O ano letivo de 2017/2018 está a ser um ano de forte reivindicação por parte dos professores, sendo que a mais recente luta foi a greve às avaliações, que desde 18 de junho fez com que, das 56 257 reuniões previstas, apenas se realizassem 2604, mesmo com os diversos atropelos ao direito à greve preconizados pelo Governo, desde a instauração de processos disciplinares, circulares que desrespeitavam a lei, e a imposição de serviços mínimos. Sobre a imposição de serviços mínimos, o PS que, aquando da alteração, em 2014, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, propunha a revogação dos serviços mínimos às avaliações, é o mesmo PS que, agora, usou esse artigo para tentar decretar os serviços mínimos.
A adesão à greve é demonstrativa do descontentamento dos professores relativamente à posição do Governo sobre todo o processo de descongelamento das carreiras, expressa na reunião em que, num clima de chantagem, obrigava os professores a aceitarem a reposição de apenas dois anos, nove meses e dezoito dias do tempo de serviço, ou, então, não haveria reposição de tempo algum.
Esta greve foi uma das muitas lutas dos professores, que devem ser valorizadas e aplaudidas, pela força que tiveram e têm. É importante não esquecer também as greves realizadas em março e a manifestação de 19 de maio, que juntou em Lisboa mais de 50 000 professores.
O descongelamento da carreira dos professores tem sido fortemente noticiado e foram várias as mentiras veiculadas, que tinham apenas um intuito: colocar o resto dos trabalhadores contra os professores e afirmar que repor o direito destes era «muito caro». Aliás, é de relembrar as palavras do primeiro-ministro António Costa, num debate quinzenal em que, em resposta aos deputados das bancadas do PCP e do PEV, afirmou que os descongelamentos das carreiras não se fazem por um único motivo: não há dinheiro.
Não se pode admitir que o primeiro-ministro António Costa venha afirmar que não existe dinheiro para o descongelamento da carreira dos professores porque tem que se recuperar o IP3. Quando se sabe que há mais de 700 milhões de euros para salvar a banca, quando se sabe que pagamos 35 mil milhões euros em juros da dívida pública, que devia ser expurgada da parte ilegítima e renegociada. Ou seja, dinheiro há, não há é para os trabalhadores e para o povo português, para investir na Educação.
Outras das mentiras que são reiteradamente assumidas, inclusive pelo Governo, a de que os docentes têm uma carreira cuja progressão é automática, em que a passagem do tempo é o único critério, tem um propósito: colocar trabalhadores contra trabalhadores.
Ora vejamos, os docentes não entram automaticamente na carreira, pelo contrário, existem docentes que estão contratados a termo durante décadas, apenas entrando na carreira quando contam já com dez, vinte anos de serviço. São vinte anos com a casa às costas, com a família longe, sem estabilidade profissional, familiar e pessoal. E é esta a vida de milhares de professores todos os anos.
Mas quando entram na carreira, essa estabilidade não é, de forma alguma, automática. Estes professores, mesmo integrados nos quadros, ficam durante anos a fio à espera de uma vaga na sua área de residência, num concurso interno (que permite a aproximação à residência) que, em vez de anual, apenas se realiza de quatro em quatro anos.
Mas então como progridem os professores?
A estrutura da carreira de professor desenvolve-se do primeiro ao décimo escalão, sendo que os escalões têm a duração de quatro anos, excetuando o quinto escalão que tem a duração de dois anos. Os professores, para progredirem de escalão, têm de completar o tempo previsto para cada escalão e cumprir outros requisitos adicionais, designadamente avaliação de desempenho (mínimo de «bom»), 50 horas de formação contínua, obrigatoriedade de observação de aulas (terceiro e quinto escalão) e obtenção de vagas (quinto e sétimo escalão) que sai por portaria. Ou seja, tal como todos os outros trabalhadores, os professores são alvo de avaliação e de formação, não progredindo apenas com o decorrer do tempo. A progressão opera-se ainda ao longo do ano.
De acordo com os últimos dados da OCDE, os professores europeus, para atingirem o topo da carreira, demoravam em média 24 anos; em Portugal, se não houvesse qualquer perda de tempo de serviço, os professores demorariam 34 anos a atingir o topo. Com as perdas de tempo de serviço que ocorreram ao longo das últimas décadas, essa duração da carreira está comprometida, antes ficando entre os 43 e os 48 anos de serviço. Considerando que a carreira contributiva de um professor é de 40 anos, são muitos os professores que não chegarão ao topo da carreira.
Nos períodos de 30 de agosto de 2005 a 31 de dezembro de 2007, e de 1 de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2017 (3411 dias), os professores ficaram impedidos de progredir na carreira, à semelhança dos outros trabalhadores. Mas ao contrário dos outros trabalhadores, nomeadamente das carreiras gerais, que viram, em 2018, aqueles anos congelados serem contabilizados, aos professores isso foi-lhes negado.
No Orçamento do Estado para 2018 foi aprovado o descongelamento das carreiras de forma faseada até 2019 (de toda a Administração Pública, incluindo os professores) e a contabilização de todo o tempo descongelado nas carreiras gerais e carreiras que são alvo de avaliação (artigo 18.º) e, no artigo 19.º, «a expressão remuneratória do tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito, é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis».
Assim, enquanto no artigo 18.º, o relógio voltava a contar em 2018, o artigo 19.º obriga a contar todo o tempo de serviço em que as progressões na carreira estiveram congeladas, e que apenas o prazo e o modo de concretização da expressão remuneratória das progressões seja alvo de processo negocial com os professores.
Relativamente aos professores, as contas do Governo foram desde logo contestadas por estes, por assentaram em dados errados, nomeadamente por apenas considerarem unicamente o tempo de serviço e não o faseamento previsto no artigo 18.º, os requisitos para a progressão e o facto de esta se realizar ao longo do ano. Mais uma vez, com o propósito de enganar e de demonstrar que seria «caro» respeitar os direitos dos professores. Ora veja-se: o Governo afirmava, na altura, que a progressão em 2018 de todos os professores custaria 90 milhões de euros; todavia, e considerando aqueles requisitos, os valores descem para os 30 milhões, ou seja, os 90 milhões dariam para suportar o descongelamento de 2018 a 2020. E foi exatamente isto que o Governo veio a reconhecer no último mês.
Relativamente à recuperação do tempo de serviço, dos nove anos, quatro meses e dois dias, a que o artigo 19.º obriga, foi ainda aprovada na Assembleia da República, sem votos contra, a Resolução 1/2018, onde se estipulava que «seja contado todo esse tempo, para efeitos de progressão na carreira e correspondente valorização remuneratória».
Repor nove anos, quatro meses e dois dias, e nem menos um dia
A luta dos professores relativamente ao descongelamento das carreiras iniciou-se ainda no ano de 2017, em fase de discussão do Orçamento do Estado para 2018, quando, numa reunião com o Governo, foi assinada uma Declaração de Compromisso em que aquele assumiu que o descongelamento da carreira se operava de acordo com o previsto no atual artigo 19.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018.
Foi nessa reunião que se assumiu que o tempo a ser reposto são nove anos, quatro meses e dois dias e nem menos um dia.
Todavia, o Governo não cumpriu a sua palavra e só ontem, dia 11 de Julho, voltou a sentar-se com os sindicatos. Nesta reunião, o Governo não discutiu ainda como vão ser repostos os nove anos, quatro meses e dois dias mas, pela primeira vez, deixou cair o discurso de que nem todo o tempo seria reposto, e está disponível para negociar. É este o resultado da luta dos professores: avanços nas negociações. Mas a luta tem de continuar com cada vez mais força.
Os professores não exigem os retroativos (como referiu o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina) relativos aos nove anos, quatro meses e dois dias de congelamento e em que os professores continuaram a trabalhar na Escola Pública. Como não exigem que o tempo conte todo em 2018; pelo contrário, lançaram para cima da mesa de negociação várias propostas de faseamento.
O que exigem é que esse tempo não seja apagado, como se não tivesse existido.
A única exigência dos professores ao Governo é que este honre a palavra que deu, respeitando o compromisso que assumiu, e cumpra a lei, negociando, exclusivamente, o prazo e o modo da recuperação.
Hoje só nos cabe agradecer a estes professores por lutarem pelos seus direitos, por lutarem por uma verdadeira Escola Pública de qualidade e pela educação dos nossos filhos.
E volto a reafirmar: todo o tempo é para contar. São nove anos, quatro meses e dois dias! E nem menos um dia.
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