Quando Lloyd Blankfein, o presidente do Goldman Sachs, afirma que é «um banqueiro que faz o trabalho de Deus», há que levá-lo a sério, tanto mais que não é conhecido por ser alguém que se perca em metáforas. Da imagem de Deus ele tem o poder absoluto e discricionário da mitologia que governa o mundo, o regime de mercado livre, isto é, o sistema planetário de especulação financeira ao qual se subordinam a economia, a política e os seres humanos.
Tal como qualquer sociedade secreta, o Goldman Sachs, que se apresenta como «banco de investimento», não tem uma sede, uma placa, uma identificação visual; os seus cerca de 35 mil membros distribuem-se pelo mundo como actores de uma interminável dança de cadeiras em que alternam a ligação ao banco com cargos públicos e privados onde cumprem as recomendações cleptocratas emanadas pela corte do «Deus banqueiro».
A alusão à prática de latrocínio não tem nenhuma intenção malévola, é meramente factual, uma vez que no ano de 2007, quando o banco patrocinou a fraude com activos imobiliários que ficou conhecida como «escândalo Abacus», e assim escancarou a crise mundial, os lucros do Goldman Sachs foram de 12 mil milhões de euros – duas vezes e meia mais do que os registados, por exemplo, em 2015. E os investidores perderam milhões, foram enganados, isto é, burlados. Nada aconteceu, no entanto: um banqueiro júnior serviu de bode expiatório e a seita financeira não parou de crescer desde então.
O Goldman Sachs, no seu secretismo, na sua organização conspiratória, na sua infiltração tentacular, é uma ala da teia sombria onde se decide tudo sobre o mundo, muito acima das vontades expressas pelas pessoas em consultas democráticas, e sempre contra as pessoas.
Ao lado do Goldman Sachs – ou melhor, tecendo com ele uma malha quantas vezes indecifrável – encontramos o Grupo de Bilderberg e a Comissão Trilateral. E também a NATO, o braço policial e militar, que, não sendo secreto, tem da organização castrense a génese da essência autoritária.
«Durão Barroso seguiu os passos de compatriotas como o privatizador-mor António Borges e o seu imediato Carlos Moedas, logo promovido a comissário europeu de Juncker.»
A ascensão formal de Durão Barroso a este Olimpo que cuida da liberdade de mercado, assegurando o primado da especulação financeira e da servidão humana, é um movimento natural de um peão no tabuleiro de uma engrenagem que alimenta a exploração e a guerra como actividades gémeas.
Não tiveram os súbditos do «Deus» Blankfein qualquer pudor em dar publicidade à contratação de Barroso na mesma altura em que o relatório Chilcot confirma o que já se sabia sobre a ilegalidade e o carácter mistificador e assassino do processo de destruição do Iraque em que ele participou. Da coincidência dos factos fica a mensagem de desprezo e impunidade dos senhores da especulação financeira perante as leis e as regras do mundo, das quais estão obviamente isentos na sua imunidade divina.
O denodado esforço de Barroso em usar os últimos tempos à cabeça da Comissão Europeia para tornar irreversível o tratado transatlântico (TTIP), o paraíso da banca norte-americana, fazia prever este desfecho, sobretudo a partir da instalação como membro executivo do Grupo de Bilderberg, onde já se encontra também Mario Monti, primeiro-ministro não eleito de Itália, tal como Lucas Papademus na Grécia, ambos ligados ao Goldman Sachs.
Durão Barroso seguiu os passos de compatriotas como o privatizador-mor António Borges e o seu imediato Carlos Moedas, logo promovido a comissário europeu de Juncker. De notar, en passant, que um dos principais privatizadores em Espanha (Endesa, Telefonica, Repsol) foi Claudio Aguirre, também ele sentado num lugar à direita ou à esquerda de Blankfein.
De resto, como em qualquer mafia que se preze, o Goldman Sachs é uma interminável família. Inclui 12 membros ao serviço da administração Obama, sem contar com Rahm Emanuel, entretanto a desempenhar uma comissão de serviço como governador de Chicago. O estratego financeiro da campanha da senhora Clinton é do Goldman Sachs, tal como foi o secretário do Tesouro do seu marido enquanto presidente, e vários outros secretários do Tesouro noutras administrações, como Hank Paulson na equipa fora-de-lei de Bush filho. O governador do Banco de Inglaterra, anteriormente no mesmo cargo no Banco do Canadá; o primeiro-ministro da Austrália; o ex-presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick; o conselheiro de Temer no golpe brasileiro, Paulo Leme; o vice-primeiro-ministro da ditadura militar egípcia, Ziad Baha-Eldin, todos eles jogam com as cores pardas do Goldman Sachs.
A União Europeia em vez de «estar connosco» está, obviamente, com Blankfein. Assim é com Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, um dos principais intérpretes do regime punitivo, ditatorial e arbitrário de Bruxelas; com Romano Prodi, antecessor de Barroso à frente da Comissão, pelo que é fácil adivinhar o futuro de Juncker; com o comissário Moedas; com Otmar Issing, ex-membro da presidência do BCE.
Mario Draghi era um dos principais representantes do Goldman Sachs quando este banco participou – com enormes lucros – na manipulação da dívida grega para que parecesse respeitado o fundamentalismo dos critérios de convergência. Envolvido na manobra esteve também Lucas Papademus, figura do Goldman Sachs, depois vice-presidente do Banco Central Europeu e primeiro-ministro do regime colonial instaurado em Atenas pelas instituições europeias. Ao Parlamento Europeu, Draghi explicou que nada tinha a ver com a questão grega, porque não tratava de assuntos do sector público, mas do privado. E o Parlamento Europeu acreditou, porque não travou o seu acesso à presidência do BCE.
Tal como acontece com o Grupo de Bilderberg e com a Comissão Trilateral, o Goldman Sachs cuida do aparelho de propaganda ao integrar figuras de proa dos principais grupos mundiais de comunicação, jornalistas e escritores. Todos assegurando que o mercado seja livre através da opressão do ser humano.
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