Clara Ferreira Alves (CFA) usa uma página inteira da revista do Expresso para expor a sua mais completa ignorância sobre a realidade aeroportuária nacional. O título é irónico «Viagem ao mundo maravilhoso da TAP» e o subtítulo é elegante «Como em tudo o que o Estado Português toca e não larga da mão, a TAP é um trambolho». Depois, CFA encarrega-se de demonstrar que o trambolho é mesmo ela.
Indignada, acusa: «O aeroporto, o hub de que os políticos falam com tanto amor, já ultrapassou e descurou todas as normas de segurança e cometeu todas as ilegalidades. Voos nocturnos sem parança, um ruído insuportável para quem mora debaixo das rotas, uma poluição insuportável sobre a cidade, e atrasos, mais atrasos, mais atrasos. … Mais que uma tortura, o aeroporto tal qual está é um dos aeroportos mais inseguros do mundo.» E continua: «o facto de as máquinas de leitura de passaportes electrónicos nunca funcionarem e sermos obrigados a enfiar o passaporte várias vezes e a esperar que a fotografia seja tirada, o que raramente acontece à primeira vez. É uma experiência interessante ficar entalado entre a leitura do passaporte e a fotografia. Terra de ninguém. E é por estas e tão excelsas razões, que os Governos nem privatizam a TAP, nem agilizam a TAP, nem investem na TAP, nem refreiam e disciplinam a incompetência da TAP.»
Ou seja, o trambolho não sabe que o aeroporto e a gestão do aeroporto é da ANA e que a ANA foi privatizada à multinacional Vinci. Muito do que CFA descreve é real – apesar de algumas vezes exagerado, eu já passei dezenas de vezes nas máquinas do passaporte sem problemas – mas é da responsabilidade da ANA privatizada, da ANA que o Estado largou da mão. A TAP, tal como os utentes do aeroporto, tal como os residentes da cidade de Lisboa, é vítima desse processo, exactamente porque tem o seu hub (e já agora, cara CFA, hub e aeroporto não são sinónimos, como até uma consulta ao Google ajuda a perceber) num aeroporto sob gestão privada.
Aliás, essa ignorância espelha-se noutra frase do texto: «[A Easyjet] tem manga, enquanto a TAP, excepto para os destinos de eleição, tem os autocarros. Resumindo, a TAP não tem dinheiro para ter um aeroporto, ao contrário da Ibéria, da Air France, da Lufthansa ou da British Airways, dominantes nos seus terminais.» CFA não sabe, e não se deu ao trabalho de tentar saber, que nenhuma das citadas companhias «tem um aeroporto», mas todas, ao contrário da TAP, voam em aeroportos públicos que naturalmente dão prioridades à respectiva empresa nacional. Só a TAP é obrigada a voar num aeroporto privado, sem alternativas, sendo por isso espremida e prejudicada pelo operador privado, que a sente como garantida e dá prioridade a atrair outros clientes.
«A TAP, tal como os utentes do aeroporto, tal como os residentes da cidade de Lisboa, é vítima desse processo, exactamente porque tem o seu hub (e já agora, cara CFA, hub e aeroporto não são sinónimos, como até uma consulta ao Google ajuda a perceber) num aeroporto sob gestão privada.»
Sem esquecer esta justa crítica: «Sendo o aeroporto o que é, um centro comercial onde os passageiros são a última consideração, o check-in da TAP é uma balbúrdia terminal.», que mais uma vez responsabiliza a TAP pelo que acontece no aeroporto gerido pela privatizada ANA.
Antes, CFA honrou-nos com a descrição romanceada da sua tentativa de comprar um bilhete para Roma. E informa ela o leitor: «Para países como a Itália, onde a TAP mantém um agradável monopólio, os preços raiam a exploração monopolista». Qualquer leitor pode ir à net neste momento e verificar da veracidade das afirmações de CFA. No meu caso, consultei o Momondo no dia 23/10 e deu-me os seguintes preços para ligações directas a Roma: Wizzair 80 euros, Ryanair 90 euros, TAP 105 euros. Nem monopólio nem preços monopolistas, mas enfim. Só mais à frente poderemos deduzir que CFA se está a referir aos preços em Executiva, e a comparar preços da TAP em Executiva com os preços das restantes companhias em turística. Ou seja, que toda a sua indignação é contra os preços da TAP em Executiva que rondariam os 2000 euros (Força, Força camarada CFA, Não pagamos!, Não pagamos!, a tua luta é justa, apesar de teres exagerado para o dobro o preço).
CFA é o espelho da classe comentadeira na comunicação social dominada: arrogante, contundente, ignorante. E completamente alinhada com a ideologia dominante: estivesse CFA consciente que o grosso das suas críticas se dirigiam a uma empresa privatizada e não as teria escrito. Da mesma forma que o Expresso nunca teria publicado o conjunto de disparates que CFA alinhou se estes não se dirigissem contra uma empresa pública.
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