Os pequenos filmes do QuickTime

Em 1994, Manovich iniciou um projeto artístico com o propósito declarado de testar as possibilidades de produção cinematográfica originadas pela digitalização.

Créditos / postmastersart.com

Esta intenção estava bem expressa no seu título: Pequenos Filmes: Prolegómenos para o Cinema Digital – Volume I (Little Movies: Prolegomena for Digital Cinema – Volume I, 1994 – 1997).

Com a designação filmes, Manovich aludia ao cinema convencional (reforçado pelo recurso a imagens clássicas da história do cinema), com a adjetivação pequenos, remetia para a nova formulação que pretendia testar.

O projeto consistiu na elaboração e apresentação de uma série de seis pequenos objetos audiovisuais, concebidos para a web. Cada um dos mesmos caracterizava-se por uma curtíssima duração – menos de um minuto –, e uma dimensão mínima – cerca de um megabyte em espaço de disco.

A sua exibição era feita numa pequena janela de 120x100 píxeis, situada no centro do ecrã do computador, sobre um fundo negro. Para a elaboração dos filmes que compunham a série, Manovich recorreu não a registos originais, mas a segmentos de filmes célebres.

Neste exercício, o autor atribuiu um papel de relevo ao software QuickTime que utilizou para a elaboração e apresentação de todos os filmes. Descrito por Manovich como «a primeira forma de cinema digital» (1997), o QuickTime foi, durante algum tempo, observado como sinónimo de cinema na internet.

Esta ferramenta, condicionada pela diminuta capacidade de disco e velocidade de processamento dos computadores e pela pouca largura de banda de acesso à rede disponíveis na altura, apresentava várias restrições: permitia apenas construir objetos de curtíssima duração e baixa resolução, que eram habitualmente mostrados em loop em microjanelas de exibição.

Assim, no quadro de Little Movies, os elementos de pequena escala desempenhavam um papel essencial, estando presentes em múltiplos elementos. Estes, indiciados pelo próprio título da série, manifestavam-se na dimensão do ecrã, na resolução das imagens, no tamanho dos ficheiros, na duração das peças, na economia narrativa e de meios para a sua elaboração e, inclusivamente, nos próprios temas tratados.

Os filmes pequenos e destinados a uma visão individualizada no computador traçavam ainda um paralelismo com uma outra forma cinema que não chegou a concretizar-se, a proposta elaborada por Thomas Edison de um cinema mínimo para visionamento individual: o quinetoscópio.

Na declaração de intenções do seu projeto, Manovich afirmou querer transformar essas limitações numa nova estética. Uma análise dos objetos que o compõem permite compreender o papel atribuído à questão da pequena escala como elemento indutor daquela. Em n.º 3 A Single Pixel Movie, o terceiro filme da série, observamos, num registo concebido inicialmente para o quinetoscópio, um homem que faz exercício com um bastão.

Em simultâneo, ouvimos uma música que parece acompanhar o ritmo do movimento. Após um sinal sonoro e um clarão luminoso, a perceção da cena altera-se: a imagem torna-se mais pequena e a música menos audível. O mesmo ocorre repetidas vezes até que a imagem assuma a dimensão de apenas um píxel, a unidade mínima de composição da imagem digital.

No quarto filme, n.º 4 Classic Cinema I, temos acesso a um registo sonoro de um diálogo de Psico, mas a imagem é apresentada pixelizada, impedindo o seu reconhecimento visual. No seguinte, n.º 5 Classic Cinema II, assistimos à famosa cena do duche de Psico, de forma fragmentada: uma cortina negra impõe-se à imagem, deixando apenas ver pequenos elementos da cena, através de uma janela de tamanho variável que opera como orientadora do olhar do espectador.

Num texto escrito em 1999, «Nostalgia for a digital object: regrets on the quickening of QuickTime», a teórica do cinema Vivian Sobchack, manifestava crer, tal como Manovich, no contributo do QuickTime para a constituição de uma escrita cinematográfica alternativa à sua forma dominante.

Por essa razão, a autora declarava a rejeição da designação filmes (movies), usada para aludir aos seus objetos, já que lhes observava características distintas. O argumento fundamental da autora, tal como o do projeto artístico de Manovich – que Sobchack citava na sua análise –, consistia em defender as formas de cinema alternativas, caracterizadas pela miniaturização, surgidas com a digitalização.

Aquilo que outros, como referia a autora, observavam como um «primitivismo cinematográfico», ou seja, as características aparentemente limitadas, minimalistas, do QuickTime, eram, na sua perspetiva, a novidade que distinguia o cinema daquele período do do anterior. Por isso, afirmava:

«não quero que os 'filmes' do QuickTime se tornem mais rápidos. Também não quero que se tornem maiores. Mais ainda, dado o valor e prazer que encontro na sua temporalidade fragmentada e no seu espaço intensamente condensado, não quero que atinjam o momento do 'tempo real' e da 'imagem real' – medidos, apesar de não terem de estar sujeitos a essa obrigação, de acordo com o padrão e por analogia com o cinema. (...) Em suma, não quero que estas se transformem em cinema verdadeiro.»

No entanto, como o título do artigo sugeria de modo claro, esta defesa era já feita em forma de elegia. A autora concedia que era «só uma questão de tempo (...) e de compressão e de memória e de largura de banda» até que o novo medium assumisse a forma do cinema convencional.


A autora escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990

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