Nesta que foi uma semana de luta dos trabalhadores das artes (actores, encenadores, programadores, técnicos, bailarinos e coreógrafos, músicos e muitos outros), uma semana de insubmissão, como há muito se não via, contra o modo indigno como este governo, na sequência das políticas dos anteriores, tem tratado aqueles trabalhadores e as suas estruturas de criação e produção, continuando a inviabilizar um financiamento digno, alargado e transparente da actividade artística; numa semana assim, forçoso é começar com um apelo de dimensão político-cultural. E este apelo apenas pode ir num sentido: sair para a rua e prosseguir o apoio à luta, obviamente não concluída, destes trabalhadores.
Quais as exigências? No actual momento, só podem ser estas: a reposição da dotação orçamental do Programa de Apoio Sustentado às Artes para os valores de 2009, indexados à inflação, corrigindo-se o impacto negativo dos concursos em curso; o combate à precariedade na actividade artística; a estabilidade do sector; a definição de uma política cultural que assegure a revisão do Modelo de Apoio às Artes e dos seus instrumentos de financiamento; e o compromisso com o patamar mínimo de 1% do Orçamento de Estado para a Cultura, já em 2019.
Vá por mim, leitor: solidário com esta luta, aproveite igualmente os tempos que aí vêm não só para ir muito ao teatro, a espectáculos musicais e de dança, mas também para sensibilizar amigos e conhecidos para a importância deste combate cívico e para a necessidade de uma política cultural alternativa, que garanta a necessária democratização da fruição e da criação artísticas.
Os pianos de Sokolov e Yefim Bronfman em Lisboa
E vamos à grande música. Imperdível será, em Lisboa, a presença na Gulbenkian do russo Grigory Sokolov, interpretando Haydn e Schubert. É já a 8 de Abril, às 19h, e convém lembrar que Sokolov é, nos dias que correm, um dos maiores pianistas mundiais.
Outro concerto irrecusável, também na Gulbenkian: a Orquestra Gulbenkian, sob a direcção de Lorenzo Viotti, e o pianista Yefim Bronfman
interpretam duas obras inesquecíveis: de Johannes Brahms a Sinfonia n.º 3, em Fá maior, op. 90 (que Visconti quis fosse tocada no momento em que se despedia da vida), e, de Beethoven, o Concerto para Piano e Orquestra n.º 5, em Mi bemol maior, op. 73. Deixe-se tentar por este magnífico programa e aponte a data: 12 de Abril.
Música no Coliseu do Porto
É no sábado, 21 de Abril, às 21h30. Segundo informação disponibilizada, o Coliseu do Porto «desafiou a Orquestra Metropolitana de Lisboa e o Coral de Letras da Universidade do Porto a juntarem os seus talentos para um Concerto de Primavera. Os instrumentos e as vozes de ambos vão interpretar duas belíssimas composições: Concerto para Piano N.º 21 em Dó Maior, KV 467, de Mozart, e Sinfonia para a Divina Comédia de Dante, S. 109, de Franz Liszt, inspirada no imaginário criado por Dante Alighieri.»
Mudando de diapasão, vale a pena também recomendar o espectáculo de Adriana Calcanhotto – «A Mulher do Pau-Brasil» –, que terá lugar a 24 Abril, às 21h30, igualmente no Coliseu do Porto. Trata-se de um concerto inspirado no movimento modernista brasileiro dos anos 20, no seu «Manifesto da Poesia Pau-Brasil», e na sua influência sobre o Tropicalismo.
Porto, Vila Real, Coimbra: teatro, música, apresentação de livros e o que mais se verá
Veja a programação para os próximos dias da Escola da Noite/Teatro da Cerca de S. Bernardo (TCSB), em Coimbra (uma das muitas companhias actualmente na luta): Leitura para a infância – Flores de Livro, por Cláudia Sousa, a 7 de Abril de 2018, às 11h, no Bar/Livraria, integrado nos Sábados para a infância no TCSB. Teatro – Os 4 Clowns do Apocalipse, Teatro do Montemuro, a 7 de Abril de 2018, às 21h30. Teatro/leitura – Roda do Mosteiro Velho + À Espera de Beckett, de Jorge Louraço Figueira – Clube de Leitura Teatral, a 10 de Abril de 2018, às 18h30, no Teatro Académico Gil Vicente. Apresentação de livro – Plínio Marcos: obras teatrais, com Alcir Pécora (org.) e Osvaldo Manuel Silvestre, a 12 de Abril de 2018, 21.30h, no Bar/Livraria do TCSB (entrada livre), com organização do Instituto de Estudos Brasileiros da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Música – Malas e Fraldas, por Catrapum Catrapeia / Vânia Couto, a 14 de Abril de 2018, 11h, integrado nos Sábados para a infância.
Se está ou se anda pelo Porto, aproveite para se informar sobre a rica e variada programação do Rivoli para este mês de Abril.
Mais a norte, dedique alguns minutos a uma consulta atenta à multifacetada programação do Teatro Municipal de Vila Real e faça as suas opções. Vale a pena.
Óscar Lopes em Vila Real e na Gazeta Literária da AJHLP
E, já que falamos em Vila Real, anuncie-se a realização, em 23 de Abril (Dia Mundial do Livro), pelas 21h, na Biblioteca Municipal da cidade, de uma homenagem a Óscar Lopes, na qual intervirão José António Gomes (autor destas linhas) e Manuela Espírito Santo, autora da monumental e imprescindível fotobiografia Óscar Lopes, Retrato de Rosto, editada pela Câmara Municipal de Matosinhos. Pertencendo Manuela Espírito Santo à direcção da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP), espera-se que esteja também disponível, na sessão, a revista Gazeta Literária (órgão da AJHLP, de larga tradição, recentemente revitalizado), cujo número de Inverno de 2017 é inteiramente dedicado aos 100 anos de Óscar Lopes, incluindo textos de, entre outros, Francisco Duarte Mangas, Fátima Oliveira, Henrique Barreto Nunes, Anselmo Borges, Albano Martins, Viale Moutinho, Domingos Lobo, Fernando Miguel Bernardes, César Príncipe, Jorge Sarabando, Vítor Ranita e Sérgio Lopes. Um número a não perder, de excelente aspecto gráfico, a cargo de Abigail Ascenso. No início da sua carreira de professor, Óscar, recordo aqui, leccionou no Liceu Camilo Castelo Branco, de Vila Real, e aí começou a deixar as suas marcas de grande pedagogo, linguista, historiador da literatura, dinamizador cultural e democrata.
A iniciativa desta sessão de homenagem em Vila Real, que engloba ainda uma exposição documental e bibliográfica, fica a dever-se à organização local do PCP.
Teresa Villaverde nas salas; Marco Ferreri na Cinemateca, e outras fitas e actividades na Casa das Artes, do Porto. Chavela em Lisboa, Setúbal e Porto
Não se esqueça que Colo (2017), o mais recente e premiado filme de Teresa Villaverde, está em exibição em diversas salas;
e que, na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, prossegue a 11.ª festa do Cinema Italiano, com destaque para os filmes de Marco Ferreri. Mas muitas outras fitas, de qualidade, existem para ver na Cinemateca, uma inestimável instituição pública.
Na «cidade invicta», não pode perder a boa programação cinematográfica da Casa das Artes, a cargo, em parte, do Cineclube do Porto. Na bonita Casa Allen, mesmo ao lado (e continuamos a falar de instituições públicas), certamente valerá a pena frequentar o workshop sobre a Nouvelle Vague (Truffaut, Chabrol, Godard, Varda…), leccionado por Carlos Melo Ferreira e José Oliveira, nos dias 21 e 22 de Abril.
No Teatro do Campo Alegre, no Porto, está a decorrer um excelente ciclo de filmes comentados, intitulado «O Cinema e as Outras Artes». Quanto ao belíssimo filme Chavela, de Catherine Gund e Daresha Kyi, encontra-se também aí em exibição, tal como se encontra em Setúbal, no Cinema Charlot – Auditório Municipal, e em Lisboa, no Espaço Nimas. Trata-se de um filme centrado na vida da grande cantora costarriquenha/mexicana Chavela Vargas (1919-2012).
Dois livros, dois acontecimentos
Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), figura central do 1.º Modernismo, é objecto de um precioso O Essencial sobre Mário de Sá-Carneiro (IN-CM, 2018), da autoria da premiada e reconhecida investigadora e ensaísta, Clara Rocha. Trata-se de versão refundida e aumentada de um livro anterior, de 1985. Com o rigor de concepção e construção e com a qualidade de escrita que distinguem o estilo ensaístico da autora, a obra ilumina a biografia, mas, sobretudo, a produção literária de Sá-Carneiro, enquadrando-a do ponto de vista da História Literária na sua relação com os movimentos de vanguarda da época e estudando com sensibilidade, e de forma penetrante, quer a notável poesia do autor de Indícios de Oiro, quer a sua escrita narrativa e dramática (abordando a relação daquela com o fantástico), sem esquecer a correspondência. Abrindo, por vezes, novos ângulos de análise e oferecendo, como convém, perspectivas de leitura muito próprias, o ensaio termina com uma cronologia e uma actualizada bibliografia activa e passiva (selectiva). Últimas palavras do texto: «Autor de uma fulgurante obra poética e ficcional, Sá-Carneiro afirmava naquele verso [“Daqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda.”], mais do que nunca, a sua crença na aura da arte e a consciência de uma singularidade criadora que o tempo viria a reconhecer» (p. 84). O livro de Clara Rocha afirma-se, assim, enquanto guia de leitura crítica e instrumento de estudo imprescindível, revelando-se, simultaneamente, como obra de deleitosa leitura.
Outro acontecimento é, sem dúvida, o início da publicação da correspondência de Ilse Losa (1913-2006), na altura em que se celebram os 105 anos do seu nascimento. O primeiro volume, monumental, intitula-se Estreitando Laços: Correspondência com os pares lusófonos (2018), e a organização fica a dever-se à investigadora brasileira Karina Marques. Um aturado e devotado trabalho de selecção, decifração, estudo e… paciência, sem dúvida, dado que, além de um longo texto introdutório, encontramos aqui numerosas notas biográficas e de contextualização, além de uma cronologia, uma completa bibliografia, índices utilíssimos e muito mais. O espaço não nos permite descrever aqui, de modo rigoroso, todo o aparato crítico, nem o essencial da correspondência (com José Rodrigues Miguéis, Joaquim Namorado, Mário Dionísio, Namora, Eugénio de Andrade, Sophia, Sena, Cardoso Pires, Matilde Rosa Araújo, Herberto Helder e com muitíssimos mais nomes fundamentais da vida literária e cultural portuguesa, sobretudo da segunda metade do século XX). Trata-se, pois, de uma ferramenta de trabalho indispensável, quer a quem estuda e deseja conhecer, em profundidade, a obra em Português desta escritora alemã, de origem judaica, fugida à Gestapo e fixada no Porto, a partir de 1934, quer a qualquer historiador ou investigador em literatura e cultura portuguesas do século XX. Isto para não falar de quem se dedica à pesquisa sobre as relações culturais entre o nosso país e a Alemanha durante o longo período da resistência ao fascismo em Portugal (e Ilse e o seu marido, o arquitecto Arménio Losa foram, sem dúvida, figuras incontornáveis dessa resistência, no plano político-cultural).
Esta primeira e impressionante compilação de correspondência vem a lume com a chancela da Afrontamento, editora que com ela se propõe iniciar a reedição de toda a obra, quer para adultos quer para crianças, da autora do inesquecível romance O Mundo em que Vivi (1949). A par do volume citado, a Afrontamento acaba de reeditar Ana-anA (2018), belíssima narrativa para a infância centrada na temática natalícia e inserível nas obras de contornos fantásticos que Ilse também criou; e ainda a tradução de O Rouxinol (2018), conhecido conto de Hans Christian Andersen (1805-1875), cuja versão portuguesa (esta, de peculiar poeticidade) se fica a dever também à escritora de Sob Céus Estranhos. Ambos os livros são belamente ilustrados por Manuela Bacelar, uma cúmplice, de muitos anos, desta escritora alemã que quis fazer da língua portuguesa uma segunda pátria.
Merece, pois, todo o apreço a iniciativa da Afrontamento, numa altura em que, não restem dúvidas, se assiste a um recrudescimento do interesse pela obra literária, rica e multifacetada, de Ilse Losa – objecto também de um excelente estudo recente de Ana Cristina Vasconcelos de Macedo, sob o título A Escrita para a Infância e a Juventude de Ilse Losa (Tropelias & Companhia, 2018). Assinale-se, já agora, o facto de o número 215 do jornal As Artes entre as Letras (Março de 2018) dedicar largo espaço à escrita de Ilse, em diversos artigos.
Uma nota final, neste roteiro, para assinalar a saída, em Março de 2018, do n.º 15 de Esteiro, o boletim semestral publicado pelo Sector Intelectual de Lisboa do PCP. Destaque para uma entrevista ao escritor Rui Nunes, conduzida por Modesto Navarro. Entre outros, colaboram neste número Sérgio de Sousa, Domingos Lobo e Manuel Gusmão («A cultura como espaço de luta entre uma ideologia da emancipação e uma ideologia da dominação», excerto) merecendo um sublinhado as breves evocações de Armando Silva Carvalho e de José Correia Tavares, falecidos em 2017 e 2018, respectivamente. A escrita poética de Fernando Miguel Bernardes é também objecto de atenção.
Bernardes que acaba de ver editado, acrescente-se, um livro de textos memorialísticos (Um Homem, Dois Séculos) de leitura recomendável, a propósito do qual cito as justas palavras de Domingos Lobo: «Em Um Homem, Dois Séculos, Bernardes integra testemunhos, contos, vivências raras que percorrem a segunda metade do século XX (as lutas estudantis, os Tribunais Plenários, as prisões do fascismo, a escrita como fronteira de resistência, a intervenção cívica ou os dias solares de Abril), e chega ao século XXI com a certeza e o optimismo de quem sabe que é pela luta que vamos e que as estradas se abrem pelas nossas próprias mãos e “um dia...” condição de quem está vivo e inquieto, como neste livro, num texto dedicado a Urbano, o autor não deixa de afirmar: “resistindo a esta contracultura global do século XXI”. O humor, o atento olhar aos pormenores que descreve com apurada destreza, o poeta, sensível perscrutador de signos epocais, a memória emotiva, vibrátil e lúcida, atravessam estas estórias (…)».
Resta referir que a chancela de Um Homem, Dois Séculos é da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, que soma assim mais um valioso título à sua colecção «Memória perecível».
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