Só em 2021, foram registados 142 conflitos envolvendo fogos criminosos em 132 comunidades, que atingiram quase 38 mil famílias no Brasil.
O estado do Mato Grosso do Sul foi onde se registou maior número de conflitos com fogo (26 ocorrências), seguido pelo Mato Grosso (22), Bahia (14) e Rondónia (10), que, juntos, concentram 50,7% dos casos, refere o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra no seu portal.
No Mato Grosso, das dez áreas protegidas mais desflorestadas entre Agosto de 2020 e Julho do ano passado, seis são do povo Xavante. As principais vítimas deste tipo de conflito são os povos indígenas, precisamente. Além destes, são também afectados os ribeirinhos, quilombolas, camponeses e famílias sem terra.
«A escalada destes números aconteceu durante o governo Bolsonaro. Conflitos envolvendo fogo acontecem em todos os biomas brasileiros, mas em 2021 o Cerrado concentrou 54% deles. De um ano para o outro, a taxa de desmatamento nessa região subiu 7,9% – o maior crescimento desde 2015. Desde que Jair Bolsonaro (PL) assumiu a presidência do país, em 2018, a devastação no Cerrado cresceu 17%», afirma o Brasil de Fato.
Os alertas de desmatamento da floresta amazónica indicaram uma área de 8426 quilómetros quadrados em 2020, o equivalente a cerca de cinco cidades de São Paulo. Os dados foram divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) na sexta-feira passada e foram registados pelo projecto Deter-B, que indica praticamente em tempo real a localização de acções ilegais em zonas preservadas. A área devastada na Amazónia em 2020 – 8426 quilómetros quadrados – corresponde ao segundo pior índice da série histórica do Deter, que começou a operar em 2015; só é suplantada por 2019, primeiro ano de governação de Jair Bolsonaro, em que foi desflorestada uma área de 9178 quilómetros quadrados. Ou seja, nos dois primeiros anos do governo de Bolsonaro, a área desflorestada na Amazónia é 82% superior, em média, à dos três anos anteriores. Mesmo com a redução de 8% de 2019 para 2020, a média de área desmatada nestes dois anos é de 8802 quilómetros quadrados, bem acima da registada entre 2016 e 2018: 4844 quilómetros quadrados, informa o Portal Vermelho. Numa nota à imprensa, o secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, comentou estes dados afirmando que «Bolsonaro tem dois anos de mandato e os dois piores anos de Deter ocorreram na gestão dele». «As queimadas, tanto na Amazónia quanto no Pantanal, também cresceram por dois anos consecutivos. Não é coincidência, mas sim o resultado das políticas de destruição ambiental implementadas pelo actual governo», sublinhou. Já no início de Dezembro, quando veio a público que a devastação da Amazónia batia recordes no Brasil, o Observatório dirigiu duras críticas ao governo brasileiro, tendo emitido uma nota em que denunciava que os números cumprem «um projeto bem-sucedido de aniquilação da capacidade do Estado Brasileiro e dos órgãos de fiscalização de cuidar de nossas florestas e combater o crime na Amazónia». Por seu lado, Rômulo Batista, porta-voz da Campanha Amazônia da Greenpeace, disse que aquilo a que se tem assistido nos últimos dois anos é um desmantelamento de «todas as políticas e conquistas ambientais feitas desde a redemocratização do país». Em entrevista ao Brasil de Fato, afirmou que «Bolsonaro vê o meio ambiente como um entrave económico» e que tanto ele como os seus ministros «apostam na abertura de terras indígenas para mineração e no desmatamento para o aumento da produção agrícola». Destacou que o «desmatamento não traz riqueza» e lembrou que a «ciência aponta que a Amazónia está muito próxima de um ponto de "não retorno" também chamado de ponto de "inflexão", que é quando a floresta perde a capacidade da sua automanutenção». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Desflorestação no período de Bolsonaro é 82% superior aos anos anteriores
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Com base em sistematizações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), estes dados estão na terceira fase do dossiê da organização Agro é Fogo. Lançado esta quinta-feira, em Brasília, o material de 100 páginas enfatiza a relação intrínseca entre os incêndios nos biomas brasileiros, os conflitos pela terra e a política posta em prática pelo governo federal.
De acordo com o dossiê, os fogos florestais têm vindo a ser utilizados como estratégia para a expulsão de comunidades tradicionais dos seus territórios e tornaram-se uma ferramenta na expansão do agronegócio pelo país.
«O aumento das queimadas criminosas faz parte de um projeto político que está diretamente ligado às ações do poder legislativo e executivo», sublinha a Agro é Fogo, que reúne mais de 30 organizações e pastorais que actuam na defesa da Amazónia, do Cerrado, do Pantanal e dos seus povos.
O rasto das queimadas
Com o título «Brasil em Chamas – o poder político no rastro dos incêndios», o dossiê é composto por cinco artigos e sete textos sobre casos específicos de conflitos pela terra envolvendo fogos criminosos. Entre eles, a luta do povo Krahô-Kanela pelo seu território no estado de Tocantins; os Karipuna no de Rondónia e os incêndios nos territórios veredeiros em Bonito de Minas Gerais.
Também no estado de Rondónia, as invasões na Terra Indígena (TI) Uru-eu-wau-wau, onde vivem sete povos (quatro dos quais isolados), são abordadas no relatório. Demarcada desde 1991, nos últimos três anos, a TI tem sido invadida por grileiros que acedem à área através da fazenda Marechal Rondom, que limita com o território. Neste contexto de conflito, um indígena foi espancado até a morte em 2021. Em reacção às invasões, os Uru-eu-wau-wau tem vindo a organizar-se com vigilância e combate autónomo aos incêndios, refere o Brasil de Fato.
No Mato Grosso, os Xavante, que se autodenominam A'uwe, enfrentam as tensões relacionadas com o facto de as suas 11 terras estarem rodeadas pelo agronegócio e de os incêndios terem atingido uma área de 7400 km² só em 2021. Além disso, segundo o dossiê, eles têm sido pressionados «pelo projeto inconstitucional mobilizado pelo governo Bolsonaro, chamado "AgroXavante", para expandir o monocultivo dentro das terras indígenas».
«A cadeia do agro utiliza o fogo de forma direta ou indiretamente associada a processos de desmatamento e grilagem, buscando consolidar a expansão da fronteira agrícola», afirma o dossiê, que caracteriza os incêndios florestais como vectores da devastação ambiental e, em simultâneo, como arma para expulsar os povos dos seus territórios.
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