Num contexto de uma grave crise económica e social por toda a Europa, onde o fascismo italiano fez o assalto ao poder com a Marcha sobre Roma em 1922, a Alemanha encontrava-se em ebulição. O partido nazi fundado em 1918, ao qual Adolf Hitler se juntara em 1919, começou a crescer e, instrumentalizando problemas na vida dos trabalhadores, foi crescendo e usando o racismo, anti-semitismo e o anti-comunismo como instrumentos para o consolidar e ofuscando as reais soluções.
A 8 de Novembro de 1923 o partido nazi, conduzido por Hitler, julgando ter já as condições reunidas, inspira-se na Marcha sobre Roma e realiza o Putsch da Cervejaria, uma tentativa de golpe de Estado que viria a falhar. No dia seguinte há uma nova tentativa, mais uma vez falhada, e que leva à prisão de Hitler. Se pela via insurrecional não foi possível aos nazis conquistarem o poder, passados 10 anos nada os impediu de tentarem por uma outra via.
Nesse período de tempo o partido nazi cresce e procura participar no sistema democrático. Nas eleições federais alemãs em Maio de 1924 o Partido Nazi obtém 6,5% dos votos; em Dezembro de 1924 o Partido Nazi obtém 3%; em 1928 obtém 2,6%; e em 1930 soam os alarmes com um resultado de 18,3 e consolida-se como segunda mais força política. Até então, o máximo que tinha conseguido ser era sexta maior força.
À medida que os anos foram avançando os problemas sociais e económicos não só não foram resolvidos como foram agravados com a Grande Depressão de 1929. Isto resultou num nível de contestação elevado, um desânimo geral no regime político e uma progressiva perda de esperança. O Partido Nazi, no seu conteúdo, não atacava o sistema económico e social capitalista, mas era taticamente obrigado a propor, no seu programa com 25 pontos, algumas medidas que poderiam aparentar enfrentar os grandes interesses económicos, mas seriam apenas os trusts, por mero preconceito da origem do capital ou a imoralidade de alguns lucros gerados com a guerra por causarem indignação geral.
É com base nesse programa que o Partido Nazi avança para dois actos eleitorais em 1932: as eleições presidenciais e as eleições federais. Nas primeiras, as presidenciais, o candidato do Partido Nazi fora logicamente Hitler que já tinha a sua liderança dentro do partido totalmente centralizada com as purgas feitas. Hitler, ao contrário do que é dito, não ganhou as eleições. Na primeira volta, realizada a 13 de Março, Hitler obteve 30,2% dos votos enquanto Paul von Hindenburg obteve 49,6%. Na segunda volta, realizada a 10 de Abril, Hitler arrecadou 36,7 % e Paul von Hindenburg 53,1%.
O segundo acto eleitoral em 1932 foi a eleição federal. Estas são as eleições que, a par das eleições presidenciais confirmaram o crescimento do Partido Nazi sustentado pela disseminação do ódio e pelo anti-semitismo enquanto espantalho. Nesse acto eleitoral, o Partido Nazi obteve 33,09%, o que corresponde a mais de 11 milhões de votos. Logo de seguida apareceu o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) com 20,43%, o equivalente a cerca de sete milhões de votos; em terceiro lugar ficou o Partido Comunista da Alemanha (KPD) que ficara com 16,86%, o equivalente a cinco milhões de votos.
Colocava-se aqui uma enorme fragmentação que era acompanhada por uma grande instabilidade política. Consciente dos perigos, os restantes partido recusaram acordos com o Partido Nazi, mas, simultaneamente, alimentavam o anticomunismo primário, como já se tinha visto em 1919 com o «terror branco» promovido pelo SPD, a que se seguiu uma enorme repressão aos comunistas e os assassinatos de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg.
Neste quadro, Paul von Hindenburg que em 1932 já tinha 84 anos, aconselhado por Franz von Papen, considerou que a melhor maneira de acabar com a instabilidade seria nomear Hitler como chanceler alemão, algo também reivindicado por este último. Desta forma, a 30 de Janeiro de 1933, Hitler é nomeado chanceler alemão.
Com o avolumar-se das tensões e do crescimento do nazi-fascismo na Alemanha, a 27 de Fevereiro de 1933 o Reichstag é incendiado. O incêndio provocou uma onda de perseguição contra os comunistas, uma vez que Hitler considerava que a Internacional Comunista poderia estar envolvida, chegando a ser detido, em Março desse ano, Georgi Dimitrov, Secretário-Geral do Comintern.
O Incêndio no Reichstag fez com que Hitler fosse pedir a Paul von Hindenburg a declaração de um Estado de Emergência para combater os «inimigos». É assim emitido, a 29 de Fevereiro de 1933, o Decreto do Presidente do Reich para a Proteção do povo e do Estado, ou seja, é decretado o Estado de Emergência, algo que estava enquadrado na Constituição. Com este documento o Estado via reforçado o seu poder. Foi decretada a suspensão da «liberdade pessoal, liberdade de expressão, liberdade de imprensa, direito de associação e de reuniões públicas, privacidade nos correios e telefones, proteção da casa e propriedades»; passou a estar concentrado no governo os poderes que seriam dos estados alemães; acentuaram-se as penas; e foi com isso que se começaram a construir os primeiros campos de concentração.
Poucos dias depois, a 5 de Março de 1933, foram realizadas, novamente, eleições federais. O Partido Nazi viu reforçada a sua votação e passou a ter 43,91%, 17 milhões de votos. Os restantes partidos mantiveram sensivelmente o mesmo número de votos, mas percentualmente baixaram imenso. Com o Estado de Emergência em vigor, com os poderes concentrados nas mãos dos nazis e com o reforço do seu poder no Reichstag, foi possível dois elementos: reprimir brutalmente os restantes partidos e aprovar a Lei de Concessão de Plenos Poderes, a 23 de Março de 1933.
Foi graças ao Estado de Emergência que tal situação foi criada. Foi graças ao Estado de Emergência que a perseguição, uma vez legitimada e legalizada, se intensificou. Foi com o Estado de Emergência que se aprovou uma lei que previa que o governo nazi poderia aprovar leis que atentassem contra a Constituição e o esvaziamento dos poderes do Reichstag. O resto da história é já conhecida, assim como os crimes contra a humanidade.
Dando agora o salto até 2023, o que se identifica na Itália é motivo para preocupações. O Estado de Emergência aprovado em Conselho de Ministros no passado dia 11 de Abril irá permitir e legitimar que o Governo de extrema-direita liderado por Meloni suspenda os direitos de imigrantes em situação ilegal. Tal medida, é apenas noticiada como algo que facilitará deportações, até porque ainda não foi divulgado o texto integral, mas sabe-se já que irá aumentar o número de estruturas vocacionadas para o repatriamento de migrantes, chamados de Centro de Permanência para o Repatriamento.
Esta medida surge num grave contexto de crise em parte despoletado pela guerra na Ucrânia e num momento em que a dívida pública italiana corresponde a 144% do PIB. Nessa mesma reunião do Conselho de Ministros, foi aprovado o Documento Economico Financeiro que serve como base para a aprovação do Orçamento do Estado para o próximo ano. Com o Estado de Emergência, as atenções irão recair premeditadamente na questão dos imigrantes. O Governo italiano, uma coligação entre partidos de extrema-direita saudosistas do fascismo, irá procurar criar um inimigo comum e com isso ofuscar as reais causas e soluções para o graves problemas socio-económicos sentidos pelos italianos.
Recorde-se que foi pela via legal que o Fratelli d'Italia, o Lega, o Forza Italia e o Noi Moderati conseguiram constituir governo e é pela via legal que declaram um Estado de Emergência. O que está em causa é, mais uma vez, a utilização da máquina do Estado para fins repressivos. O que poderemos estar a assistir à história em forma de farsa.
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