As reivindicações são praticamente transversais, de Norte a Sul, fruto do desinvestimento a que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem sido votado. Em dia de debate do Estado da Nação, na Assembleia da República, as comissões de utentes fazem o retrato da saúde e do que falta para se cumprir este direito constitucional.
Numa concentração junto ao Hospital do Litoral Alentejano (HLA), em Santiago do Cacém, esta manhã, os utentes deram conta dos problemas vividos na região, onde há centros e extensões de saúde degradados e cerca de 15 mil utentes sem médico de família. Mas nem só de clínicos se alimenta a falta de pessoal na Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano.
Segundo contas feitas pelos utentes e profissionais de saúde, seriam precisos mais 100 enfermeiros, havendo também falta de assistentes operacionais e técnicos, mas também técnicos de diagnóstico e terapêutica, entre outros.
A carência é partilhada em Aveiro, onde, a partir das 17h, o MUSP organiza um protesto junto ao Hospital Infante D. Pedro. Além da falta de profissionais no SNS, também a valorização dos salários e carreiras, e a aquisição de meios de diagnóstico e terapêutica integram as reivindicações da população, que reclama médicos e enfermeiros «para todos».
No Litoral Alentejano, as comissões de utentes revelam num comunicado que, nalgumas localidades, os cuidados médicos «só são prestados uma vez por mês». Acresce o facto de, no HLA, não se realizarem consultas de Pediatria e haver um médico cardiologista para 100 mil utentes. Já para ter uma consulta de Oftalmologia, é preciso esperar cerca de 300 dias.
«Saúde, sim. Negócio da doença, não»
Estas e outras denúncias foram tidas em conta numa nota divulgada esta terça-feira pelo MUSP, onde se denuncia a «aposta» na degradação do serviço público e as consequências de transferir a saúde para os municípios, «consoante a sua capacidade e disponibilidade financeira, o que levaria à descaracterização do SNS, senão mesmo à sua extinção».
O Movimento quer ver resolvido o problema do acesso à urgência, «sem novos encerramentos e garantindo a toda a população uma resposta para situações de doença que não precisem de cuidados hospitalares», e denuncia as linhas de ataque ao SNS.
Uma delas prende-se com o desinvestimento em infra-estruturas, «deixando o campo aberto para o sector privado continuar a crescer à custa do erário e da carência de oferta pública». Para os utentes, é «incompreensível» que faltem equipamentos para fazer exames e tratamentos no SNS e «se gastem milhões de euros a comprar esses serviços a empresas privadas».
O Serviço Nacional de Saúde está confrontado não com problemas conjunturais, mas, sim, dificuldades de ordem estrutural às quais o Governo não tem respondido e que, em alguns casos, se vão agravando. As dificuldades do SNS têm muito a ver com uma grande desvalorização de todos os profissionais de saúde e com a não implementação de medidas como a valorização das carreiras, nomeadamente através de remunerações atractivas, de uma real perspetiva de progressão na carreira e de horários que sejam compatíveis com o seu descanso. Apesar de estar entre os melhores do mundo e ter colocado Portugal no pelotão dos países desenvolvidos, o SNS tem vindo a ser asfixiado pelo sub-financiamento. Criado em 1979, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma das conquistas da Revolução de Abril e é graças a ele que Portugal se levanta em Saúde, desde logo com uma notória evolução em indicadores como a esperança média de vida e as mortalidades infantil e perinatal. Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram como se atingiram melhorias consideráveis, por exemplo, ao nível da mortalidade infantil. Em 1970, por cada mil crianças nascidas, 55,5 morriam antes de completar o primeiro ano de vida. Dez anos depois, o número desceu para 24,3. Se olharmos para estatísticas mais recentes vemos que a curva descendente continuou a fazer o seu caminho. Em 2016, Portugal, com 3,2% de mortalidade infantil, estava abaixo da média da União Europeia (3,6%). O desempenho do SNS é, no entanto, inversamente proporcional aos atropelos de que tem sido alvo, praticamente desde a sua criação, a começar pelo sub-financiamento. Nas vésperas da criação da moeda única, a União Europeia (UE) implementou um conjunto de medidas, como a limitação dos recursos aplicados à Saúde, a fim de controlar a despesa no sector e permitir, por exemplo, a introdução dos seguros privados e o aumento dos co-pagamentos. Entre 2008 e 2018, com particular ênfase nos anos da troika e do governo do PSD e do CDS-PP, o sub-financiamento do SNS torna-se crónico, daí resultando a dívida aos fornecedores. O peso do SNS no Orçamento do Estado (OE) passou de 4,42% em 2008 para 4,27% em 2018. Avaliando as transferências de cada orçamento para o SNS e a respectiva despesa total, neste período, chegamos a um valor médio negativo de cerca de 13 500 milhões de euros. Situando-se a despesa sistematicamente acima da transferência canalizada pelo OE, a execução vai sendo sucessivamente rectificada, passando a receita a aproximar-se da despesa e a apresentar, no período dos últimos dez anos, um valor médio negativo de 308 milhões de euros. Entre as imposições do famigerado memorando da troika para os anos 2012 e 2013 esteve um corte no OE para a Saúde de 550 milhões e de 375 milhões de euros, respectivamente, de que resultou um corte na despesa. Conforme atesta o Perfil de Saúde de Portugal, publicado pela OCDE em 2017, nos anos da troika a despesa pública em Saúde diminuiu mais do que noutros sectores da Administração Pública. Em 2015, último ano da governação de Passos e Portas, o País gastou 1989 euros por habitante, cerca de 30% abaixo da despesa média da UE (2797 euros). Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. No fundo, trata-se não só de criar condições para que não saiam mais médicos e enfermeiros do SNS, mas também o de fazer um caminho para os contratar, em particular para as especialidades em que são mais necessários e de forma a garantir o cumprimento das promessas de assegurar médico e enfermeiro de família para todos. Aliás, nem as recentes declarações da ministra da Saúde nem o Orçamento do Estado recentemente aprovado pelo PS (com a abstenção do PAN e do LIVRE) contêm soluções para salvar o Serviço Nacional de Saúde, considerando que é indispensável aumentar a capacidade de resposta do SNS, e para que isso aconteça são precisos meios financeiros, humanos e materiais. Nesse sentido, talvez se perceba melhor a posição do PCP quando, em Novembro passado, votou contra o Orçamento do Estado para 2022, o que levou o Presidente da República a dissolver a Assembleia da República e a convocar eleições legislativas antecipadas, de que resultou a maioria absoluta do PS. A questão do SNS foi uma das principais razões para os comunistas terem chumbado o Orçamento. Num estudo elaborado com base nos dados divulgados pelo Ministério das Finanças, o economista Eugénio Rosa alerta para as dimensões da dívida do SNS e para o perigo de ser «sufocado» pelos interesses privados. Lembrando que o País enfrenta uma grave crise de saúde publica causada pela Covid-19, que desencadeou uma crise económica e social, o economista afirma que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um «factor-chave» na luta contra a insegurança generalizada que domina toda a população, e sublinha que «dotá-lo dos meios necessários, quer financeiros quer humanos, devia ser a principal preocupação do Governo». Pelo contrário, e observando a execução do orçamento do SNS até Maio deste ano, que o Ministério das Finanças acaba de divulgar, persiste aquilo a que Eugénio Rosa chama de «obsessão pelo défice», continuando a sobrepor-se à necessidade de defender a saúde dos portugueses. «Irrealista» é o adjectivo com que caracteriza o orçamento do SNS aprovado para 2021, em que a despesa prevista é de 11 604 milhões de euros, apenas 1,3% acima da despesa total de 2020. «Se compararmos a despesa nos cinco primeiros meses de 2021 com a dos cinco primeiros meses de 2020, conclui-se que ela aumentou em 7,2%, portanto um ritmo de crescimento percentual 5,5 vezes superior ao previsto no orçamento do SNS aprovado pelo Governo», sublinha no estudo. Só nos cinco primeiros meses deste ano, o SNS acumulou um saldo negativo de 377 milhões de euros, que é 4,2 vezes superior ao défice previsto no orçamento do SNS aprovado pelo Governo para todo o ano de 2021, revela o economista. Eugénio Rosa prevê que, se se mantiver o ritmo de crescimento verificado neste período, o SNS terminará este ano com um défice de 904,8 milhões de euros, que se adicionará à enorme divida que já tem aos fornecedores privados. A dívida das entidades do SNS aos fornecedores privados com mais de 90 dias é apenas uma parte da dívida total do SNS. E só esta é que é divulgada na informação mensal sobre a execução do Orçamento do Estado pela Direcção-Geral do Orçamento do Ministério das Finanças. A dívida total do SNS a fornecedores privados aumentou, nos primeiros cinco meses do ano, de 1 516 para 1 907 milhões de euros. Um aumento e uma dívida «enorme» que põe em causa o próprio funcionamento do SNS, e «que o coloca à mercê dos privados, que têm assim um enorme poder para impor condições e preços ao SNS, já que este está sufocado com dívidas». Os dados referentes a 2018 confirmam a tendência que se vem verificando desde 2015. O sector privado é o grande sorvedor do orçamento do SNS. Das verbas públicas que financiam os cuidados de saúde, perto de 41% vão para os privados. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados pelo Jornal de Negócios, são referentes a 2018. Todavia, não se desviam da análise feita pelo AbrilAbril, relativamente a 2017, na qual se confirmava que a fatia da despesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que tem ido parar às mãos dos privados, além de rondar os 40%, vinha subindo desde 2015. De acordo com a informação hoje publicada, são cerca de cinco milhões de euros que em 2018 foram para entidades privadas, sobretudo para a comparticipação de medicamentos e bens médicos nas farmácias e outros retalhistas, valor que compara, segundo os últimos dados disponíveis, com os quase 12 milhões e meio que foram transferidos pelas administrações públicas para a prestação de cuidados de saúde em 2018. Os hospitais privados ficam com 22,5% das verbas do Estado, enquanto os consultórios e gabinetes médicos recebem quase 20%, sobrando 59% do financiamento público para o SNS. «Os hospitais públicos absorvem 78% destes 7308 milhões de euros, ficando outros 18% para os centros de saúde», lê-se no diário. Além do dinheiro recebido directamente do SNS, os prestadores de cuidados de saúde privados recorrem à ADSE, Segurança Social e às deduções fiscais para se financiarem. Juntamente com o Estado, são as famílias e os seguros de saúde a financiá-los. Segundo o INE, as famílias financiaram 29,5% das despesas totais em saúde, no ano de 2018, valor que se mantém estável ao longo dos anos, enquanto os seguros privados suportaram 4,1% dos gastos correntes. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. «Como é que o Governo pode dizer que está a dotar o SNS dos meios que ele necessita para defender a saúde dos portugueses, assegurar a recuperação económica do País e reduzir a dramática situação social, se obriga o SNS a este enorme endividamento para continuar a funcionar com as dificuldades que são conhecidas?», pergunta o economista. Acresce a saída de muitos dos melhores profissionais do SNS para o sector privado, atraídos por melhores remunerações e melhores condições de trabalho, que está a criar graves problemas a muitos hospitais públicos, uma vez que o actual Governo adiou novamente a introdução da exclusividade com base numa carreira atraente e remunerações dignas para os profissionais de saúde. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A verdade é que, para além de encontrar soluções para contratar e fixar profissionais de saúde no SNS, nomeadamente a dedicação exclusiva para médicos e enfermeiros, com carácter opcional, com uma majoração da sua remuneração base e a uma bonificação na contagem do tempo para a progressão na carreira, são também necessárias medidas que passem pela contratação de técnicos superiores de saúde e de diagnóstico e terapêutica, e técnicos auxiliares de saúde e administrativos, num processo em que as contratações devem ter vínculo permanente. Entretanto, aprofunda-se a estratégia daqueles que tudo fazem para descredibilizar o SNS, aproveitando a falta de resposta do serviço público para justificar mais contratações ao privado, com a consequente perda de recursos do SNS e favorecendo os grandes grupos económicos que intervêm na área da saúde, que já hoje usufruem de uma fatia de quase 50% do Orçamento da Saúde. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Editorial|
Os problemas do SNS são estruturais
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Subfinanciamento: a doença crónica do SNS
Os duros anos da troika
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SNS endividado a favor dos privados
«É assim também que se destrói o SNS e se promove o negócio lucrativo privado da Saúde em Portugal»
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Privados continuam a ficar com mais de 40% do orçamento da saúde
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Por outro lado, salientam que a disfunção das unidades de saúde de proximidade conduz ao congestionamento dos serviços de urgência hospitalar, levando a situações complexas, como nas urgências de ginecologia e obstetrícia. Neste sentido, reivindicam medidas sustentadas para a resolução do problema, criticando a sistemática contratação de médicos tarefeiros e exigindo a criação de condições para fixação dos profissionais existentes e a contratação de novos, com a respectiva valorização das carreiras, de forma a travar a sangria para o sector privado e para o estrangeiro, e a consequente ruptura dos serviços hospitalares.
Reafirmando a necessidade de privilegiar a saúde pública, em vez do «negócio da doença», o MUSP reclama o fim definitivo das taxas moderadoras e a gratuitidade dos medicamentos para todos os pensionistas, e acabar com o «tratamento diferenciado» dos utentes nos cuidados de saúde primários, «consoante o lugar do País onde se encontrem ou dependendo da inclusão numa USF ou numa unidade de modelo tradicional (UCSP)».
O Movimento defende ainda a necessidade de dotar toda a população de médico e enfermeiro de família, e aumentar o investimento em novos edifícios, a par da «correcta manutenção dos existentes e o seu apetrechamento com equipamentos que permitam responder crescentemente às necessidades de saúde».
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