|Comissão de inquérito à TAP

CPI TAP. Recordando a outra CPI, no ano 2000

A TAP, que desapareceria se não fosse privatizada, não foi privatizada nem desapareceu. Estabeleceu uma parceria estratégica e continuou a operar e a criar riqueza para Portugal.

CréditosMiguel A. Lopes / Lusa

Hoje já poucos se recordarão que, há 23 anos, funcionou uma outra comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP, esta sobre a privatização à Swissair e o processo de reestruturação que a antecedeu. Agora que a CPI de 2023 está a chegar à fase de elaborar as suas conclusões, vale a pena revisitar as conclusões de 2001 (ano da sua aprovação). Elas estão disponíveis no site da Assembleia da República.

O primeiro destaque é para a voluntária cegueira de quem determinou as conclusões e as aprovou sozinho (o Grupo Parlamentar do PS). Como é costume no jogo da administração bipartidária alternante, a Comissão concluiu que o Governo do PSD tinha feito tudo mal, o do PS, tudo bem, e o filho dos dois, a reestruturação e privatização da TAP, apesar dos primeiros e graças aos segundos, corria de vento em popa.

E faz concluir, do topo da sua maioria parlamentar, que «Face aos depoimentos apresentados nesta Comissão de Inquérito, a opção pelo grupo Qualiflyer no processo de parceria e privatização é aquela que, estrategicamente, melhor defende os interesses da TAP.»

Menos de dez meses depois a realidade abatia-se sobre o castelo de cartas que eram estas conclusões, com a declaração de falência da Swissair, antecedida da ruptura do processo de compra da TAP, e seguida do fim da aliança Qualiflyer. Mas o que seria verdadeiramente grave é que essa realidade se abateria – com estrondo – sobre a TAP, abrindo-lhe um buraco que ultrapassou os 200 milhões de euros.

E, no entanto, em anexo a essas conclusões, encontra-se uma declaração de voto do PCP (a única), que tudo explica, e fá-lo a tempo de evitar uma parte do desastre (para evitar todo o desastre que foi a privatização à Swissair e a reestruturação que a antecedeu, era preciso regressar atrás no tempo).

A declaração de voto é maior que o relatório que acompanha. Tentemos seguir um seu resumo:

«As novas condições de funcionamento do transporte aéreo, designadamente a sua liberalização, que levou a uma concorrência extremamente agressiva entre os vários operadores aéreos...»

«Neste contexto colocou-se como inevitável e necessário que a TAP procurasse, ela também, parcerias estratégicas com outras companhias...»

«Mas uma coisa é a opção por acordos de parceria estratégica, outra é a necessidade de privatização da transportadora aérea nacional e outra ainda é que essa privatização conduza à perda do seu controlo por parte do interesse público...»

«É que a necessidade de privatização da TAP sempre foi colocada como condição para a existência de parcerias estratégicas. Sabe-se agora que, no âmbito dos eventuais vários parceiros interessados num acordo com a TAP, nem todos colocavam como condição para tal acordo a sua participação no capital da empresa. É o caso da Air France...»

«[Há alianças] pesadas, como a da Qualiflyer, em que cada parceiro tende a perder a sua autonomia estratégica e a sua imagem a favor do centro mais poderoso, no caso a Swissair e o SAirGroup. E há alianças mais softs, em que os vários parceiros guardam margem de manobra estratégica...»

«A verdade é que, contrariamente às previsões optimistas do Ministro do Equipamento Social e do conselho de administração da TAP, a transportadora aérea nacional termina o exercício de 2000 sem quaisquer sinais de recuperação dos seus resultados, devendo os prejuízos do exercício rondarem entre 20 a 24 milhões de contos contra uma previsão orçamental inicial de 7,5 milhões de contos. Parte destes prejuízos são, sem dúvida, imputáveis ao aumento dos preços dos combustíveis e à cotação do dólar USA, mas, tanto quanto é possível apurar, o valor decorrente desses dois factores, acima das previsões já previstas no orçamento da companhia, rondam unicamente cerca de 5 milhões de contos. Acresce que se confirmam os receios de perda de independência, autonomia e imagem da TAP.» [Nota: 20 milhões de contos são 100 milhões de euros].

E foi assim que a tentativa de privatização da TAP provocou um buraco de 200 milhões de euros.

A TAP, que desapareceria se não fosse privatizada, não foi privatizada nem desapareceu. Estabeleceu uma parceria estratégica integrando a Star Alliance, onde pontua a Lufthansa, e que é só a maior aliança do mundo. E continuou a operar e a criar riqueza para Portugal mesmo tendo que transportar às costas aquele pedregulho de 200 milhões de euros de passivo de que só seria ressarcida em 2022.

Quando ouvimos Pedro Nuno dos Santos repetir o mesmo argumento de Jorge Coelho há 23 anos, sobre a inevitabilidade da integração da TAP (por privatização) num grupo maior, é precioso recordar como acabou essa mesma inevitabilidade há 23 anos. E quando lemos a declaração de voto do PCP e percebemos que tudo o que era necessário para travar o crime estava estudado, escrito e concluído em documentos que foram mantidos secretos pelo Governo para poder mentir ao Parlamento, aos trabalhadores e ao povo português, é impossível não nos lembrarmos de como isto se aplica ao processo actual.


Este artigo integra a série de apontamentos de análise à comissão parlamentar de inquérito à TAP, disponíveis aqui

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