Henry Jenkins, identificado habitualmente como responsável pelo termo «cultura participativa», é, sem dúvida, um dos seus principais ideólogos. Embora, na sua obra, a utilização do termo seja anterior ao nascimento da web 2.0, o autor atualizou-o, em 2006, em dois documentos que têm sido entendidos como os mais relevantes na definição deste alegado novo modelo cultural. São estes Convergence Culture: Where Old and New Media Collide, o livro mais celebrado do autor, e o livro branco que o antecede, Confronting the Challenges of Participatory Culture: Media Education for the 21st Century, coordenado pelo mesmo. Neste último, foram apontadas as principais características atribuídas à «cultura participativa»: a existência de poucas barreiras à expressão artística e à intervenção cívica; o forte apoio à criação e partilha; a existência de uma orientação informal em que o conhecimento dos que têm mais experiência é transmitido aos principiantes; a crença de cada um dos membros na validade das suas contribuições e na existência de algum grau de conexão social entre si (Jenkins, et al. 2006, 3). Nesta formulação destacam-se os dois fatores fundamentais que sintetizam a definição do novo modelo: em primeiro lugar, a vasta disponibilidade e o baixo custo dos meios de produção, que eliminam os anteriores entraves à participação – fazendo depender a alegada mudança de uma ideia de progresso tecnológico – e, em segundo lugar, a noção de que o território virtual se organiza mediante o estabelecimento de estreitas e fortes relações entre os seus membros.
Em ambos os documentos, Jenkins defende que os participantes possuem agora a capacidade de – não alterando a vocação das indústrias culturais e dos media, que se orientam em função dos seus interesses económicos – resistir e levá-las, de modo gradual, a mudar a sua programação. Para isso, Jenkins, que se define como um utopista crítico, propõe o abandono do que designa como uma «política de confrontação» em relação aos grandes grupos mediáticos e a adoção de uma «tática de colaboração» ad hoc (2006, 260-261) que, na sua perspetiva, conduzirá à renegociação, por parte daqueles, da sua relação com os consumidores e dos conteúdos veiculados (2006, 254).
No âmbito deste anunciado novo modelo cultural, o consumidor de conteúdos passa a ser entendido como detentor de um papel híbrido, papel esse que resulta da combinação da sua anterior função exclusiva face à indústria, a de recetor, com a de produtor, esta última recentemente adquirida através das aplicações da web. Vários trabalhos têm-se dedicado a analisar a dupla condição do utilizador das plataformas de conteúdos disponíveis na rede e as suas possibilidades de atuação simultânea como criador e recetor. Para a denominar foi recuperado o termo «prossumidor»1, da autoria de Alvin Toffler, que aglutina os termos profissional ou produtor e consumidor (Tapscott e Williams, 2006; Ritzer e Jurgenson, 2010), ou cunhados outros, tais como ‘youser’ (Van Dijck, 2007), ‘pro-am’ (Leadbeater, e Miller 2004), ou o mais recorrentemente citado ‘produser’ (Bruns, 2006)2, que pretendem destacar o comportamento ativo dos indivíduos, substituindo o termo consumidor, habitualmente observado como referente a uma entidade passiva, pelo de utilizador.
A visão que temos vindo a descrever está enraizada em três ideias essenciais. Uma dessas ideias determina que, mediante a tecnologia digital e a designada web 2.0, os indivíduos ligados em rede foram dotados do poder de intervir numa esfera que antes lhes estava vedada e que essa capacidade de intervenção conduz à edificação de um novo modelo de produção e circulação cultural – a já referida ‘cultura participativa’ – que Jenkins e Hartley projetaram ser, num texto conjunto, como «sem a necessidade de lideranças de vanguarda, da filtragem de especialistas ou de controlo institucional» (2008). Uma outra, decorrente da primeira, considera que o novo modelo cultural, resultante da combinação de esforços de uma «inteligência coletiva»3 constituída pela multitude de indivíduos participantes, contribui para a formação de uma sociedade mais livre, democrática e igualitária, em que todos têm a possibilidade de se expressar livremente e em que a sua expressão pode ser canalizada para a criação de mais e melhor comunicação, informação e entretenimento. Finalmente, a ideia de que o design das redes e a forma de circulação dos dados aí partilhados favorece esta lógica comunitária, inibindo o regresso do modelo antecedente.
(continua)
- 1. O termo original prosumer, habitualmente traduzido para português por «prossumidor», foi criado por Toffler no seu livro A Terceira Vaga (1980) para aludir ao novo papel assumido pelo consumidor na designada era pós-moderna. De acordo com o autor, a saturação do mercado resultante da produção em massa implicaria a necessidade das empresas, para manterem os negócios rentáveis, começarem a produzir produtos e serviços personalizados, tarefa para a qual necessitavam da intervenção de um consumidor pró-ativo, capaz de participar na delineação das características dos bens que pretendia consumir.
- 2. José Van Dijck (2007) sugere o termo youser, a junção do termo you (tu), alusivo ao cidadão participante da rede ao qual, em 2006, a revista Time atribuiu o título de personalidade do ano, e o termo user (utilizador). Alex Bruns (2007) propõe utilização do termo produser, uma fusão entre producer (produtor) e user (utilizador). Qualquer um destes termos de matriz linguística anglo-saxónica é de difícil tradução em português, pelo que se optou por usá-los na sua versão original.
- 3. Inteligência coletiva é um termo frequentemente atribuído ao autor Pierre Levy. No livro homónimo, publicado em 1994, o autor define o conceito como «uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta uma mobilização efetiva das competências (…)» (Levy 1994).
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