Um agricultor palestiniano de Qabatiya, localidade a sul de Jenin, na Cisjordânia ocupada ilegalmente por Israel, ficou surprendido e indignado ao saber que imagens suas e da sua família foram usadas pelo governo norte-americano para promover a conferência económica «Paz para a Prosperidade», realizada no Bahrein entre 24 e 26 de Junho para apresentar o chamado «Acordo do Século», apresentado pelos EUA como um «plano de paz definitiva» para o Médio-Oriente.
O plantador de morangos Osama Abu al-Rub declarou ao Middle East Eye (MEE) que está «insultado e irritado» por ter sido usado para promover um «projecto político perigoso», que vê como «destinado a liquidar a causa palestina». O agricultor, de 52 anos, garantiu que ninguém pediu sua permissão para reutilizar as imagens na página da Casa Branca.
Abu al-Rub declarou estar «muito aborrecido com a publicação das fotos», acrescentando ter «vergonha deste projecto», sendo «impossível aceitá-lo ou ser uma de suas ferramentas». Ao MME o agricultor disse partilhar da rejeição geral, entre os palestinianos, pelo «acordo» proposto por Donald Trump, e acreditar que «ninguém está autorizado a desistir de um só grão de areia da Palestina».
«Recuso-me a negociar a terra da Palestina»
oSAMA aBU AL-rUB
Abu al-Rub comparou o «acordo do século» com o Acordo Sykes-Picot de 1916, um tratado secreto anglo-francês que dividiu o Médio-Oriente em esferas de influência dos dois países e ao abrigo do qual os britânicos ocuparam a Palestina: «desde o Acordo Sykes-Picot até hoje, nós, os palestinos, temos estado sujeitos a políticas semelhantes [de ocupação]», afirmou, «mas a nossa firmeza e existência continuada na terra que é nossa fará falhar com todas as conspirações tecidas contra nós e contra a nossa causa».
O «rei dos morangos» e a propaganda
As fotografias usadas pelo governo norte-americano foram retiradas de uma reportagem da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) de 2013, descrevendo o apoio ao negócio de morangos de Abu al-Rub – designado por aquela organização como o «rei dos morangos».
A descrição do caso de Osama Abu al-Rub pela USAID assemelha-se às narrativas de êxito habituais no discurso de formação profissional por parte das instituições que o ministram.
«Osama começou a cultivar morangos há seis anos, da maneira tradicional», dizia-se na reportagem da USAID. «Plantou seus morangos no chão, onde eles ficavam susceptíveis aos caprichos da natureza – más condições do solo, pragas e imprecisão da irrigação». E, claro, «os seus rendimentos não eram por aí além», porque «os seus morangos não eram assim tão deliciosos».
«ninguém está autorizado a desistir de um só grão de areia da Palestina»
OSAMA ABU AL-RUB
Como resultado do apoio da USAID, Abu al-Rub construiu estufas, começou a pendurar os morangueiros acima do chão e a usar uma «irrigação computadorizada». E a reportagem afirmava que «graças ao seu novos conhecimentos e tecnologias, o negócio de morangos de Osama está florescente. A sua quinta é um modelo para a próxima geração de agricultores e agrónomos palestinianos».
O problema é que a narrativa da USAID não corresponde bem à realidade.
Um já então bem sucedido negócio
Osama Abu al-Rub confirmou ao MEE que a sua exploração já era um negócio bem sucedido antes de receber «um apoio limitado» da USAID. O agricultor tinha começado a plantar morangos, «de maneiras que não eram utilizadas até aí na Palestina» em 2008, em pouco mais de um acre de terra. No ano seguinte plantou e colheu dois acres de terra e foi expandindo o negócio até atingir 18-20 acres em 2013.
Nesse ano recebeu a visita de uma equipa da USAID que queria conhecer a sua experiência no desenvolvimento da produção de morangos e apresentar-lhe tecnologia que poderia ser usada para melhorar as condições de crescimento do morango. Os técnicos da USAID informaram-no da existência de um projecto para aumentar o cultivo de morangos na Cisjordânia, de que ele poderia beneficiar.
Abu al-Rub não aceitou o financiamento americano antes de consultar o Ministério da Agricultura da Palestina e de se assegurar que o mesmo não exigia a aceitação de condições por vezes impostas aos receptores de ajuda, como renunciarem à participação em organizações políticas consideradas terroristas pelos EUA ou a proibição e participação em acções políticas.
E se a USAID o apoiou em 2013 fornecendo equipamentos tecnológicos no valor de 150 mil shekels (41700 USD), Abu al-Rub no mesmo ano investiu do seu bolso 250 mil shekels (70000 USD). O apoio da USAID terminou nesse ano e não voltou a ser concedido.
Em Fevereiro de 2019 a USAID anunciou cessar todo o financiamento de projectos na Cisjordânia e em Gaza, de acordo com uma decisão do governo de Washington de retirar aos palestinianos e às organizações que os auxiliam o apoio financeiro dos EUA.
Os jornalistas do MEE quiseram fotografar Osama Abu al-Rub, mas este não autorizou que o fizessem. Tornou-se um homem prudente. Na sua opinião, os americanos usaram este «pequeno e simples projecto [económico] para promover um projecto político perigoso». Sente-se «muito insultado e irritado com isso» e rejeita totalmente essa manipulação.
Não compreende porque o escolheram a ele: foi apenas «um dos milhares de palestinos que receberam financiamento com a aprovação das instituições da Autoridade Palestina».
Os repórteres do MEE colocaram à USAID e ao governo dos EUA a questão da utilização indevida, para o folheto da conferência «Paz para a Prosperidade», das imagens do agricultor palestiniano e da sua família. Um porta-voz da primeira instituição recusou-se a comentar. Aguardam resposta da segunda.
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