Rebentam as ondas de calor mais esfuziantes e de mar mais prazerosas e com elas os festivais alive de música maioritariamente anglo-saxónica na forma e internacional nos sentimentos, mais as festanças do nosso querido verão corridas pela rapadoira da normalidade onde aparecem as excepções como soe dizer-se na língua de pau politicamente correcta. Que fazer se não procurar as excepções que não precisam de o ser. Não são poucas e de boa calibragem.
Teatro, teatro, teatro: em Almada mas também em Lisboa
A começar pelos últimos espectáculos do 35.º Festival de Teatro de Almada – promovido pela Companhia de Teatro de Almada que, a propósito, celebra este ano o seu 40.º aniversário de actividade em Almada, para onde se mudou o então Grupo de Campolide – que, já lá vão muitos anos, se impôs nacional e internacionalmente no roteiro dos eventos teatrais, o que não o abrigou do desembaraço executório da guilhotina orçamental do Ministério da Cultura, que lhe deu uma valentíssima talhada a limitar os voos. Esperemos pelo próximo ano que este, em matéria de apoios às artes, é para lembrar tantas as controvérsias que provocou como os labirintos burocráticos em que se enredou, um naufrágio que nem uma bóia, atirada à última hora para minorar a tragicomédia montada pelos decisores culturais, conseguiu evitar.
A 35.ª edição do festival começou em 4 de Julho. Ainda pode ver hoje, dia 13, Hors de champ/Fora de campo, guião e encenação de Michel Noyret, espectáculo de coexistência entre a coreografia e vídeo de que resulta uma “dança-cinema para cinco bailarinos e um operador de câmara”. No Auditório do Centro Cultural de Belém, às 21h00.
L’Etat de Siège/Estado de Sítio, uma das fábulas políticas de Camus, em que um tirano proclama o estado de sítio para usurpar o poder. Um casal de jovens resiste na vanguarda dos outros cidadãos que despertam para a luta. Encenação de Emmanuelle Demarcy-Mota, uma presença habitual nos festivais de Almada. No Teatro São Luiz, dia 14, às 21h00, e dia 15, às 17h30.
Actrice/Actriz, texto e encenação de Pascal Rambert que usa um lugar-comum literário, o fim de vida de um personagem, no caso uma estrela teatral, no fim da vida visitada no seu quarto de hospital pela família, amigos, colegas de trabalho, marido e amantes, que discreteiam sobre o teatro, a vida, a morte, a liberdade, a família. Teatro Nacional Dona Maria II, dia 15, às 16h00, dia 16 às 19h00.
O teatro de marionetas da companhia Familie Flöz dirigido por Hajo Sculler têm tido grande aceitação em todo o Mundo com as suas marionetas humanas. No festival apresenta Dr. Nest, um psiquiatra colocado num hospital em que a loucura e a não loucura se misturam e as fronteiras são porosas. Um tema muito debatido, lembre-se Herberto Hélder em Os Passos em Volta: «Se eu quisesse, enlouquecia». Na Escola D. António Costa, dia 16, às 22h
O encenador húngaro David Marton, com sólida formação musical, revisita a célebre ópera de Bellini (1801-1835), A Sonâmbula, para a recriar. A história, como muitas das óperas da época, centra-se numa série de mal entendidos amorosos. Os pretextos são variegados, aqui são provocados pelo sonambulismo da personagem central semeando o caos à sua volta. No Teatro Municipal Joaquim Benite, dia 17, às 21h30, e dia 18, às 19h00.
Federico García aborda a vida e obra de Federico García Lorca (1898-1936), cruzando o flamenco e o vídeo numa simbólica viagem de comboio entre Madrid e Granada, a derradeira do escritor, antes de ser assassinado. Uma excelente biografia sonora e visual de Lorca onde se questionam as feridas ainda não fechadas pela Guerra Civil Espanhola. Encenação de Pep Tosar. Escola D. António Costa, dia 18, às 22h00.
Para o teatrólogo francês Michel Corvin, Colónia Penal, uma peça inacabada de Jean Genet que reconstitui a experiência da vivência prisional de Genet. É uma sucessão de cenas ligadas entre si marcada pela presença constante de personagens marginais que convivem, no meio do deserto, com os guardas e os administradores da prisão. Para este espectáculo João Botelho realizou um Quadro das vítimas. No Teatro do Bairro hoje, dia 13 e amanhã, dia 14, às 21h30, dias 16 e 17 às 18h00.
Nada de Mim de Anne Lygre é um jogo de espelhos entre dois amantes, uma mulher madura e um homem mais novo que se mudam para um apartamento vazio. É o inevitável confronto entre os dois, consigo com o outro e as memórias dos dois. No Teatro da Politécnica, encenação de Pedro Jordão. Hoje, dia 13 e amanhã, dia 14, às 21h00, dia 17 e 18 às 19h00.
Homenageada pelo Festival de Almada em 2007, Carmen Dolores é o centro de Actriz, espectáculo construído por Diogo Infante a partir do livro autobiográfico Vozes dentro de mim, um documento da História do Teatro Português do século XX. Em cena, Natália Luiza. No Teatro da Trindade dias 13, 14 e 15 às 21h30.
Com dançarinos da Companhia Nacional de Bailado, música de Ulrich Estreiech, coreografia de Tânia Carvalho, A Tecedura do Caos imagina o regresso de Ulisses a Ítaca enfrentando os sucessivos obstáculos que se lhe colocam. No Teatro Municipal Joaquim Benite hoje às 21h30, domingo às 19h00.
Um recital de poesia alemã, com música de Schubert, Liszt e Wagner, pelo pianista Nuno Vieira de Almeida e a actriz Manuela de Freitas no Fórum Romeu Correia tem lugar sábado 14 às 18h00 e domingo 15 às 19h00.
Em A meio da noite Olga Roriz faz a coreografia de um bailado que assinala o centenário do nascimento de Ingmar Bergman. Na Escola D. António Costa dia 14, o dia do nascimento do realizador sueco em 1918, às 22h00
A última estação é a expressão da perplexidade de Elmano Sancho quando verifica a sua semelhança física com Ted Brundy, um norte-americano que matou trinta e cinco mulheres o que o compele a investigar a vida desse assassino em série. Na Sala Experimental do TMJB, dias 16, 17 e 18 às 19h00. Que se desculpe a ausência dos nomes dos outros intervenientes nos espectáculos para não ampliar desmesuradamente a dimensão do texto.
O cinema francês tem ciclo no Nimas
No cinema um ciclo imperdível dedicado ao cinema francês que se iniciou ontem no Nimas e vai prosseguir até Outubro. Organizado pela Leopardo Filmes, dá pelo nome de «Cinema Francês 1930-60» e é dedicado aos grandes mestres do cinema francês que foram os «padrinhos» da Nouvelle Vague. Dividido em quatro partes, são dezasseis filmes, alguns inéditos, essenciais para a compreensão da história do cinema em geral e do cinema francês em particular, em versões digitais restauradas, legendadas em português. Na primeira parte, de 12 de Julho a 1 de Agosto, pode ver Dois Homens em Manhattan, de Jean Pierre Melville, Madame de…, de Max Ophuls, O Crime do Sr. Lange, de Jean Renoir, Olhos sem Rosto de Georges Franju.
No mês de Julho são vários os festivais de música sinfónica: começamos por Espinho
O 44.º Festival Internacional de Música de Espinho (FIME), o mais antigo, iniciou-se a 22 de Junho com o agrupamento La Voce Strumentale, criado em 2011 pelo virtuoso violinista Dmitri Sinkovsky. Ainda pode ir ouvir os dois concertos de Hermeto Pascoal a 14 com o seu agrupamento e em 15 com a Orquestra de Jazz de Espinho, o concerto de alaúde solo por Edin Karamazov com obras de J.S.Bach, no dia 20 e o concerto final com a Rapsódia em Blue de Gerswhin, com Mário Laginha no piano e a orquestra Clássica de Espinho dirigida por Jem Wiezba.
O Cistermúsica, em Alcobaça e Évora
O segundo Festival a arrancar foi o Cistermúsica, que tem por centro Alcobaça e o seu Mosteiro. Iniciou-se a 29 de Junho com a exibição do filme de Chaplin The Kid, com música ao vivo, como era habitual acompanhar o cinema nudo antes do advento do sonoro. Prolonga-se até 29 de Julho. Muita música para se ouvir, com concertos que se anunciam memoráveis. O primeiro ponto alto foi com o Ensemble Gilles Binchois e a Messe de Notre-Dame de Machaut de que gravaram uma interpretação considerada de referência.
No dia 14 de Julho, em vários espaços do Mosteiro de Alcobaça, a partir das 19h00 e com o último concerto a iniciar-se às 23h15 pode assistir a piano tocado a quatro mãos pelas japonesas Yuki Osaki e Misako Mihara com obras de Dvorak, Brahms, Mendelssohn e Tchaikovsky, a ópera em um acto Domitila de João Miguel Ripper, os cantores Carla Caramujo e Carlos Antunes e o Toy Ensemble, um espectáculo de dança contemporânea, Home 2.0 pela Vortice Dance Company, com Claúdia Martins e Rafael Garrido que asseguram também a coreografia, videografia, cenografia, sonoplastia e figurinos. O último evento é um concerto de percussão pelo Merak Trio, António Machado, Francisco Cipriano e Pedro Tavares que no ano passado foram contemplados com o 2º prémio sénior do Concurso Internacional de Música «Cidade de Alcobaça».
Dia 15, no Mosteiro de São Bento de Cástris, em Évora o Trio Panguea, Bruno Belthoise, piano, Adolfe Carcajal, violino e Teresa Valente Pereira, violoncelo, assinalam os 150 anos de nascimento de Viana da Motta e os 100 anos da morte de Debussy.
A 21 de Julho, de novo no Mosteiro de Alcobaça, um recital de piano com Alexander Ghindin. A 20 e 21, nos mosteiros de Lorvão e de Alcobaça o Vocal Olissipo, dirigido por Armando Possante, baixo-barítono e Elsa Cortez e Patrycja Gabrel, sopranos, Luísa Tavares e Lucinda Gerhardt, mezzosopranos, Carlos Monteiro, tenor, canta a Missa Pro Defunctis de Frei Manuel Cardoso, intercalando no canto o dizer de poemas de vários autores portugueses, por Ana Zanatti.
Dia 22, concerto da Orquestra Estatal de Atenas, dirigida por Stepanos Tsialis tendo por solista Horácio Ferreira (clarinete), tocam Nikos Skakostas, Weber e Cesar Franck.
Dia 28 de julho, no Cine – Teatro João Oliva Monteiro às 21h00 a ópera joco-séria de António José da Silva Guerras do Alecrim e Manjerona, comédia de crítica social e de crítica aos novos padrões de teatro de ópera italiana, pelos S.A. Marionetas - Teatro & Bonecos, direção de manipulação, encenação e adaptação de Carlos Antunes e Os Músicos do Tejo, direcção Marcos Magalhães e Marta Araújo, com os cantores Joana Seara, Luísa Cruz, Susana Gaspar, Carla Vasconcelos, Marco Alves dos Santos, André Lacerda, João Fernandes e Tiago Mota.
A encerrar o Cistermúsica, no cenário monumental das escadarias do Mosteiro de Alcobaça, a Orquestra Sinfónica Portuguesa, com a direcção de Osvaldo Ferreira toca a Segunda Sinfonia de Rachmaninoff e a Suite Quebra-Nozes de Tchaikovsky.
Festival ao Largo, em Lisboa...
Em Lisboa o Festival ao Largo vai decorrer, como habitualmente, no cenário do Largo de São Carlos, até 28 de Julho. Sucedem-se uma série de espectáculos de música e dança com entrada livre apresentados pela Orquestra Sinfónica Portuguesa (OSP), pelo Coro do Teatro Nacional de São Carlos, pela Companhia Nacional de Bailado (CNB) e por convidados como a Metropolitana de Lisboa ou o Lisbon Underground Music Ensemble, agrupamento formado por instrumentistas na área do jazz e da música erudita. Vão-se ouvir obras de compositores como Mozart, Tchaikovsky, Richard Strauss ou Dvorák. Haverá ainda lugar para a música de câmara pelos Solistas de Lisboa, com um programa constituído pelas Duas Peças para Octeto de Cordas, op. 11, de Shostakovich e o Octeto para Cordas, de Mendelsshon.
E das Artes, em Coimbra
Em Coimbra inicia-se hoje a 10.ª edição do Festival das Artes, com o tema «Amores e Desamores». O ciclo dedicado à música inclui, na abertura, um concerto no Convento de São Francisco pela Orquestra Filarmónica Portuguesa, dirigida pelo maestro Osvaldo Ferreira. A Abertura Fantasia Romeu e Julieta, de Tchaikovsky, o Concerto para Violino n.º 1, op. 26, de Max Bruch (com Yang Liu como solista) e A Sagração da Primavera, de Stravinsky, constituem o exigente e ambicioso programa proposto por esta orquestra fundada há menos de dois anos. No dia 14, o grupo Sete Lágrimas apresenta Amores na Diáspora, com versões de reportórios populares e eruditos do século XVI ao século XX oriundo dos cinco continentes.
No dia 18 o pianista Geoffroy Couteau, vencedor do Concurso Internacional Johannes Brahms de 2005, apresenta-se pela primeira vez em Portugal com um programa dedicado a Bach, Beethoven e Brahms. A opereta, a ópera e o fado, respectivamente com as cantoras Lara Martins, Sandra Medeiros e Beatriz integram também o programa deste festival multidisciplinar.
Sinfónica e não só no Festival de Marvão
Em último, o mais jovem entre os grandes festivais: o Festival Internacional de Música de Marvão (FIMM), em 2018 na sua 5.ª edição. O festival inventado em 2014 pelo maestro alemão Christoph Poppen decorre este ano de 20 a 29 de Julho, quer em vários espaços da vila acastelada, quer na região circundante, com extensões a Portalegre, Castelo de Vide e Valência de Alcântara. Ao longo de dez dias, são mais de 30 os concertos em programa, tornando este no maior festival do género no nosso país. A programação inicial contempla dois concertos da Orquestra Estatal de Atenas (toca depois em Alcobaça e em Lisboa, ver acima) no cenário do Pátio do Castelo, dias 20 e 21, com dois programas e solistas diferentes, no primeiro, a notável violinista Veronika Eberle. Mas logo na primeira noite, e num registo totalmente diferente, há um recital a solo do jovem virtuoso do acordeão jazz João Barradas noutro espaço bem peculiar: a Cisterna do Castelo. O mesmo espaço recebe na noite seguinte um serão de fados com Rodrigo Costa Félix, acompanhado por Mário Pacheco.
Outros pontos altos da programação incluem o Requiem de Mozart pelo Coro Gulbenkian e Orquestra de Câmara de Colónia (dias 25 e 26), na versão mais usual, a de Susmayr, que foi recentemente revista por Pierre-Henri Dutron, de que foi feita uma notável interpretação pela Rias Kammerchor e o Freiburger Barockorchester, dirigidas por René Jacobs, um CD de que vivamente se recomenda a audição. Há ainda um piquenique com o Grupo de Cante Bafos de Baco e as Adufeiras de Idanha-a-Nova (dia 27), uma rara reunião dos quatro elementos do ex-Hilliard Ensemble no dia 28 e a estreia em Portugal da jovem estrela do piano alemão Joseph Moog no dia 21.
Muita música, cinema e teatro para ver e ouvir escapando-se às trivialidades do estio.
Ler nas férias – breve programa para lhe ocupar os dias todos
Mas vamos supor que está de partida para paragens que não se cruzam com esses itinerários. Faça-se um desafio sério. Proponha-se dois livros que são um programa de leitura para lhe ocupar todos os dias de férias.
Ler ou reler o Ulisses de Joyce na tradução de Jorge Vaz de Carvalho (Relógio d’Água), um salto qualitativo em relação às anteriores e boas traduções em português, lembre-se a de João Palma-Ferreira (Livros do Brasil). Ler ou reler O Quarteto de Alexandria de Lawrence Durrell que a Dom Quixote editou com a revisão que o escritor fez, em 1962, da primeira versão de 1957.
Duas sugestões que não são um desbarato de tempo. Vão iluminar com luz mais intensa que o sol de verão os dias destes meses encalorados, como se espera e deseja.
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