada — o Município honrou este seu filho dando o seu nome ao Fórum Municipal.
A programação do «Avanteatro» inclui duas obras suas. A peça O Cravo Espanhol (1969), com encenação de Maria João Luís, insere-se na exploração do movimento neo-realista Português e da sua «batalha pelo conteúdo» por parte do grupo Teatro da Terra, de Ponte de Sor. Nesta peça, Correia retoma o estilo da cegada carnavalesca, inspirando-se em Picasso, Paulette Goddard, e Fellini, nas figuras do saltimbanco e vagabundo, e no ambiente do circo e da feira. Segundo o próprio Romeu Correia, a peça é uma «farsa-trágica, um conflito de amor e frustração baseado nas cegadas carnavalescas dos anos vinte. História dialogada numa linguagem directa e rude, sem papas na língua, como acontecia nos espectáculos de rua desses tempos».
Boneco de Luz é uma adaptação do romance de 1961 para teatro, com encenação de Rodrigo Francisco, centrando-se noutras figuras de vagabundos e seu confronto com ilusão e evasão da figura de vagabundo projectada no ecrã, o Charlot.
À semelhança de Romeu Correia, que pôde retratar a cultura popular de forma tão fiel e lúcida por dela fazer parte e nela estar imerso, a Companhia de Teatro de Almada realizou os seus ensaios na Casa da Juventude de Santo Amaro, no Miratejo, tendo-se também inspirado ao conversar com os jovens que ali jogavam à bola, com o segurança, a senhora do café. Mostram assim também como o neo-realismo e suas figuras se mantêm actuais.
O segundo homenageado, Raul Brandão, não sendo sobretudo conhecido pela sua obra dramática, foi porém um importante dramaturgo, tendo completado sete peças, entre as quais O Gebo e a sombra e O doido e a morte, ambas de 1923, que demonstram a sua aguda consciência social e humana. Só muito recentemente as peças de Brandão têm sido recuperadas através da encenação por parte de grupos amadores e profissionais. A marginalidade das suas personagens, sua evasão e alienação económica, social e existência, mereceu que Urbano Tavares Rodrigues descrevesse a dramaturgia de Brandão como «documento flagrante de existencialismo avant la lettre».
A peça que brinda o «Avanteatro», Pelos que Andam Sobre as Águas do Mar, parte não de uma das peças de Brandão, mas da adaptação do seu romance Os Pescadores, também de 1923; um conjunto de crónicas que retratam suas impressões do trabalho duro e do falar dos pescadores de Norte a Sul de Portugal.
À obra de Brandão veio a juntar-se trabalho de recolha pelo grupo Galateia nas comunidades da Nazaré, Montijo, Setúbal, Olhão e Sesimbra. É deste Projecto Pescadores que resulta o espetáculo de teatro-documentário que subirá a palco, onde duas actrizes — Ana Lúcia Palminha e Suzana Branco —darão corpo e voz às histórias das comunidades pesqueiras do Litoral Português.
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