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Manuel Gusmão: Um lutador com sensibilidade de poeta 

Ensaísta, poeta, crítico, tradutor, activista político e professor universitário, deputado do PCP na Assembleia Constituinte, Manuel Gusmão faleceu esta quinta-feira, em Lisboa.

Manuel Gusmão, c. 2016.
Créditos / Revista Caliban

«Quando não estás a olhar é o mundo que te olha. Nunca saberás o que vê.»

Assim escreveu Manuel Gusmão, em «Quando não estás a olhar», um dos poemas de A Terceira Mão, livro editado em 2008. Para Manuel Gusmão, a poesia era diálogo e pertencia à mesma natureza da política, outra das áreas em que se destacou.

Militante do PCP desde a clandestinidade, Gusmão foi deputado na Assembleia Constituinte e na primeira legislatura da Assembleia da República. Como escreveu aqui Manuel Augusto Araújo, «o mundo é a sua tarefa e o seu tempo é sempre um tempo de resistência, o que transmite em todos os seus textos com uma rara clarividência e criatividade, um rigor extremo». No PCP, «o partido mais diferente, pela sua natureza de classe, pela teoria que o guia, pelos objectivos imediatos e finais que prossegue», Manuel Gusmão foi membro do Comité Central e dirigente dirigente no Sector Intelectual da Organização Regional de Lisboa.

Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese dedicada à poesia dramática de Fernando Pessoa, Manuel Gusmão realizou a sua tese de doutoramento sobre a Poética de Francis Ponge, em 1987, autor que o próprio traduziu para português, tendo sido professor da Faculdade de Letras de Lisboa.  

Manuel Gusmão pertenceu às redacções das revistas O Tempo e o Modo e Letras e Artes, tendo trabalhado também no Jornal Crítica, entre 1961 e 1971. Assumiu a responsabilidade de coordenador editorial da revista Vértice, a partir de 1988. Dirigiu a revista Caderno Vermelho desde o seu primeiro número, em 1996. Pela sua mão nasceram as revistas Ariane (revue d’études littéraires françaises) e Dedalus, da Associação Portuguesa de Literatura Comparada, porque, como escreveu a propósito de uma passagem dos Manuscritos Económico-Filosóficos de Marx, «também somos feitos de textos».

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E o mundo é a nossa tarefa #98

Esta semana o poema Elogio da Terceira Coisa de Manuel Gusmão e a obra Monumento a Rosa Luxemburgo de Mies van der Rohe. E o mundo é a nossa tarefa é uma escolha semanal de Manuel Augusto Araújo.

Monumento a Rosa Luxemburgo de Mies van der Rohe
Créditos

Elogio da Terceira Coisa

Entre mim e ti há a terceira coisa
aquela que nos põe ao alcance da mão
os nomes todos das coisas e as coisas sem nome
quando a multidão sagrada dos pronomes pessoais nos
permite dizer nos contra o tempo e o vento
Nós que aos cinco sentidos acrescentamos os outros
Nós a sensibilidade que imagina o comum
quando uma multidão deixa de ser
um rebanho de escravos para começar a ser
uma assembleia de humanos livres
de pé no chão da terra discutimos o que fazer
pelas mãos em concha bebíamos a água
onde a luz do sol cintila irisando-a
nós que para além de ti e de mim somos
a terceira coisa o fantasma o espectro
que lhes continua a assolar o mundo
a terceira coisa: a promessa sem garantias
a invenção do incomum que partilha o comum
o comunismo que vem connosco
e para além de nos recomeça.

Manuel Gusmão in Três Poemas em Memória de Álvaro Cunhal

E o mundo é a nossa tarefa é uma escolha semanal de Manuel Augusto Araújo.

Tipo de Artigo: 
Poema da Semana
Lead de destaque: 
No dia em que é atribuída, pelo Ministério da Cultura, a Medalha de Mérito Cultural ao poeta e ensaísta Manuel Gusmão, relembramos um dos seus poemas incluído na coluna semanal de poesia e artes plásticas «E o mundo é a nossa tarefa».
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Título de destaque: 
Elogio da Terceira Coisa
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Estilo de Artigo: 
Normal
Autor de Artigo Livre: 
Manuel Gusmão

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Nascido em Évora, em Dezembro de 1945, Manuel Gusmão foi autor de ensaios e prefácios de obras de Fernando Pessoa, Gastão Cruz, Carlos de Oliveira, Herberto Helder, Sophia de Mello Breyner Andresen, Luiza Neto Jorge, Ruy Belo, Armando Silva Carvalho e Fernando Assis Pacheco, Almeida Faria, Maria Velho da Costa, Nuno Bragança, Maria Gabriela Llansol, Luís de Sousa Costa e José Saramago. 

Com 45 anos estreia-se como poeta ao lançar a obra Dois Sóis, A Rosa - A Arquitetura do Mundo. Seguem-se Mapas, o Assombro a Sombra, que lhe valeu o prémio do PEN Club para melhor obra de poesia, em 1997, tendo conquistado o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores e o Prémio de Poesia Luís Miguel Nava relativos a 2001 com Teatros do Tempo

Manuel Gusmão foi ainda autor de um libreto para a ópera Os Dias Levantados, de António Pinho Vargas, sobre a Revolução de Abril, e deu nome ao Grande Prémio de Ensaio, instituído em 2023 pela Associação Portuguesa de Escritores. 

Em Fevereiro de 2019, recebeu a Medalha de Mérito Cultural em reconhecimento, pelo Governo português, do «inestimável trabalho de uma vida dedicada à produção literária e à poesia».

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