«Os profissionais de enfermagem são regularmente obrigados a prestar cuidados aos pacientes nas cadeiras dos corredores, comprometendo a segurança e a dignidade dos pacientes», afirmou o sindicato Royal College of Nursing (RCN) esta segunda-feira no seu portal, pedindo aos seus filiados que denunciem estas situações e se juntem à luta para erradicar estas práticas.
Um relatório do RCN agora publicado – «Cuidados nos Corredores: Inseguros, Indignos, Inaceitáveis» – revela que mais de um terço (37%) dos enfermeiros «prestou cuidados em locais inadequados, como corredores, no seu último turno».
No inquérito que abrangeu quase 11 mil profissionais de enfermagem em todo o Reino Unido, evidencia-se até que ponto «os cuidados nos corredores foram normalizados», com pacientes a serem ali tratados de forma regular e por longos períodos de tempo, por vezes dias seguidos.
Por aumentos salariais que permitam enfrentar o custo de vida e por melhores condições para os utentes no serviço público de saúde, os enfermeiros britânicos podem manter as paralisações em Janeiro. Milhares de enfermeiros estiveram em greve em Inglaterra, no País de Gales e na Irlanda do Norte, esta terça-feira, depois de o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, ter insistido que não iria recuar perante a vaga de greves no país. O que Sunak assegurou, na Letónia, é que o empenho britânico na guerra na Ucrânia se vai manter firme em 2023. A greve de ontem – o segundo dia em menos de uma semana, depois de, na sua história, o pessoal da enfermagem britânico nunca ter levado a cabo uma greve a nível nacional – visava lutar pela defesa das condições de trabalho e de vida. Com a taxa de inflação em níveis sem precedentes nos últimos 40 anos, os sindicatos alertam que as pessoas estão a passar mal, e o Royal College of Nursing (RCN) disse que alguns dos seus membros se viram obrigados a recorrer a bancos alimentares. Outro elemento para o qual os sindicatos envolvidos na luta apontam é a preocupação com as actuais condições do NHS (sistema público de saúde britânico) e o serviço que presta aos utentes. A este respeito, Pat Cullen, secretária-geral do RCN, disse que estas greves são «uma batalha pela alma absoluta do NHS, para o retirar da beira e da queda total no precipício», indica o The Guardian. Em Londres, realizou-se uma manifestação conjunta, até à residência oficial do primeiro-ministro, convocada por organizações de trabalhadores e de defesa do carácter público do NHS. Pelo país fora, junto a várias unidades hospitalares, os trabalhadores em greve foram saudados pela população, refere o periódico Morning Star. À entrada do Royal Liverpool University Hospital, a enfermeira Danielle McLaughlan destacou o apoio das pessoas ao piquete de greve e disse que a paralisação tinha tanto a ver com o facto de as enfermeiras não poderem viver com o que ganham como com o facto de «os pacientes estarem em risco», devido à falta de pessoal. «Os enfermeiros estão cansados e tristes porque não podem prestar os cuidados que querem», lamentou. Num outro piquete, junto ao St Thomas' Hospital, em Londres, a enfermeira Anu Kapur, de 35 anos, disse que o salário «não corresponde» ao nível de trabalho que lhe é exigido a ela e aos seus colegas, e mostrou-se preocupada com as consequências da falta de pessoal para a saúde dos utentes. Jane, enfermeira igualmente presente no piquete junto ao St Thomas' Hospital, criticou o governo por não se empenhar nas negociações com o RCN. «Sinto que estão distantes, daquilo por que estamos a passar, que nos desprezam e que não se interessam e, dessa forma, não se interessam também pelos utentes», denunciou. Tal como a sua colega, destacou a falta de pessoal, a carga de trabalho, a exaustão e o «sentir-se desmoralizada», na medida em que acaba muitos turnos com «a sensação de que não fez aquilo que devia», porque há demasiados pacientes para poucos enfermeiros. «Porque estão sobrecarregados com trabalho e são mal pagos, muitos estão a deixar a profissão que amam», disse ao periódico. Falando num piquete em Newcastle, a secretário-geral do RCN, Pat Cullen, pediu ao primeiro-ministro que «intervenha agora e faça o que é correcto», tanto para os utentes do NHS como para os profissionais da enfermagem. Entretanto, avisou que, até sexta-feira, o sindicato vai anunciar as datas e os hospitais para uma greve em Janeiro, e que a bola está do lado de Sunak. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Cansados e mal pagos, enfermeiros fizeram greve no Reino Unido
Mobilização e apoio nas ruas
«Tratam-nos com desprezo»
Se não houver respostas, greves continuam
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O sindicato afirma que estes casos devem agora ser apontados como «Eventos Nunca» nos serviços do NHS (Sistema de Saúde Nacional), tal como já o são «a operação a um membro errado ou a permanência de um objecto estranho no interior do corpo de um paciente».
Aquilo que devia ser uma «medida de emergência é agora uma rotina», denuncia o RCN, que alerta para situações como falta de espaço, falta de acesso a oxigénio ou a realização de exames que comprometem «a dignidade e a privacidade» dos pacientes, em espaços apinhados.
«O horror desta situação não pode ser subestimado»
Ao apresentar o relatório a delegados sindicais numa conferência no País de Gales, a secretária-geral do RCN, Nicola Ranger, declarou uma «emergência nacional» num contexto de necessidade imperiosa de «maior financiamento», depois de mais de uma década de «subfinanciamento crónico» do sistema por parte dos governos, indica o Morning Star.
«Os nossos serviços, outrora líderes mundiais, estão a tratar pacientes em parques de estacionamento e despensas», disse.
Sindicatos, utentes, partidos de esquerda estão a denunciar o «Health and Care Bill» do governo de Boris Johnson, afirmando que se trata de um cavalo de Tróia para aprofundar a privatização da saúde pública. À medida que o projecto da Lei da Saúde e dos Cuidados avança, depois de ter sido apresentado, em Julho, pelo governo conservador britânico, sobe de tom a oposição de vários sectores progressistas e de esquerda, que vêem na «lei do assalto corporativo» ao National Health Service (NHS; serviço nacional de saúde) uma forma de aprofundar a sua privatização e de colocar áreas-chave da saúde pública nas mãos dos privados. Esta semana, um deputado do Partido Trabalhista exigiu a reversão da privatização do NHS, bem como a supressão do projecto de lei conservador, refere o Peoples Dispatch. Reclamou ainda o financiamento adequado do serviço nacional de saúde, incluindo um aumento salarial de 15% para os seus funcionários. Organizações como We Own It e Unite the Union, iniciativas e campanhas como Save the NHS e Just Treatment também têm estado activas e a expressar as suas preocupações sobre o projecto de lei, acusando o governo de Johnson de usar a pandemia de Covid-19 para privatizar serviços importantes do NHS. O governo britânico defende a necessidade de reorganizar o sistema, aproximando os hospitais do apoio social e atribuindo um papel mais formal às empresas privadas na «colaboração» com o serviço público – que já detêm. Os oponentes afirmam que a referida reorganização – que irá dividir o NHS em 42 unidades integradas, «cada qual com o seu orçamento apertado» – significa um aprofundamento da privatização do sistema, quando, no contexto da pandemia, se exige um maior investimento público. O projecto de lei, que já foi aprovado na Casa dos Comuns duas vezes em Julho, encontra-se na fase da Comissão, prevendo-se que seja submetido a uma terceira votação em Outubro. De acordo com a fonte, o governo de Boris Johnson quer lançar a «reforma» a todo o vapor em Abril do próximo ano. Numa declaração proferida na terça-feira, Jacalyn Williams, responsável da área da Saúde do sindicato Unite the Union, sublinhou que o «NHS é a nossa maior conquista e, depois de uma década de subfinanciamento e de lidar com a pandemia de Covid-19, esta lei não é a receita de que necessitamos». Disse ainda que a lei é um cavalo de Tróia, que vai trazer maior privatização, clientelismo, austeridade, e dará carta branca para «atropelar e vender o NHS». Por seu lado, a organização Just Treatment afirmou que o projecto de lei vai conduzir o serviço público para um estilo à americana, onde os lucros são postos à frente da saúde, e destacando que lucrar com a saúde das pessoas contraria os princípios do NHS. O organismo lembrou ainda que, entre os muitos poderes que as empresas privadas passarão a ter, está o de decidir aquilo que os trabalhadores ganham, o que significará cortes para enfermeiros e médicos sobrecarregados. De acordo com as estimativas do Unite the Union, o nível de privatização do NHS em 2018-19 variou entre 7% e 22%, e mesmo o valor mais baixo representou a transferência de 9,2 mil milhões de libras (10,7 mil milhões de euros) do orçamento do NHS para os bolsos dos privados. Robert Griffiths, secretário-geral do Partido Comunista Britânico, também criticou a «proliferação de cuidados de saúde privados, a transferência de serviços do NHS para empresas guiadas pelo lucro, a drenagem de recursos do NHS para Inciativas de Financiamento Privado (PFI) e a duplicação dos pagamentos a entidades privadas desde 2010», informa o Peoples Dispatch. Segundo um inquérito realizado pela campanha We Own It (é nosso) e pela Survation, 76% dos inquiridos disseram que desejavam ver o NHS «restabelecido como um serviço totalmente público», frente a apenas 15% que aceitaram a colaboração privada com a saúde pública. «Os utentes e os trabalhadores não querem mais poder corporativo no nosso NHS – queremos mais financiamento, uma voz democrática sobre o modo como funciona, apoio adequado aos trabalhadores e o fim dos planos de privatização», afirmou a Just Treatment numa declaração da sua campanha contra o projecto de lei de Boris Johnson. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Reino Unido: alertas face ao avanço na privatização da saúde pública
«Esta não é a receita de que necessitamos»
«Os utentes e os trabalhadores não querem mais poder corporativo no NHS»
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«Os idosos definham em cadeiras horas a fio e os pacientes morrem nos corredores», alertou, sublinhando que «o horror desta situação não pode ser subestimado; é uma emergência nacional para a segurança dos pacientes e hoje estamos a dar o alerta».
A organização que luta no Reino Unido pelo carácter público do sistema nacional de saúde – Keep Our NHS Public (Mantenham o Nosso NHS Público) – disse que os atrasos na assistência a acidentes e emergências estavam a provocar 300 mortes evitáveis por semana, sendo um «sinal claro» da crise.
O co-presidente da organização, John Puntis, disse ao Morning Star que «o impacto nas famílias e parentes é imenso, enquanto os danos morais aos funcionários estão associados ao stress, que provoca graves problemas de saúde mental».
«Pior ainda é a recusa do governo em reconhecer o problema, escondendo-se atrás da alegação de "financiamento recorde", em vez de investir na reconstrução do NHS e garantir a capacidade de prestar cuidados seguros e atempados a todos», afirmou.
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