Relatório McLaren volta a afastar atletas russos

Os atletas russos estão proibidos de participar nos Jogos Paralímpicos Rio 2016. Tal como nos Jogos Olímpicos de Verão a decisão baseia-se no Relatório McLaren, pouco escrutinado nos media.

Richard McLaren foi mandatado pela WADA para escrever o relatório que está na origem do afastamento dos atletas russos
Créditosarchyworldys.com

Os atletas russos foram afastados dos Jogos Paralímpicos Rio2016, confirmou o Tribunal Arbitral de Desporto, no dia 23. Nos Jogos Olímpicos de Verão deste ano a decisão de afastar os atletas foi delegada a cada uma das federações desportivas. Agora o afastamento aplica-se a todos os atletas.

Na base da decisão estão as conclusões do Relatório McLaren, elaborado pelo advogado canadiano Richard McLaren, em que é descrito um esquema de doping alegadamente patrocinado pelo Estado russo, entre 2011 e 2015, com particular incidência nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. O advogado, apresentado como figura independente, foi mandatado pela Agência Mundial Anti-Doping.

Algo que tem passado um pouco despercebido é que as acusações contra a Rússia têm como fonte sobretudo as declarações de Vitaly Stepanov, um ex-funcionário da Agência Russa Antidopagem (Rusada), a sua mulher Yuliya Stepanova, uma atleta russa, e Grigory Rodchenkov, o ex-director do laboratório antidopagem da Rússia em Moscovo. Há algo em comum a estas pessoas: todas elas estão, de uma ou de outra forma, envolvidas em escândalos de doping.

A campanha não começou com o relatório: no final de 2014 Yuliya tinha dado uma entrevista à ARD e já este ano o programa 60 Minutos e o The New York Times voltaram a pegar no tema, o que viria a espoletar o pedido de investigação da WADA.

Dado o seu destacado papel em todo este caso – que já teve como repercussões o afastamento de vários atletas russos dos Jogos Olímpicos de Verão e o muito provável afastamento de todos os atletas russos dos Jogos Paralímpicos do próximo mês de Setembro – importa perceber quem são os três protagonistas. As informações podem ser consultadas em Oriental Review, traduzidas em português aqui.

Relatório McLaren: Yuliya Stepanova, Vitaly Stepanov e Gregory Rodchenkov

A atleta Yuliya Stepanova deu positivo nos testes anti-doping, em Julho de 2010, durante o campeonato de atletismo de Saransk. A própria admitiu à WADA ter pago 30 mil rublos para que os resultados fossem ocultados – e o subornado foi Grigory Rodchenkov. «Mokhnev avisou Stepanova que tinha falado com o director do Laboratório de Moscovo, Grigory Rodchenkov, e que tinha ficado decidido que Stepanova iria pagar 30 mil rublos (aproximadamente mil dólares na altura) para Rodchenkov encobrir o resultado positivo do teste» (página 142 do relatório da WADA).

«Não fiz este trabalho para ver que atletas se podem ter dopado e o que é que eles usaram (…). Isso foi algo que não tive tempo de fazer.»

Richard McLaren, sobre o seu relatório

O marido da atleta trabalhava na Rusada nessa altura (de 2008 a 2011) e já confessou que sabia dos actos ilícitos, antes e depois de deixar o cargo. Depois das suas acusações ao Estado russo a família foi viver para os EUA, com apoio financeiro da WADA, segundo o próprio admitiu, de acordo com a Sport-Express, com referência à Reuters. Entretanto Vitaly confirmou que era o próprio Rodchenkov que vendia drogas e que depois ajudava a ocultar os seus sinais.

Acusado em 2013, tal como a irmã, da venda substâncias ilícitas, o tribunal recebe um comunicado médico que informa que Rodchenkov sofre de «desordem esquizotípica de personalidade», algo que faz com que as acusações contra ele sejam retiradas. Porém mantém-se no cargo que ocupa desde 2005, à frente do laboratório antidopagem em Moscovo, o único credenciado pela WADA para operar na Rússia. A sua demissão só aconteceu em 2015, quando a WADA o acusa de destruir intencionalmente mais de mil amostras – mais precisamente 1417 testes. Ele rejeita as acusações, mas demite-se e muda-se para os EUA.

É sobre o depoimento destas três pessoas que se baseia o relatório de Richard McLaren, o «independente» que admitiu, na conferência de imprensa de 18 de Julho, aquando a apresentação do seu relatório, que em 57 dias não podia «identificar todos os atletas que possam ter beneficiado da manipulação para esconder resultados positivos em testes de doping».

Em entrevista ao The Guardian, o advogado afirma: «As pessoas têm interpretado mal o que estava no relatório, particularmente a IOC e as federações internacionais. Não fiz este trabalho para ver que atletas se podem ter dopado e o que é que eles usaram (…). Não tive tempo de fazer isso e deixei bem claro que não fazia parte do relatório. O relatório era sobre doping patrocinado pelo Estado, manipulação de resultados, troca de amostras, preparação de esquemas antes de Londres2012. É um sistema gerido pelo Estado. E parece que as pessoas passaram completamente ao lado disso.»

«Tenho de questionar com que autoridade as agências anti-doping dos EUA e do Canadá prepararam a sua carta e que mandato têm eles para liderar uma chamada internacional para banir outra nação da Família Olímpica»

Pat Hickey, presidente do Comité Olímpico Europeu

Punição antes da comprovação

As acusações apontadas por este relatório não são examinadas pela justiça, as «provas» não são contestadas por advogados de defesa, nem há a presunção de inocência. Na verdade não há uma acusação formal contra atletas em específico, que levaria a esses procedimentos judiciais que poderiam, por sua vez, concluir que estas declarações são falsas e que devem ter consequências legais por mancharem a reputação de terceiros. A acusação, como já se sabe, é contra o Estado russo.

Mas as punições não tardaram. Dias depois da divulgação do relatório, muitos atletas russos estavam impedidos de participar nos Jogos Olímpicos de Verão. Já em Julho a WADA tinha pedido ao Comité Paralímpico Internacional que proibisse a actuação de todos os atletas russos nos Jogos Paralímpicos, em Setembro, o que foi aceite e agora confirmado pelo Tribunal Arbital de Desporto.

De acordo com a Sputnik, o presidente do Comité Paralímpico Russo (CPR), Vladimir Lukin, fez as seguintes afirmações numa entrevista à R-Sport, no dia 7 de Agosto: «Nenhuma prova sobre o relatório McLaren foi apresentada ao CPR. E não houve reclamações pessoais contra o CPR. Disseram-nos que a nossa comissão foi uma parte do sistema estatal russo de ocultação de testes de doping. O Comitê Internacional nunca apresentou qualquer prova de que este sistema existe e de que ele funciona, e de que o CPR era um assunto para este programa.»

Pat Hickey, presidente do Comité Olímpico Europeu (COE), prestou declarações a 16 de Julho, dois dias antes de o relatório ser tornado público, pronunciando-se sobre a pressão das agências de anti-doping dos EUA e do Canadá, no sentido de afastar os atletas russos dos Jogos Olímpicos.

«É claro que apenas atletas e organizações que apoiam a expulsão da Equipa Olímpica da Rússia foram contactados», afirmou o presidente do COE. «Tenho de questionar com que autoridade as agências anti-doping dos EUA e do Canadá prepararam a sua carta e que mandato têm para liderar uma campanha internacional para banir outra nação da Família Olímpica», acrescentou. «Embora eu compreenda perfeitamente e compartilhe as preocupações internacionais sobre as recentes alegações de doping, não se pode permitir que nenhum indivíduo ou grupo danifique a integridade da justiça e de um processo legal», concluiu Pat Hickey.

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