|Bolívia

Falta imparcialidade na Bolívia para investigar massacres

Um relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciou a existência de massacres e a impossibilidade de conduzir uma investigação imparcial na Bolívia, após o golpe de Estado naquele país.

Os caixões ficaram caídos nas ruas após a repressão policial das cerimónias fúnebres dos oito assassinados na refinaria de Senkata, em El Alto, Murillo, departamento de La Paz, na Bolívia, a 21 de Novembro de 2019.
CréditosMarco Bello / Reuters

Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização de Estados Americanos (OEA) não há garantias, na Bolívia, de investigar de forma imparcial os factos ocorridos após a renúncia de Evo Morales.

A declaração partiu do relator da CIDH sobre Direitos das Defensoras e Defensores do Povo (uma figura que corresponde, aproximadamente, ao Provedor da Justiça em Portugal), Francisco José Eguiguren, o qual, segundo o argentino Página 12, manifestou a necessidade de formar um grupo interdisciplinar e internacional de peritos que possa deslocar-se à Bolívia e avaliar a situação in loco.

«apesar da informação oficial falar de mortes por enfrentamento entre civis, cremos ser requerida uma investigação internacional, por não encontrarmos internamente garantias de uma investigação imparcial e firme»

Francisco José Eguiguren, CIDH 

O advogado e especialista em direitos humanos não hesitou em qualificar como massacres as mortes de 14 pessoas durante a repressão policial exercida sobre manifestantes que, nas localidades de El Alto (Murillo, departamento de La Paz) e Sacaba (Chaparé, departamento de Cochabamba), protestavam contra o golpe de Estado que derrubou o presidente legítimo Evo Morales.

Francisco José Eguiguren manifestou a sua preocupação pela realidade que se vive na Bolívia. Considerou existir «uma situação muito alarmante, polarização, discurso de ódio, violência, grupos armados», algo que, como afirmou em declarações à cadeia norte-americana CNN, «é muito sério» e exige uma investigação externa, «em profundidade, sobre o acontecido após a renúncia do presidente Evo Morales e a anulação do acto eleitoral, que causaram pelo menos dois massacres claramente verificados, um em El Alto e outro em Cochabamba».

Em 15 de Novembro, em El Alto, oito camponeses foram assassinados por impacto directo de bala durante uma manifestação de apoio a Evo Morales e contra o golpe de Estado. Em 19 de Novembro, também em El Alto, seis pessoas foram mortas a tiro pela polícia em frente à refinaria de Senkata, na sequência de protestos semelhantes. Dois dias depois, o funeral das vítimas, uma emocionante manifestação de pesar, desceu de El Alto até Murillo para ser violentamente reprimido pela polícia, como divulgou o Diário de Navarra.

O especialista peruano em Direitos Humanos não se deixou iludir pelas declarações do «governo de facto» e declarou que «apesar da informação oficial falar de mortes por enfrentamento entre civis, cremos ser requerida uma investigação internacional, por não encontrarmos internamente garantias de uma investigação imparcial e firme».


Criticou também um decreto que retirava a responsabilidade penal às forças de segurança bolivianas: «é muito alarmante constatar que um dos massacres foi perpetrado no dia seguinte a este muito questionável decreto, em que o Governo interino dispôs que a intervenção das Forças Armadas estaria isenta de investigação e responsabilidade». O decreto em causa foi aprovado a 14 de Novembro pela autoproclamada presidente Jeanine Áñez e revogado pela mesma em 28 de Novembro, a pretexto de que o país já estaria «pacificado», mas de facto devido ao escândalo nacional e internacional produzido pelo mesmo.

As declarações de Eguiguren sucedem-se quatro dias depois de uma delegação da CIDH, encabeçada pelo seu secretário-executivo, o brasileiro Paulo Abrão, ter estado em El Alto para recolher testemunhos dos massacres de Senkata e El Alto.

Apesar de os golpistas, que controlam ferreamente os meios de informação na Bolívia, terem apresentado a visita como se fosse para ouvir «as duas partes», tratando o caso como tendo surgido a partir de confrontos entre grupos de manifestantes rivais, pró e contra Evo Morales, os vívidos depoimentos dos sobreviventes, entre os quais o de Ixalta Aliva («como a cães, como a animais, como a perdizes, assim nos caçam»), não terão deixado grandes dúvidas a Paulo Abrão, no relatório que terá apresentado a Eguiguren.

O que é a CIDH e quem é Francisco Eguiguren

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é um órgão principal e autónomo da Organização de Estados Americanos (OEA), encarregue da promoção e protecção dos direitos humanos no continente americano. Foi fundada em 1959 e está sediada em Washington D.C. (EUA).

O peruano Francisco José Eguiguren Praeli foi eleito comissário do CIDH em Junho de 2015 e é, desde 2017, presidente daquele organismo. Terminará o seu mandato em 31 de Dezembro de 2019. Advogado, com um mestrado em Direito Constitucional e um doutoramento em Humanidades, foi ministro da Justiça do Peru e embaixador deste país em Espanha. Actualmente é assessor e consultor de Direito tanto a nível nacional como internacional, especializado em temas de Direito Constitucional, Administrativo e Direitos Humanos.

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