A manifestação nacional da Interjovem foi cancelada devido às medidas de contingência de combate à COVID-19, mas a estrutura de juventude da CGTP-IN não deixou de fazer o apelo à luta: «Não suspendemos a nossa luta [...] para exigir o fim da precariedade, o aumento geral dos salários, o fim dos horários desregulados, um vínculo efectivo para todos os que desempenham funções de carácter permanente, para uma juventude independente, emancipada e com futuro», pode ler-se na saudação divulgada na página oficial.
Nas redes sociais, foram saíndo vários vídeos com testemunhos de jovens trabalhadores sobre os seus problemas e a necessidade de intervir e de dar uma resposta organizada. «Não somos descartáveis!», podia ler-se nos conteúdos partilhados.
Combater a precariedade para garantir o futuro
Tiago Martinho, sindicalizado no Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL/CGTP-IN) é motorista da recolha de resíduos urbanos. É um dos que não pode parar apesar da pandemia: «Há de haver sempre recolha de lixo», lembrou o jovem sindicalista, explicando que as condições de trabalho ainda estão a ser ajustadas à nova realidade. «Os motoristas estão a trabalhar dia sim, dia não. Os cantoneiros trabalham semana sim, semana não, mas estão a ficar muito desgastados», disse.
«Este é o sector do município que tem os trabalhadores mais jovens», referiu, acrescentando que, nas semanas anteriores à declaração do Estado de Emergência, estava-se a trabalhar na mobilização para a manifestação nacional da juventude promovida pela Interjovem/CGTP-IN.
«As principal queixa dos jovens trabalhadores é a precariedade. Mas, depois de muita luta e pressão dos sindicatos da CGTP-IN, a maior parte dos trabalhadores do meu sector viram os vínculos precários regularizados», afirmou, explicando que eram quase 300 aqueles que, correspondendo a necessidades permanentes, não tinham até agora um vínculo de trabalho efectivo. «Eu próprio trabalhei dois anos a recibos verdes como motorista da recolha do lixo», disse.
«Se deixarmos de ter medo, ainda mais direitos iremos garantir»
A instabilidade dos contratos a termo traz muitas preocupações e limitações. Tiago Martinho explica que, nesta situação, os jovens têm a seu cargo muitas despesas, desde as contribuições para a segurança social aos seguros de trabalho, sem garantias que permitam arrendar uma casa ou pedir um empréstimo. «Não é possível ter uma perspectiva de futuro, e assim vive grande parte dos trabalhadores mais jovens», lembrou.
«Eu digo sempre: vejam que mesmo com o medo de alguns, as coisas são possíveis. Se deixássemos todos de ter medo, ainda mais direitos iríamos garantir»
Tiago Martinho, motorista de resíduos urbanos
Para além disso, o jovem sindicalista lembra que estes são os que estão mais sujeitos a pressões das chefias. «É uma situação complicada, porque temos de explicar que é através da luta que podem conquistar mais direitos, mas são justamente estes trabalhadores com maior precariedade nas relações laborais que estão em piores condições para fazer greve ou participar noutra acção de luta», afirmou. «Eu digo sempre: vejam que mesmo com o medo de alguns, as coisas são possíveis», disse, referindo-se à regularização dos vínculos no seu sector. «Se deixássemos todos de ter medo, ainda mais direitos iríamos garantir», concluiu, dando o exemplo de se considerar a recolha de resíduos uma profissão de desgaste rápido, reivindicação que continua por cumprir.
Quanto à situação de pandemia e às limitações dela decorrentes para a consciencialização e o contacto entre os trabalhadores, o sindicalista disse que «o activismo não está parado», mas que se tem feito muito através das redes sociais.
«Os sindicatos têm de apostar numa mensagem mais direccionada para a juventude. É preciso chegar aos jovens também através dos meios onde estes se movem, do facebook e do instagram, porque eles [os jovens] são o futuro dos sindicatos e do País», afirmou.
Salários baixos não chegam para o elevado custo de vida
Luana Canobbio, operária numa fábrica de semicondutores em Almada, contou ao AbrilAbril que veio ao sindicalismo porque na sua família sempre estiveram envolvidos politicamente. «Decidi sindicalizar-me quando soube que havia um sindicato na empresa [SIESI/CGTP-IN - Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas] e passei a participar ainda mais quando nos disseram, em Maio de 2019, que a empresa ia ser deslocalizada para as Filipinas», disse a jovem sindicalista, acrescentando que ficou muito «revoltada» pela forma como estes trabalhadores estavam a ser desvalorizados por se encontrar mão-de-obra mais barata no estrangeiro.
Para os jovens trabalhadores, Luana Canobbio considera que o problema mais sentido é a precariedade dos contratos. «Nesta empresa estamos todos efectivos mas apenas porque a fábrica vai fechar no final de 2021, logo, vamos ser todos despedidos. Caso contrário continuaríamos com contratos a termo», referiu, explicando que a empresa ainda recorre a empresas de trabalho temporário para contratar, ao mês, trabalhadores que dêem resposta a períodos de maior produção.
Por outro lado, considera que os baixos salários são outro problema. «Recebemos uma miséria para aquilo que trabalhamos: um salário base de 649 euros», afirmou, lembrando que para o custo de vida, nomeadamente as rendas de casa, o salário não chega.
«Nesta empresa estamos todos efectivos mas apenas porque a fábrica vai fechar no final de 2021, logo, vamos ser todos despedidos. Caso contrário continuaríamos com contratos a termo»
Luana Cannobio, operária numa fábrica de semicondutores
Na mobilização para a manifestação, a maioria das queixas dos jovens trabalhadores prendia-se justamente com a precariedade. «A maior parte, com contratos a prazo ou falsos recibos verdes, sabem que hoje estão a trabalhar e amanhã podem já não estar», referiu.
Assim, lembra, é muito difícil planear o futuro e começar uma vida independente.
Redes sociais sim, mas mais contacto directo
Essa instabilidade também dificulta a organização dos mais jovens. Apesar de considerar que é importante utilizar todos os meios, nomeadamente as redes sociais, sublinha que «faz muita falta» o contacto directo. «Nas redes sociais é preciso chamar a atenção, criar conteúdos mais atractivos, mas depois é preciso o contacto directo para aprofundar as questões e discutir», disse, «há muitos títulos e muita informação contraditória e tudo isso é muito instantâneo, a consciencialização garante-se quando se contacta os jovens nos seus locais de trabalho».
A empresa Componentes Semicondutores de Portugal, que foi comprada pela multinacional Little Fuse, continua a laborar, uma vez que produz componentes para desfibriladores e ventiladores. Nesta situação excepcional, os trabalhadores viram ser-lhes retirada uma pausa e já fizeram queixa ao sindicato. De resto, têm visto respeitadas as condições e higiene e segurança. A jovem lembra, porém, que nesta situação se vê também a destruição da capacidade produtiva do País: vão deslocalizar a fábrica e deixaremos de ter quem fabrique estes produtos, para além de ficarem mais de 150 trabalhadores no desemprego.
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