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O Funk proletário e o Disco vermelho

Dia de luta e dia de festa, sem fronteiras. A música? De qualquer género. Se não conhecia, leitor, prepare-se: de «Aint that a Bitch» a «Give More Power To the People», é para dançar de punho erguido.

Amiri Baraka dirige-se ao público Festival Malcom X, em San Antonio Park, Oakland, California, em 19 de Maio de 2007. Nascido Everett LeRoi Jones (1934-2017),foi influenciado pela beat generation e distinguiu-se na poesia, drama, ficção, ensaística e crítica musical. Homem do Jazz, precursor do rap, foi uma figura central da música negra e do movimento cultural e revolucionário americano.
CréditosAbrilAbril, com Amiri Baraka / cc-by-2.0.

Por ocasião de mais um 1.º de Maio, celebramos em todo o mundo a luta dos trabalhadores pela sua dignidade e emancipação. Hoje trazemos canções que de uma forma ou de outra trazem o Trabalho e a Liberdade para o centro das nossas vidas. Manifestos assumidos ou descrições reais da luta de todos os dias onde, para além da história, é o cimento do groove que as mantém, vivos e reais documentos da experiência, luta e sonhos de milhões de trabalhadores de todo o mundo. Entre o funk proletário, a soul revolucionária ou o disco vermelho, Maio tem também aqui na música negra a sua banda sonora, porque é da celebração das conquistas que se despertam as consciências para a necessidade da transformação.

Horas a mais e salário a menos: Ain't That a Bitch?

Johnny «Guitar» Watson é um nome cujo caminho, traçado na geografia dos blues e rhythm and blues, foi ele próprio marcado pelas encruzilhadas, ao encontro de um sucesso sempre adiado mas com o devido reconhecimento do seu valor artístico como guitarrista de blues e voz única do funk. De 1975, o seu Ain't That a Bitch? descreve aquela que é a situação de milhares de trabalhadores: horas a mais e salário a menos. Neste funk proletário «Guitar» Watson introduz a sua visão dos trabalhadores das áreas da cultura e das profissões intelectuais, com uma actualidade assustadora: a acentuada precarização e desvalorização salarial destes trabalhadores ao serviço de milionárias indústrias culturais assentes na proletarização daqueles que antes eram vistos e reconhecidos como trabalhadores especializados e de valor acrescentado. Ain't That a Bitch?

Marchar dançando pela revolução: You Was Dancin' Need To Be Marchin'

Amiri Baraka, poeta jazz, percursor do rap, escritor beat, crítico marxista, nascido a 7 de Outubro de 1934 com o nome Everett LeRoi Jones, pelo qual também é conhecido na vanguarda do jazz, é uma figura central do movimento cultural e revolucionário que na década de 60 combateu a guerra no Vietname e o Racismo e Segregação nos Estados Unidos. Em 1976, sob o selo da obscura mas comprometida editora People´s War, Amiri Baraka gravou este revolucionário disco funk, acompanhado por membros de bandas míticas como Commodores, Parliament ou Kool & The Gang. Um verdadeiro apelo à luta, com o desafio aos que então enchiam as pistas de dança na febre disco, que deviam era encher as ruas a marchar para que todos possam dançar mais tarde. Verdadeira ciência revolucionária, recheada de funk e groove que obviamente nunca poderia subir às listas de vendas americanas, mas de certeza tinha um lugar no topo das listas de prioridades do FBI e demais agentes imperialistas.

Desempregado e sem dinheiro: Out of work

No final da década de 70, em plena era disco, poucos seriam os que arriscavam, no meio das bolas de espelhos, plumas e purpurinas, uma mensagem política inspirada na dureza da realidade da vida dos trabalhadores. Fazê-lo e ainda conseguir atingir o sucesso no meio da mensagem hedonista dominante, é tarefa que não está ao alcance de qualquer um. Mas se o discurso dominante de então era o alheamento, a realidade, essa, impunha-se à classe trabalhadora. Talvez por isso a editora P&P de Nova Iorque consegue a proeza de lançar em 1977 o maxi de Jesse Gould, que para além de um poderoso groove disco orquestral, contém a mensagem explícita e repetida do lamento de um desempregado, sem dinheiro, à procura de emprego.

Why is it so hard? (To make it in America): é o capitalismo, malta!

O cantor Charles Bradley encarnou o espírito da verdadeira alma americana, ao ponto de ser esse, Soul of America, o título do documentário realizado sobre a sua vida. A vida de Bradley não foi fácil e se desde jovem, após ter assistido a um concerto em 1962, a força de James Brown o inspirou para se levantar, cantar e dançar, só em 2011 lançou o seu disco de estreia, quase por acidente mas com a alma a jorrar pela voz. Um verdadeiro expoente da soul operária americana, Charles Bradley, apresentava-se ao mundo, no seu primeiro disco, vestido de fato de mecânico na capa, sob o título No Time for Dreaming, com canções poderosas e títulos tão directos como «The World is going Up in Flames» ou «Why is it so hard? (To make it in America)». Bradley deixou-nos em 2017, vítima de cancro, mas a sua inspiração, história e mensagem vibram mais alto em cada Dia do Trabalhador.

Resumindo: «Give More Power To the People» – e depressinha, senão desentendemo-nos

O funk é na maior parte das vezes identificado com um lado menos sério e comprometido da música negra, dedicado à diversão e à dança. Mas, desde o início da década de 70, muitos destes e outros artistas se comprometeram, através do funk, a passar uma mensagem de protesto e consciente, enquanto os corpos distraídos se entregavam à dança. É o caso deste «Give More Power To the People» do colectivo The Chi-Lites, liderado pela voz de Eugene Records que, com uma mensagem clara, apela a uma consciência social através de uma das vozes mais doces da soul.

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