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Os Santos somos nós!

A expulsão em larga escala de famílias das suas casas e redes de vizinhança, transformam este período dos Santos numa oportunidade para reflectir sobre a realidade dos nossos bairros e da cidade de Lisboa. 

Créditos / Lume & Ar

Lançamo-nos ao baile e para nos perdermos nas ruas de Lisboa, nas suas teias de música, de que são feitas as vidas que a habitam. Lisboa mestiça, mulata, transatlântica e multicultural, uma imensa babel de línguas e músicas que fazem da capital um emaranhado colorido que nos dias de festa se desenrola e escorre pela cidade.

Soltamos as danças e a festa na cidade, através da música que hoje aqui se faz, canções que poderíamos ouvir nos bailes e arraiais da cidade por estes dias, dominados contudo por uma única forma de expressão. Saímos para a rua, sem perder a consciência de que os Santos populares são as pessoas que os fazem.

 É Junho em Lisboa e todos os caminhos vão dar aos Santos. Os Santos populares, as festas genuínas dos bairros tradicionais e das gentes que as habitam, transformam a cidade e fazem dos seus bairros mais típicos, locais de romaria festiva de toda a cidade que por estes dias se assemelha a uma grande aldeia.

Mas este é sobretudo um momento para lembrar que vivemos um tempo em que esta cultura popular é atacada no seu centro mais vital. No seu direito à habitação, ao local, à família e à sua organização geográfica no bairro. 

A expulsão em larga escala de famílias das suas casas e redes de vizinhança, transformam este período dos Santos, além de um especial momento de festa, numa oportunidade para reflectir sobre a realidade dos nossos bairros e da cidade de Lisboa. 

A generalização de palavras como «gentrificação» ou a centralização da economia local no turismo e a sua valorização permanente como uma indústria central para a economia, escondem por detrás de conceitos genéricos de palavras de raiz economicista o essencial do dia a dia destes bairros e das suas populações.

A realidade dos despejos, das expulsões em massa, do corte das gentes com o seu meio, a destruição dos laços destas populações e da própria identificação cultural dos bairros que elas habitam, tudo alimentado pela mera satisfação dos interesses privados e de uma minoria, baseada na especulação imobiliária.

Hoje ouvimos, já sem tremer, que grupos de marchas históricos como o Castelo correm o risco de se extinguir, porque apenas ali existem neste momento dez a 12 residentes. Uma mancha negra a ensombrar uma festa onde deveriam ser as pessoas e os seus bairros o seu centro principal, e não os números das vendas das marcas de cerveja, do turismo ou da especulação imobiliária.

Os Santos somos todos nós, as pessoas. E se as músicas que ouvimos nos podem ajudar ao baile, procuramos na actual produção nacional músicas do bairro, música de festa, músicas de fim de festa e músicas de vidas que hoje aqui se cruzam, para além dos habituais hinos a apitar os mesmos comboios de sempre.

Lançamo-nos ao baile com um novo repertório, o dos «poetas bailadores de agora», para que amanhã a música possa ser outra.

A fazer a festa desde 2004, por onde quer que passa e sem deixar ninguém indiferente, a Kumpania Algazarra prepara-se para levar a festa para as pistas de dança, através do sopro poderoso de uma das mais consistentes e respeitadas brass bands nacionais.

Misturando estilos como quem desafia a ressaca, fiéis à tradição mirabolante das fanfarras e saltimbancos, condenados a emborcar do alambique das culturas dos povos, a Kumpania Algazarra prepara-se para lançar o sexto álbum de originais. As festas de Verão têm aqui o seu primeiro hino, nesta fusão de canção soul, electro-swing e euforia balcânica.

A electrónica portuguesa descobriu a pólvora que faz incendiar as pistas de dança da juventude por esse mundo fora, através do duo Karetus, de André Reis e Carlos Silva. Mas a fusão da sua música de dança absoluta com a linguagem do funaná de Cabo Verde é um verdadeiro cocktail explosivo para os bailes, que a voz doce de Dino DSantiago apenas nos faz sonhar como se estivéssemos a dançar nas areias das praias cabo-verdianas.

Com os pés na terra quente na música de Cabo verde, os Fogo Fogo acabam de lançar ao mundo os seus primeiros originais que prometem incendiar os bailes e arraiais do Verão quente de 2018, a todos os que perseguirem o EP a editar neste mês de Junho. 

Sem sair de Lisboa viajamos até Cabo Verde com o vulcão do funaná a acordar a dança.  

Donatello Brida é um músico italiano, já há largos anos a residir em Lisboa. A sua interpretação do Tango só tem paralelo com a tragédia quebrada do fado de Amália ou no imaginário fantástico do cinema de Fellini.

Nas ruas de Lisboa, das suas casas e segredos, das suas pedras e traições, nascem as canções ou os lamentos de vinho e sangue, cortados a bandoneón pela voz deste italiano, lisboeta de alma e tanguedista por destino.

«Mataram a Mouraria», é um daqueles fados resgatados ao passado que soa a profético na voz brilhante e fina da grande cantora Maria Teresa de Noronha. Um grito cantado na revolta de uma tradição que não se perde, porém sempre se transforma com a cada vez mais ausente presença dos tradicionais hábitos dos bairristas de Lisboa, hoje substituídos por cosmopolitas hostéis, hoteis, alojamentos para turistas e condomínios de luxo.

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