Num comunicado emitido pela Assembleia de Organizações Sociais, que integra, entre outras, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Chile, a Confederação Bancária e a Confederação dos Trabalhadores da Saúde, exige-se que o governo de Sebastián Piñera «restitua a institucionalidade democrática». Tal significa desde já, aclaram, acabar com o estado de sítio e devolver os militares aos seus quartéis.
As organizações frisam que só depois disso haverá condições que permitam iniciar um diálogo social e político capaz de responder às reivindicações que geraram aquele estado de indignação social.
Conscientes de que o Chile «enfrenta a maior crise política e social desde a saída da ditadura militar» de Pinochet, afirmam que a explosão social desencadeada pelo aumento dos transportes colectivos, «colocou em evidência a raiva contida e o descontentamento de outras políticas impulsionadas nas últimas décadas», como os «aumentos permanentes dos serviços básicos» e os «salários estagnados».
Simultaneamente denunciam que o Governo está a enveredar por verdadeiro «auto-Golpe», recorrendo «à maior das práticas antidemocráticas que é usar as Forças Armadas do Chile para impor a "paz social" por via da força» e, nesse contexto, decretar as suas políticas impopulares.
«A vida das pessoas não está melhor, mas o País está muito melhor»
A célebre frase proferida em 2014 pelo então líder da bancada do PSD, Luís Montenegro, após o garrote da troika e do governo do PSD e do CDS-PP, ajuda a ilustrar a realidade chilena.
Os anúncios de aumento das tarifas de electricidade, há cerca de um mês, e dos bilhetes de metro, agora, foram apenas o rastilho, num país que é o mais desigual entre os que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), ocupando a sétima posição do ranking na América Latina.
Para se ter uma ideia, 1% da população detém 33% da riqueza, enquanto 0,1% consegue capturar 19,5% daquilo que o país gera. No plano da saúde, educação e reformas, o cenário também não é animador e reflecte as consequências de anos de mercantilização dos direitos sociais.
O sistema de Previdência foi privatizado por Pinochet, em 1981. Desde então, os chilenos contribuem para animar os lucros dos fundos privados de pensões, sendo obrigados a depositar entre 10 a 15% do seu salário, que as empresas utilizam para investir no mercado financeiro, num período mínimo de 20 anos. No fim, não havendo outras contribuições, estatais ou das entidades empregadoras, os chilenos não conseguem alcançar um valor de reforma que lhes permita fazer face às suas necessidades.
Não obstante a matriz aplicada em termos de direitos (seguindo a cartilha dos «Chicago Boys»), com a Saúde e a Educação públicas completamente depauperadas, o Chile tem vindo a ser invejado pela sua «prosperidade económica», comparativamente com os restantes países da América do Sul. Depois do crescimento destacado de 4,8% no primeiro semestre de 2018, o maior da América Latina, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o Chile seja o primeiro a alcançar um PIB per capita de 30 mil dólares em 2020.
«Elite arrogante e insensível»
Apesar do pedido de «perdão» do presidente Sebastián Piñera e do anúncio de um pacote social, esta terça-feira, a fim de travar os protestos, a convocatória da greve geral manteve-se. As organizações repudiam a «violência irracional» gerada pelas atitudes do Governo, «que permitiu acções de vandalismo e delinquência de grupos minoritários, enquanto a grande maioria do país se manifestou de maneira pacífica e organizada por todo o território».
Ao mesmo tempo, responsabilizam a «elite arrogante e insensível, que durante décadas abusou de maneira impune e que mercantilizou até os direitos mais elementares», pela convulsão dos últimos dias. «Eles não são exemplo de nada, são os que levaram o país à grave explosão que estamos vivendo hoje», lê-se na nota.
Desde que começaram os protestos, pelo menos 15 pessoas morreram: 11 na região de Santiago e quatro no resto do Chile. Entre as que faleceram fora da capital, três foram baleadas.
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